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Mudanças nossas de cada dia

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17/01/2019 11:41

Frase atribuída ao cineasta, produtor e roteirista norte-americano, Steven Allan Spielberg, a qual circula em redes sociais, diz literalmente que “todos nós, em cada ano, somos uma pessoa diferente. Eu não creio que sejamos a mesma pessoa durante toda a nossa vida.” Ouso contestar sua afirmação. Isto porque, ao tempo em que nós, seres humanos, estamos em permanente evolução – nunca devemos nos julgar prontos para o enfrentamento de cada dia – nossa essência mais profunda e nossos valores mais consolidados permanecem inalterados. A convivência sistemática com idosos atesta o recrudescimento de suas virtudes e eventuais falhas. É visível! 

As transformações integram o próprio viver, como forma de acompanhar o progresso social e o aperfeiçoamento individual. Assim, reitero uma das letras musicais mais ricas do repertório nacional, “Metamorfose ambulante”, Raul Seixas, quando propaga a vantagem de ser uma metamorfose ambulante em vez de manter velhas e arraigadas opiniões formadas sobre tudo e sobre todos. É vital. É difícil. Mas, é possível brincar com a vida e os imprevistos que perfazem o viver. São mudanças inevitáveis que integram ou desintegram o cotidiano. Repito: “[...] prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião [empedrada] [...] sobre o que é o amor; sobre o que eu nem sei quem sou. Se hoje eu sou estrela, amanhã já se apagou. Se hoje eu te odeio, amanhã lhe tenho amor. Lhe tenho amor. Lhe tenho horror. Lhe faço amor [...]” Não é à toa que, para espanto de muitos, sempre me posicionei como uma mulher volúvel! Volúvel, sim! Liberta de amarras ante experiências inovadoras, sem que isto signifique, necessariamente, ser infiel a princípios, anseios e amores.

No entanto, as viradas de ano por si só não nos tornam uma pessoa diferente. Em primeiro lugar, claro está que a adoção de calendários é inevitável para sequenciar e acompanhar períodos históricos. Países, povos e determinadas religiões mantêm, até os dias de hoje, calendários diferentes. Porém, face à expansão da cultura ocidental mundo afora, sobretudo, nos últimos séculos, o calendário gregoriano prevalece em muitas e diferentes nações como o calendário oficial e a data de 1º de janeiro marca a virada do ano, como no precedente calendário romano, mesmo onde se conservam as tradições em dias distintos, a exemplo de Israel e China. 

Os judeus celebram o seu Ano Novo (Rosh Hashaná) com mel, maças e romãs, no que corresponde aos meados de nosso setembro. O primeiro dia do ano intitula-se Tishrei e a data exata é estabelecida pelas fases da Lua. Em se tratando da China, a virada do ano se dá ao final de janeiro ou início de fevereiro. Os chineses seguem o calendário lunar, elaborado com base no tempo que a Lua leva para dar a volta em torno da Terra – cerca de 29 dias e 12 horas –, mas, entre os seus, costumam utilizar seu próprio calendário, baseado no zodíaco chinês. 

Em segundo lugar, claro está que a chegada de um novo ano não determina o caráter e a dignidade dos cidadãos mundo afora, o que soa hilário de tão improvável. De qualquer forma, é interessante relembrar que janeiro é um termo advindo de Jano (Janus, em latim), deus romano de transformações e transições. “Reza a lenda” que ele exerce domínio sobre quaisquer começos. Em seu poder, estão os rituais de mutações, haja vista que Jano possui duas faces: uma voltada para frente (futuro); outra para trás (passado). É a evidência indireta de que prosseguimos em longas caminhadas. O homem, em qualquer circunstância, é resultado do passado vivido, com suas parcelas de felicidade e dissabores, ao tempo em que seu futuro resulta do complexo somatório passado + presente.

Logo, não é tão simples ou simplório: ano novo; gente nova. Inexiste dia ou mês específico para transformação! Estamos em 2019. Deixamos para trás o ano de 2018, mas nada mudará num passe de mágica. Precisamos ser a mudança que desejamos para o ano que ora se inicia, buscando a construção contínua de um indivíduo melhor, sem relegar nem nossos valores mais sólidos nem tampouco a metamorfose decantada tão sabiamente por Raul Seixas!

*Maria das Graças Targino é jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto de Iberoamérica 

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