Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Eu sou a Constituição. Eu sou o Presidente. Eu sou o diálogo.

Maria das Graças Targino - Jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto de Iberoamérica

29/04/2020 10:42

Exatamente no dia 7 de novembro de 2018, publiquei, aqui, em “O Dia” o texto que segue adiante. A matéria intitulada “Ambição e desilusão” causou reações contrárias (ou não), mas o previsto ora se confirma entre verdadeiros tiroteios verbais de lado a lado, com a exoneração do então Ministro Sérgio Fernando Moro e suas denúncias contra o Presidente Jair Messias Bolsonaro. Deve ser difícil conviver com quem tenta repetir o absolutismo monárquico do Império Napoleônico (18 / 05 / 1804 a 14 / 04 / 1814), quando Napoleão Bonaparte, um dos generais da Revolução Francesa e imperador da França, repetia, com truculência, “Eu sou a Constituição”. Bolsonaro vai além e complementa “Eu sou o Presidente” e, ironicamente, “Eu sou o diálogo”. Eis o texto original, na íntegra: 

Tenho opiniões formadas acerca do universo da política, não como expert, mas, sobretudo, como cidadã. Não sou filiada a nenhum partido político, até porque, como tenho repetido ao longo da vida, eles se assemelham no que mantêm de mais negativo, em especial, a inconsistência ideológica que cerca seus adeptos e seguidores. Se assim não fora, não seria tão fácil “pular de galho em galho”, num atestado nítido de que os “legítimos representantes do povo” pouco se diferenciam em sua ambição de poder, de modo que o termo – ideologia – no campo da política, se esvazia no sentido de sistema de ideias consolidado como instrumento de luta em prol das coletividades. É um banho de desesperança e de desilusão. 

Acredito que ninguém, em sã consciência, tem noção de quais são os partidos políticos que existem em território nacional. O Tribunal Superior Eleitoral reconhece 35, além de 77 (pasmem!) em processo de formação junto ao TSE (dados atualizados). Dentre as sopinhas de letrinhas, estão PTB, PDT, PT, DEM, PCdoB, Avante, Partido Novo, Solidariedade, Patriota, Pode etc. Por exemplo, o Presidente Bolsonaro, em seus sete mandatos como deputado federal, entre 1991 e 2018, “passeou” por sete diferentes partidos – PSC, PP, PFL, PTB, PPB, PPR, PDC – até se agarrar a um partido nanico, o Partido Social Liberal para ser eleito. Aí permaneceu até novembro de 2019, quando saiu para formar o “Aliança pelo Brasil”. 

Até aqui, nenhuma novidade. A instabilidade do sistema político. O elemento novo, em minha percepção, fica por conta do magistrado, escritor e professor Sérgio F. Moro ter aceito integrar a linha de frente do Governo Bolsonaro. Não sou petista. Não concordo com a onda de corrupção que tomou conta do país, nos conduzindo a um mar de lama, que mais que salpica, emporcalha os Poderes Executivo, Legislativo e, vez por outra, o Poder Judiciário. 

Ao vasculhar os porões das instituições públicas brasileiras e expor suas vísceras no que mantêm de mais repugnante, um nome ganhou destaque no decorrer dos anos. Retoma-se, aqui, o nome de Moro. Como Juiz Federal da 13a Vara Criminal Federal de Curitiba desde 1996, assumiu, com brilhantismo, uma série de casos, como o escândalo do Banestado, além de se envolver no julgamento de crimes alusivos ao famoso Mensalão. A notoriedade nacional e internacional veio, quando, em março de 2014, tomou para si o julgamento em primeira instância dos delitos da chamada Operação Lava Jato, o maior registro de corrupção e de lavagem de dinheiro descoberto em território nacional, envolvendo políticos de diferentes instâncias, personalidades do high society, empreiteiros e grandes empresas. O longo trabalho desenvolvido com seriedade ímpar conquistou a admiração de milhões de brasileiros, que, ingenuamente, como eu, lhe posicionaram como mito ou superdeus, por sua decência e honorabilidade. 

O Presidente, por sua vez, representa o oposto. Literalmente, é uma incógnita em qualquer acepção: sua instabilidade política partidária; seu temperamento distante de qualquer traço do que se chama estadista; sua vida militar obscura; sua formação intelectual duvidosa; sua parca produção e ações em prol dos brasileiros durante tantos anos na Câmara Federal. Tudo isto aliado a estigmas que lhe são atribuídos, como homofóbico, racista, intolerante no campo religioso, misógino (não importam os casamentos, as mulheres e os cinco filhos), nada pacifista e assim seguem adjetivos a ele imputados, que, hoje, se consolidam nos 15 meses de mandato. 

Após este parêntese, o aceite do magistrado ao apelo de Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública desvenda a alma de homem comum de Moro. Decerto, ao aceitar o cargo de Ministro, perdeu sua identidade até então plena no decorrer de 22 anos de Magistratura. Pela primeira vez – espero que seja a única e a última – sou obrigada a concordar com a truculenta Dilma Rouseff, quando diz: “o rei está nu”, referindo-se ao “juiz do Brasil”. Ao acatar com facilidade o perigoso convite, desnuda-se e expõe sua fragilidade. Permite-me questionar até que ponto sua ambição desmedida e sua vaidade exacerbada lhe roubaram a capacidade de avaliar como está pondo em risco uma história de vida sem máculas e a conquista da honorabilidade, numa época em que espertos e indignos rastejam por toda parte. 

Não duvido da coerência e da retidão de suas sentenças. A centena de provas irrefutáveis aponta a culpabilidade dos presidiários, incluindo Luís Inácio Lula da Silva. Ao que parece não há inocentes. A Lava Jato prosseguirá. Torço para que Moro se salve nesse novo universo tão fétido quanto o bando de transgressores com quem conviveu. É tão somente um sentimento de desilusão intensa com gosto de orfandade – a minha ou a nossa: os tolos que acreditaram na existência, ainda, de super-heróis! Eis um pulo no escuro! Eis um tiro no pé que ora se confirma! 

Mais sobre: