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Educação e simulacro: combinação inaceitável!

Maria das Graças Targino é jornalista - Pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto de Iberoamérica

23/04/2020 15:55

A articulista do Jornal O Dia, Lucineide Barros Medeiros, na edição recente de 17 a 19 de abril, dissertou, com propriedade, sobre a implementação em andamento da educação a distância (EAD) no Piauí (PI) em época de pandemia.  Para tanto, recorreu à farta legislação utilizada pelos órgãos de educação do Estado para embasar o regime especial de aulas não presenciais no âmbito das instituições do Sistema Estadual de Ensino, enquanto permanecer o isolamento social que visa reduzir o avanço do coronavírus (COVID – 19).

O ponto de partida é a Resolução n. 06, 26 de março de 2020, do Conselho Estadual  de Educação do Piauí. Cita leis, decretos e portarias do Governo Federal e Estadual, com ênfase para o Decreto n. 9.057 da Presidência da República, 25 de maio de 2017. Este concebe a EAD como modalidade educacional na qual a mediação didática / pedagógica no ensino-aprendizagem ocorre mediante o uso de tecnologias de informação e de comunicação (TIC), além de pessoal qualificado, políticas de acesso à informação, avaliação sistemática para a adoção de atividades educacionais envolvendo docentes e discentes localizados em espaços e tempos diversos. Seu Art. 8º, sem qualquer menção à educação infantil, prescreve ser competência das autoridades educacionais nas esferas estaduais, municipais e distrital autorizarem o funcionamento de instituições da EAD no ensino fundamental e médio; na educação profissional técnica de nível médio; na educação de jovens e adultos (EJA); e na educação especial. 

No auge da pandemia, documento da Secretaria de Estado da Educação – Piauí (SEDUC, www.seduc.pi.gov.br) datado de 6 de abril de 2020,especifica estratégias sobre o mencionado regime especial de aulas. Longo, o texto inicia com justificativas ou fundamentação legal. Segue com orientações para o plano de ação pedagógica e acresce instrumentais para plano de trabalho aplicado ao regime especial de aulas não presenciais e, também, para plano de estudo do aluno, finalizando com menção de materiais para apoiar as escolas. 

Porém, surpreendentemente, a SEDUC adota as expressões ensino a distância / educação a distância como sinônimos de ensino remoto. Verdade que ambas as modalidades utilizam as TIC como ferramentas básicas, mas são elas bastante distintas. Na EAD, os conteúdos são, em sua maioria, assíncronos, autoinstrucionais e disponibilizados em ambientes virtuais sob supervisão de coordenadores, tutores e professores. No caso das aulas remotas, são elas ministradas por docentes, quase sempre, no mesmo horário convencional das aulas presenciais, por meio de recursos tecnológicos, assegurando a continuidade das atividades letivas, salvaguardando, neste momento histórico de pandemia, a segurança da comunidade escolar.

Ora, se a tecnologia é básica tanto para a EAD quanto para o ensino remoto, é de se esperar que os 224 municípios do Piauí contem com corpo docente capacitado em termos de alfabetização / letramento digital como elemento de sobrevivência pessoal e profissional. Só assim poderá garantir aos discentes acesso ao fluxo informacional inerente à sociedade contemporânea. O ensino, tal como os demais segmentos da população dos países mundo afora, tem sido fortemente impactado com o novo coronavírus. Logo, a  paralisação de escolas e universidades é compreensível e necessário em prol da sobrevivência do ser humano. No entanto, o improviso da EAD ou do ensino remoto para cumprir a carga-horária prevista, sobretudo, na esfera da educação infantil, do ensino fundamental, médio (profissional ou não), da EJA e da educação especial, em se tratando da realidade piauiense, é inadmissível. 

Os professores das unidades escolares da Rede Estadual de Ensino do PI precisam de longo treinamento e domínio consolidado da alfabetização digital, como antes dito. As escolas públicas, salvo raras exceções, demandam infraestrutura minimamente aceitável. Em simples visita aos educandários públicos, constata-se que sobram carteiras quebradas, bibliotecas com acervos deploráveis, laboratórios com equipamentos danificados, TIC desatualizadas e sem condições de uso, desordem no campo gerencial, violência e frágil serviço de segurança, banheiros indignos de crianças e adolescentes, pátios sujos et cetera et cetera. 

Além de toda essa fragilidade estrutural, muitas crianças e adolescentes não têm como acompanhar os passos do ensino remoto. A prova está que o documento com a definição de estratégias já se antecipa e diz: “onde houver impossibilidade de acompanhamento aos alunos, deve-se garantir que não haja prejuízos aos mesmos, com a reposição dos conteúdos/aulas quando do retorno às unidades escolares”, o que acirra as desigualdades sociais entre os escolares e retoma a distância da qualidade entre os estabelecimentos públicos de ensino e as empresas particulares do ramo. Quantas famílias com filhos em escolas públicas possuem computador, celulares de última geração, tablets e tudo o mais imprescindível ao ensino remoto?

Por isso e muito, muito mais, o documento da SEDUC, abril de 2020, parece um simulacro na acepção de imitação enganosa de um semestre letivo em andamento. Muito mais ético e honesto com a sociedade é a suspensão das aulas ao longo destes meses, como alguns países e regiões começam a adotar. É preciso compromisso ético com a sociedade, como descrito por Lucineide B. M. Educação e simulacro consistem em combinação inaceitável! 

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