Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

E agora, Jair?

Maria das Graças Targino - Jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto de Iberoamérica

06/05/2020 18:56

Apesar de mais rico, menor e menos populoso do que o Brasil e de muitos outros países, onde o coronavírus tem deixado um rastro de dor e de perplexidade, nada diminui a grandeza da lição que a Nova Zelândia (Oceania) lega ao mundo com seu exemplo. De forma extremamente rápida, com um Governo equilibrado e com medidas implantadas e, sobretudo, respeitadas, como lockdown (isolamento bastante restritivo), aplicação de testes em massa e rastreamento da cadeia de infecção, a Primeira-Ministra Jacinda Ardern anunciou os bons resultados e revogou as medidas de isolamento, contando com a soma incrível de apenas 20 mortes pela COVID – 19. 

No Brasil, além da praga do vírus e de todos os males por ele causados, de ordem psicológica, social, econômica, educacional e em todos os segmentos da vida da população, confirmando o profundo abismo que caracteriza o sistema público de saúde, o presidente (assim mesmo, p minúsculo) e capitão reformado Jair Messias Bolsonaro tem protagonizado à parte um cenário  desordenado. De forma desastrosa, desumana, irracional, e sobretudo, irresponsável, tem ele mesmo contrariado as normas elementares do combate à pandemia prescritas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, paradoxalmente, por seu próprio Ministério da Saúde, como isolamento social, uso de máscara e não aglomeração. Em sua estupidez e insensatez, por duas vezes em datas próximas, aos finais de semana, tem comparecido a manifestações contrárias ao sistema democrático, misturando-se com populares para selfies, fotos e abraços, discursando contra os demais Poderes constituídos, como Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal. 

Aliás, seu comportamento reprovável parece nortear ações de seus Ministros. Por exemplo, ainda no dia 4 de abril passado, o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, investiu de forma racista contra a China e sua gente. Além de insinuar, de forma desprezível e disparatada, que o país asiático vem usando o coronavírus para dominar o mundo, recorreu ao personagem Cebolinha,  portador de distúrbio de fala, dislalia, que lhe faz trocar o R pelo S, com o intuito de satirizar a forma como os chineses falam, ainda que sem autorização do criador do personagem, o cartunista Maurício de Sousa. 

Mais adiante, dia 22 do mesmo mês, o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, publicou um texto “cômico” (se não fora absurdo e de burrice fenomenal), denunciando possível plano comunista que, segundo sua visão excêntrica, está tirando proveito da terrível pandemia para infiltrar a ideologia comunista, a partir do fortalecimento de órgãos internacionais, como a OMS.

E o que dizer da incontestável omissão da Secretária da Cultura, a atriz Regina Duarte? Como descrever o estado desordenado do Ministério da Justiça e Segurança Pública, com a saída estrondosa do então Ministro Sérgio Fernando Moro em meio a denúncias contra o presidente? E a que veio o atual titular do Ministério da Saúde, Nelson Teich: não para de planejar e não age. 

Há muito a ser dito e redito. Por isto, eis síntese da atuação do presidente em seu “enfrentamento” diante da expansão da COVID – 19 no Brasil, ano 2020: dia 15 de março (nenhuma morte): “Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar... não”; dia 22 de março (25 mortes): “O povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia nessa questão do coronavírus”; dia 26 de março (77 mortes): “Eu acho que não vai chegar a este ponto até porque o brasileiro tem que ser estudado [o que quis dizer?]; dia 30 de março (175 mortes): “Vai morrer gente! Não tem jeito!”; dia 12 de abril (1.230 mortes): “Parece que está indo embora a questão do vírus”; dia 20 de abril (2.588 mortes): “Ah! Oh, cara! Eu não sou coveiro” [quando perguntado sobre a falência do sistema funerário]; dia 28 de abril (5.083 mortes): “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagres”.     

 Diante da recusa de apresentar seu resultado, que interessa à população, haja vista que Bolsonaro, pondo em risco os interlocutores, circulou o tempo todo sem qualquer proteção, após sua chegada dos Estados Unidos, acrescentamos que há sérias dúvidas de que ele tenha pego a “gripezinha”, até porque a grande maioria da Comitiva que lhe acompanhou na viagem testou positivo para o coronavírus. E mais, lembramos que os números contabilizados e aqui descritos são considerados por infectologistas e estatísticos como bem abaixo da realidade, devido à prática comum de subnotificação no mundo, o que significa dizer que as perdas de cidadãos brasileiros podem ser bem dolorosamente mais elevadas. E é preciso lembrar o abandono quase total das aldeias indígenas e das comunidades que vivem em zonas longínquas e quase inacessíveis ao quadro deficiente de profissionais da saúde. 

Por fim, com a soma de 101.147 casos detectados em território nacional até anteontem, o que posiciona o Brasil no nono lugar dentre todas as nações do planeta, em se tratando do total de mortos (7.025), o país passa para a lamentável sétima posição em vítimas da COVID – 19, extrapolando China e Irã, nações massacradas pela pandemia. 

Assim, diante da “pergunta presidencial” – “E daí? [...] Quer que eu faça o quê? – é o momento de complementar: e agora, Jair? Há muito a ser feito com competência. Invista maciçamente no Sistema Único de Saúde, nas Unidades Básicas de Saúde e nas Unidades de Pronto Atendimento. Construa hospitais e os dote com equipamentos básicos, como respiradores, leitos de unidade de tratamento intensivo e Equipamentos de Proteção Individual. Valorize, sempre, os trabalhadores da saúde em todos os escalões. Não descuide das empresas em seus diferentes portes, envolvendo empregadores e empregados. Respeite os princípios democráticos. Não submeta os mais pobres a noites ao relento à espera dos 600 reais prometidos. Pare de atuar como grilo falante e inconsequente, e, SOBRETUDO, respeite a dor do outro e todos os cidadãos deste país tão especial e querido! 

PS – Não sou petista. Sou somente uma cidadã e ponto final.

Mais sobre: