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É a vez dos hondurenhos

A saga dos africanos persiste. Unem-se a eles muitos outros povos ou etnias.

14/11/2018 11:47

Impossível precisar com exatidão quando centenas de africanos começaram a chegar (2008 a 2010, mais ou menos) como manadas em marcha, na condição de foragidos, às ilhas Canárias, mais ou menos a 115 km da costa africana ou às costas de Andaluzia. Vinham amontoados em canoas (cayucos) ou barcos (pateras), em condições cruelmente precárias.  Estamos nos referindo aos subsaarianos, vindos da região africana ao sul do deserto de Saara, sobretudo, de países do noroeste da África, com ênfase para Marrocos.

Amontoados no chão sujo e íngreme, a tevê espanhola, à época, deixava claro quão difícil é descrever os corpos esquálidos e encurvados sob o peso das dores do mundo. As palavras pareciam inadequadas para representar o sofrimento daquela gente. Não são criminosos em fuga. Crianças e jovens, homens e mulheres, de idades indefinidas, expõem sem pudor a agonia de uma média de quatro a cinco dias sem comer e sem beber. Fogem da falta de água e do solo seco. Fogem da falta de alimentos, da desesperança e da expiação. 

A saga dos africanos persiste. Unem-se a eles muitos outros povos ou etnias. Fogem de guerras e/ou de perseguições religiosas e étnicas, a exemplo dos rohingya, minoria muçulmana de Myanmar, antiga Birmânia. Não são eles reconhecidos pelo Governo local como cidadãos. Apesar de o país ser liderado por Aung San Suu Kyi, ironicamente detentora do Prêmio Nobel da Paz, 1991, há décadas, os budistas birmaneses submetem os rohingya a uma brutalidade ímpar. 

Indo além, desde que assumiu a Presidência dos Estados Unidos da América, em janeiro de 2017, Donald John Trump vem assumindo postura de intolerância e de perseguição contra os imigrantes. Além da promessa de campanha, que vai e vem à tona, de construir um muro separando “seu” país do México, dentre as arbitrariedades cometidas, está o encarceramento de imigrantes de diferentes nacionalidades, incluindo brasileiros, afastando-os dos filhos menores. Também declarou a intenção de alterar a Emenda Constitucional, que assegura o direito de cidadania americana a quem nasce no país, qualquer que seja a nacionalidade dos progenitores. Mais recentemente, vociferou que os ingressos em território estadunidense de forma ilegal estarão impossibilitados de solicitar asilo político.

No momento, seu olhar raivoso está direcionado aos hondurenhos. Uma multidão incontável atravessou a América Central e segue do território mexicano a pé rumo aos EUA em busca de melhor qualidade de vida, deixando para trás a violência e a pobreza de seu país. Além de enviar tropa de mais de cinco mil soldados para a região fronteiriça, com ameaça de ampliar o contingente para 15 mil, a princípio, Trump deu ordem para os soldados atirarem. Como sempre, voltou atrás: Trump desdiz Trump o tempo todo! Desta vez, afirmou que se os “intrusos” jogassem pedras contra os militares, seriam presos por um tempo longo, mas não mortos. É possível que sua atitude “benevolente” tenha decorrido do impacto das eleições ocorridas no último dia 6, para o Poder Legislativo e, em alguns Estados, para o Executivo, quando os republicanos perderam a maioria na Câmara, mantendo, porém, o controle no Senado.

A própria União Europeia parece perdida, como enunciamos numa das colunas anteriores, diante de quem chega de outros continentes ou dos que percorrem a UE. Mais do que nunca, a globalização econômica traz à tona o fosso que paira entre continentes, países, Estados e cidades, no momento em que expõe visceralmente o desequilíbrio entre eles. E, a bem da verdade, em termos de Brasil, não estamos muito atrás de Myanmar, UE ou EUA. Afinal, é um sentimento comum entre os seres humanos: tememos o diferente e quando de sua aproximação real, a primeira reação é responder de maneira defensiva. Nada se limita às barreiras físicas ou aos muros erguidos ou destruídos. Assistimos todos à agonia dos venezuelanos, quando começaram a chegar em revoadas ao Brasil, com fome, desnutridos e sem trabalho, sobretudo, na capital Boa Vista. Sobrevivem de forma deplorável ante os olhares hostis de parte significativa dos roraimenses, enquanto o Governo Federal dá andamento ao processo de interiorização, até porque Roraima está na rota dos Estados brasileiros com sérios problemas estruturais. 

Compreendemos a complexidade que cerca a migração. Há a obrigatoriedade de suprir condições dignas de vida aos que chegam: saúde, educação, seguridade social, emprego, etc. Para os venezuelanos, a questão vai além: não há pior fome do que a fome da liberdade – ir ou vir, contestar ou calar, concordar ou discordar. E isto não é poesia. Isto é vida. Isto é cotidiano. Isto é Brasil. Isto não é Estados Unidos ou Europa. Os imigrantes estão à mercê dos governos dos países. Nada têm como moeda de troca. Talvez, conservem seu passado e muitos sonhos no recôndito da alma. Talvez, alguns momentos fugidios de felicidade. Não têm presente. Seu futuro é um ponto de interrogação cercado de dolorosa expectativa...

Edição: Adriana Magalhães
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