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Resenha: [poemas], de Wislawa Szymborska

A autora foi agraciada com o Prêmio Nobel de Literatura em 1996

01/02/2016 20:59

"A vida é minha ocasião única". Este verso de Wislawa Szymborska me sequestrou os sentidos. Uma autora polonesa, tão distante, mestra em um idioma desconhecido no meu limitado universo linguístico, e que, de repente, passa a fazer parte da minha noção de existência. Wislawa é uma senhora reservada, sua vida pessoal é definitivamente particular. Não há espaço para especulações. Talvez ela mesma dissesse de forma sofisticada e bem humorada que as pessoas não se interessam pela vida de um poeta. Acontece que, mesmo assim, quieta em seu canto (Cracóvia), beirando os 90 anos, ela foi agraciada com o Nobel de Literatura, em 1996. Mas só em 2011 o brasileiro se depara com parte da sua obra traduzida para o português e publicada em edição bilíngue.

Tenho como um saber enraizado pelo tempo e pelas leituras teóricas que a experiência da poesia é inesgotável. Um soco dentro d'água poderia definir o caminho da leitura de Szymborska. Não posso fazer a resenha deste livro falando de uma totalidade nele. Deixe-me explicar: trata-se de um livro de poesias, cada poema é um universo em sua complexa composição, em sua intenção linguística, nos sons e nas cores designados para desempenhar papeis diversos em harmonia irrefreada. No entanto, necessito falar desta reunião competente de poemas, um trabalho que permite ao leitor brasileiro vivenciar o filosófico estilo da poeta. A profundidade dos questionamentos elencados por Wislawa é suavizada pela linguagem simples e direta.
A pensar nas palavras e suas possibilidades de organização no mundo, ler os poemas de Szymborska traz um choque quando se percebe que por meio de um simples modo de falar é possível se sentir arrebatado por questões febris do ser e de estar no mundo. A vida, a arte, a ciência: tudo se torna um mote desenhado habilmente.

"Bato à porta da pedra.
– Sou eu, me deixa entrar.
Venho por curiosidade pura.
A vida é minha ocasião única.
Pretendo percorrer teu palácio
e depois visitar ainda a folha e a gota d'água.
Pouco tempo tenho para isso tudo.
Minha mortalidade devia te comover."

(Conversa com a pedra/ Rozmowa z kamieniem, p. 33)

Perceber-se como autora, poeta, num humor sombrio e sofisticado: este é o perceptível perfil da escritora. Szymborska desenha a imagem do artista como um ser solitário, expõe-se neste contexto, abriga toda uma geração de autores abandonados:

"Musa, não ser um boxeador é literalmente não existir.
Nos recusaste a multidão ululante.
Uma dúzia de pessoas na sala,
Já é hora de começar a fala.
Metade veio porque está chovendo,
o resto é parente. Ó Musa."

(Recital da autora/Wieczórautorski, p. 32)

A desesperança do entre guerras, de um modo geral, é temática presente na vivência artística europeia e asiática deste e do último século. Para Szymborska, talvez, uma linguagem hermética fosse desrespeitar a vivência de dor e de reconstrução de sua nação. Daí, a sintética lógica desenhada pelo seu estilo, que pode ser seguida por quem quer que a leia. Seria importante lembrar, no entanto, que não se pode confundir uma linguagem direta com uma poesia fácil. Há uma economia própria da poesia, uma lapidação segura e que remete a um labor árduo, meditado por muito tempo.

"As três palavras mais estranhas

Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já se perde no passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
suprimo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não ser."

(Trzyslowanajdziwniejsze, p. 107)

A obra foi organizada cronologicamente por poemas escritos entre 1957 e 2002. Vale ressaltar o sensível e consciente trabalho de tradução feito por Regina Przybycien, doutora em Literatura Comparada pela UFMG, tradutora de literaturas inglesa e polonesa e pesquisadora na área de gênero e poesia. A apresentação da obra, feita pela tradutora, é um bônus de boa leitura: leve, consciente, bem trabalhada e, por vezes, poética. A tradução é vista, enfim, como uma coautoria: "Toda tradução é uma tentativa de recriação em outra língua, com outros sons e outros recursos poéticos, do sentido original." Não entendo a língua polonesa, mas suspeito que, diante da magnitude dos poemas encontrados nesta obra, a tradutora tenha trazido ao público a atmosfera de Wislawa Szymborska. Recomendo a quem queira aprender a ler poesia, pois acredito que a leitura de poesia é uma construção constante. Szymborska segura as mãos de seu leitor, ou aperta levemente a sua garganta em comoção precisa.

[poemas], de Wislawa Szymborska. Companhia das Letras, 165 páginas.


Por: Lais Romero

Revisão: Ceiça Souza

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