Darling é uma menina de dez anos que nasceu e passou parte da infância no Zimbábue. Ela narra sua própria história. A menina vive no Paraíso, lugar onde milhares de famílias sobrevivem em barracos improvisados de madeira e de zinco, depois de terem suas casas demolidas de maneira brutal. Lá ela conhece outras crianças: Sbho, Bastard, Chipo, Godknows e Stina – com quem dividirá muitas experiências próprias da meninice.
O romance trata de temas costumeiramente associados à situação dos países africanos: pobreza, HIV, regimes totalitários, violação dos direitos humanos e desigualdade social. Logo no início, acompanhamos o grupo de crianças que se locomove de onde mora até o bairro nobre, Budapeste, para roubar goiabas por conta da fome que sentem. Assim, vamos descobrindo o sonho de cada um deles e percebendo que todos querem, em algum momento, partir do seu país natal e alcançar vida melhor.
Importante destacar que a autora conduz o enredo com muito domínio, sem vitimização ou lamentações. Darling e os outros, mesmo vivendo numa realidade vil, ainda são protegidos pela inocência. E mesmo conscientes de algumas questões políticas e sociais, não possuem ainda capacidade de compreender mais a fundo o painel sociopolítico de seu país.
Darling alcança o esperado desejo de ir embora para os Estados Unidos – onde mora a irmã de sua mãe, Tia Fostalina. A mudança é gritante, a começar pelo clima. Darling conhece a neve e a detesta. Numa reflexão sensível, percebemos como o sol e a luz são significativos para alguém proveniente de um país tão solar como é o Zimbábue.
A saudade da terra natal e a impossibilidade de retornar são os pontos mais belamente abordados na obra. Reencontrar conterrâneos e falar sua língua materna, saborear um prato peculiar de sua cultura e ouvir a música de seu país são prazeres descritos. Darling vai mudando para se adaptar e ser aceita na América, aprendendo inclusive a forjar o sotaque americano para conseguir uma comunicação mais efetiva. Ela percebe que existem fomes que o alimento não sacia. A fome da sua terra, do cheiro de chuva, dos amigos, da liberdade de ser ela mesma, a fome de identidade e de pertencimento que a América, mesmo com sua opulência, não é capaz de saciar. Falar com seus antigos amigos ao telefone, por exemplo, é cada vez mais difícil, embora ainda sinta a falta deles, agora parece haver um muro intransponível os separando.
Destaco dois capítulos, nos quaisNoVioletBulawayo descreve o sentimento de saudade e de insatisfação. Um se chama “Como eles foram embora”, e o outro “Como eles viviam”. Sobre como a sobrevivência para o imigrante ilegal é difícil e humilhante. A impressão é de que se dá uma pausa na história para esmiuçar o sofrimento causado pelo distanciamento. Mesmo provenientes de um país castigado por inúmeras mazelas eles não deixam de lembrar com amor e com saudade de sua terra natal. Dos cânticos, da família e de como é bom sentir-se em casa.
“Olhe para os filhos da terra indo embora aos bandos, deixando sua terra com feridas que sangram em seus corpos e susto em seus rostos e sangue em seus corações e fome em seus estômagos e tristeza em seus passos. Deixando suas mães e pais e filhos para trás, deixando seus cordões umbilicais debaixo do solo, deixando os ossos de seus antepassados na terra, deixando tudo o que os torna quem e o que são, indo embora, pois não é mais possível ficar. Eles nunca mais serão os mesmos, porque você simplesmente não tem como ser o mesmo depois que deixa pra trás quem e o que você é, você simplesmente não tem como ser o mesmo.” (Página 132)
Sobre a autora
NoViolet Bulawayo nasceu e cresceu no Zimbábue. E se graduou pela Universidade Cornell nos Estados Unidos. Tem 34 anos e faz parte da primeira geração nascida após a independência de seu país. É possível captar no romance algumas semelhanças biográficas entre Bulawayo e Darling. O romance figurou entre os finalistas do Man Booker Prize de 2013 e finalista do prêmio The Guardian, na categoria de estreia e venceu o prêmio PEN/HEMINGWAY para livro de estreia.
Por: Ananda Sampaio
Revisão:Ceiça Souza