Um criado conduz Garcin a uma sala de mobília imperial com lareira, sofás e uma estátua de bronze. Posteriormente, chega Inês e, por fim, Estelle. Os três estão no inferno e cada um por sua vez se impressiona com a ausência do demônio e das torturas eternas que alimentam o medo dos cristãos. Os três estão condenados a coexistir juntos naquele espaço.
Garcin é um homem culto, porém covarde, péssimo marido e teme que sua fraqueza seja exposta; Estelle é uma frívola burguesa que saiu da pobreza por conta de um bom casamento, matou o filho em nome do conforto e da vaidade; Inês é manipuladora e sádica, seduziu a mulher de um amigo ocasionando uma tragédia na vida dos três.
Cada um deles conta as razões pelas quais acredita ter sido condenado a estar no inferno, e se encontram sob os olhos uns dos outros, o julgamento cruel que aponta os defeitos de cada um, ignorando completamente as aspirações íntimas que os fizessem ser vistos de uma forma mais digna. Eles estarão sempre à mercê da opinião do outro, sendo julgados e hostilizados, tornando a convivência uma eterna expiação, até Garcin se dar conta de que “o inferno são os outros”.
“Entre quatro paredes” é uma peça curtíssima, tem pouco mais de 30 páginas e é
facilmente encontrada na internet. Uma leitura que vale a pena. Seria
impossível transcrever os riquíssimos diálogos entre as personagens sem alongar
demais esta resenha, mas é válido ressaltar a riqueza das personagens, das
falas carregadas de metáforas e de subjetividades, escancarando a habilidade de
Sartre para traçar diversos meandros acerca da existência humana.
"Ah! Esquecer! Que infantilidade! Eu o sinto até nos meus ossos. Seu silêncio grita em minhas orelhas. Pode soltar a boca, pode cortar a língua; será que por isso o senhor deixaria de existir? Faria parar esse pensamento que estou ouvindo, que faz tictac como um despertador? E sei que o senhor ouve o meu. É inútil encolher-se todo no seu sofá: o senhor está por toda a parte; os sons me chegam sujos porque o senhor os ouviu quando passavam. O senhor roubou até meu próprio rosto: o senhor conhece o meu rosto e eu não conheço. E ela? Ela? O senhor roubou-a de mim: se estivéssemos sozinhas, pensa que ela me trataria como me trata? Não , não! Tire essas mãos da cara. É cômodo, não é? Mas eu não deixo. O senhor ficaria aí, insensível, mergulhado em si mesmo como um Buddha; eu , de olhos fechados, sentindo que ela lhe dedica todos os ruídos de sua vida, até mesmo o farfalhar de seu vestido, e lhe manda sorrisos que o senhor não vê... Nada disso! Quero escolher meu inferno: olhar para o senhor desassombradamente e lutar de rosto nu." (pág. 18)
Por: Luciana Lís
Revisão: Ceiça Souza