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Diário da queda, de Michel Laub

Livro do premiado escritor e jornalista de Porto Alegre

27/08/2015 12:55

O livro segue a estrutura de um diário: fragmentado, direto e pessoal. A maior parte da escrita lembra o modelo de verbetes dos dicionários. O narrador-personagem inicia a sua biografia aos 13 anos de idade, quando, durante o Bar Mitzvah de um colega de escola, todos os alunos da mesma turma combinam de deixá-lo cair no chão, já que há a tradição da multidão lançar o aniversariante para cima. O narrador segue carregando remorso pela dolorosa queda, do então colega e futuro amigo, para o resto de sua vida, como um marco divisório fundamental da sua trajetória de vida e da sua personalidade.

No meu entendimento, o livro é sobre as marcas que levamos da vida e aquelas que terminam sendo carregadas por nós devido à nossa criação e/ou origem. O avô do protagonista foi um dos raros sobreviventes da tragédia de Auschwitz e todo o sofrimento vivido por ele foi repassado de geração em geração. O curioso é que pouco se sabe sobre o que o avô vivenciou dentro do campo de concentração, já que pouco ele contou ao filho. Embora tenha deixado seis volumes de um diário, nenhum deles toca no assunto, pois ele resolveu escrever não sobre o mundo que viu, mas sobre como o mundo deveria ser. Contudo, a persistente existência do velho já era um peso em si e ele o carregou até seu último dia, inevitavelmente.

Coincidentemente, estava assistindo um documentário no canal History sobre depoimentos e vídeos raros que retratavam o Dia D – quando a Normandia, dominada pelos alemães, foi invadida pelo exército americano na Segunda Guerra –, e um dos sobreviventes disse ter chegado a escrever uma carta se despedindo da família previamente porque tinha convicção da sua morte. No entanto, ele sobreviveu milagrosamente e se diz angustiado desde então, pois nunca conseguiu entender porque ele teve que sobreviver. Essa inquietação reflete muito sobre o que livro pretende transmitir, em trechos, ele nos fala da quantidade de homens que sobreviveram a Auschwitz e que terminaram por cometer suicídio quando idosos, inclusive cita o famoso escritor Primo Levi.

É como se a aceitação da morte iminente fizesse com que eles tivessem dificuldade em aceitar novamente a possibilidade de viver. Fazendo com que, até mesmo o neto, que nunca sequer conheceu o avô, levasse em suas costas o peso de quem sobreviveu após a prisão em um campo de concentração. Além disso, o livro deixa questionamentos: até que ponto podemos dizer que nossos erros são justificáveis por conta dessas vivências? Até que ponto podemos culpar os acontecimentos pelo caminho que terminamos trilhando? E quando, afinal, tivemos consciência das escolhas no momento em que as fazíamos?

Um romance de formação – que tem como pilar o legado judeu. Alguns capítulos são nomeados “Notas” e trazem à baila situações despretensiosas, mas de fundamental interesse para o leitor. Aqui e ali elas nos dão alguns clarões, trazem-nos algumas respostas.  Uma obra que relata bem o olhar e a escrita moderna.


Por: Ananda Sampaio

Revisão: Ceiça Souza

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