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Após o Anoitecer

Japonês desafia o leitor mais uma vez

16/02/2016 14:03

“Após o anoitecer”, de Haruki Murakami, é mais uma obra emblemática e cheia de pegadas que o leitor pode seguir ou não. Tudo isso, na tentativa de desvendar a narrativa, e, mesmo que o leitor chegue a algum tipo de conclusão, ela provavelmente não será a única. Murakami é, a meu ver, um escritor de hipóteses. Adora brincar com as diversas possibilidades e constrói histórias que não limitam o real e o imaginário. Está tudo misturado, não há absurdo nisso. As duas irmãs, Mari e Eri, são completamente diferentes. E a beleza da mais velha, Eri, cada vez mais ofusca e distancia a irmã – que se vê obrigada a fazer seu próprio caminho e a seguir a vida da maneira que lhe é possível. Todo o enredo se passa numa madrugada, após a meia-noite. Mari sai pelas ruas de Tóquio, senta num café e, enquanto lê seu livro, é observada por um narrador, no mínimo, misterioso. 

Não há como saber se essa voz que nos assobia é homem, mulher, espírito ou máquina. Seria, por meio de uma câmera, que esse ser observa a cidade? Cheguei a cogitar essa perspectiva. Durante o tempo em que fica nesse café, um saxofonista chamado Takahashi pede para sentar à mesa com Mari e diz se lembrar dela. E os dois relembram o dia em que se conheceram, há alguns anos. E, por meio dele, ela vai conhecer Kaoru, uma mulher que administra o motel Alphaville e que recorre à Mari por saber que ela fala chinês. Uma prostituta chinesa foi espancada num dos quartos e as funcionárias do estabelecimento querem entender o que aconteceu para poder ajudá-la. Por conta disso, Mari vai travar diálogos importantes com Kaoru e Koorogui, outra funcionária do motel. Todas elas compartilham um pouco de suas vidas. Vidas que se adaptaram à escuridão, à falta de visibilidade. Pessoas que trazem sobre as costas o peso do passado e da escolha que fizeram. Essas personagens são essenciais para Mari se reencontrar e compreender a importância de se reaproximar da irmã. 

Em capítulos alternados, habitamos a mente de Eri. Por vezes, presa numa sala empoeirada de um escritório. Com portas e janelas vedadas, ao tentar sair, e após algumas tentativas frustradas, ela volta a dormir. Não recomendo este livro, bem como boa parte da obra do Murakami, ao leitor impaciente ou que não contenta com finais abertos. O autor japonês tem como uma de suas características não construir histórias redondas, acabadas. Acredito que ele não se foca nos finais, e, sim, nos entremeios e no próprio percurso das personagens. O fundamental nem sempre é saber aonde ele chegou, mas por onde andou e onde teria chegado. 

Murakami nos propõe um desafio de imaginação, dedução e introspecção. Ele não se importa com o final, nem em construir um desenrolar narrativo redondo e satisfatório. Ele mostra para o leitor que o mais interessante em toda essa coisa de se contar algo é o relevo que os personagens vão conhecendo. O desconhecido amanhecer de si mesmo que nunca tem fim.


Revisão: Ceiça Souza

Redação: Ananda Sampaio

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