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Amada, de Toni Morrison

A autora é conhecida por relatar em suas obras as experiências dos negros na história americana

10/08/2015 13:44

Toni Morrison é pseudônimo de Chloe Anthony Wofford, escritora estadunidense. Morrison é também professora da Universidade de Princeton. É a primeira mulher negra a ser laureada com o Prêmio Nobel de Literatura (1993). A autora é conhecida por relatar em suas obras as experiências dos negros na história americana. Em Amada (Beloved, 1987), ela traz a perspectiva de uma comunidade negra sobre os anos de escravidão.

Toni Morrison


Sethe é uma ex-escrava negra que vive com Denver, sua filha caçula.  A casa delas é permanentemente assombrada pelo fantasma de Amada, a filha que Sethe degolou quase 20 anos antes. Howard e Buglar, também filhos de Sethe, fugiram aos 13 anos de idade da casa de número 124 – “[…]a casa cinza e branca da Rua Bluestone, um lar rancoroso e cheio de veneno de bebê” (p. 17).

Sethe e Denver permaneciam sozinhas até a chegada de Paul D., um ex-escravo da fazenda Doce Lar, onde ambos, Sethe e Paul, trabalharam muitos anos antes. Paul D. foi, num primeiro momento, a luz na vida de Sethe, ele trouxe a esperança de uma nova vida, mas a chegada de Amada, uma moça de 19 anos, que surge repentinamente e é acolhida no 124, faz as memórias, as marcas físicas e psicológicas de tantos anos de vida escrava passarem a salpicar as páginas do livro.

Com a presença de Amada, a reencarnação da filha assassinada por Sethe, as memórias latentes passam a conduzir a estética do livro – em capítulos alternados, as personagens divagam com dor sobre as inúmeras violências sofridas, os abusos e a culpa de Sethe pela morte da filha. A fragmentação do tempo, os flashbacks e a narração polifônica compõem este livro arrebatador, violento e lírico.

Toni Morrison escreveu uma obra ousada, visionária e poética, que com diversas camadas constitui a sua importância: a narrativa polifônica, as memórias individuais e coletivas, e a mais arrebatadora: a libertação subjetiva da mulher através da escrita – a mulher negra é autorrepresentada e, dessa forma, é que podemos entender sua consciência e tomarmos conhecimento do seu posicionamento ideológico. Com o fluxo de consciência das personagens, refletimos sobre as violências sofridas, a crueldade e a desumanidade que sofreram as personagens – o que pesa sobremaneira para a construção da identidade feminina negra que é exaltada nesta obra:

“Aqui neste lugar, nós somos carne; carne que chora, ri; carne que dança descalça na relva. Amem isso. Amem forte. Lá fora não amam sua carne. Não amam seus olhos; são capazes de arrancar fora os seus olhos. Como também não amam a pele de suas costas. Lá eles descem o chicote nela. E, ah, meu povo, eles não amam as suas mãos. Essas que eles só usam, amarram, prendem, cortam fora e deixam vazias. Amem suas mãos! Amem. Levantem e beijem suas mãos. Toquem outros com elas, toquem uma na outra, esfreguem no rosto, porque eles não amam isso também. Vocês têm de amar, vocês! E não, eles não amam sua boca. Lá, lá fora, eles vão cuidar de quebrar sua boca e quebrar de novo. O que sai de sua boca eles não vão ouvir. O que vocês gritam com ela eles não ouvem. O que vocês põem na boca para nutrir seu corpo eles vão arrancar de vocês e dar no lugar os restos deles. Não, eles não amam sua boca. Vocês têm de amar. É da carne que estou falando aqui. Carne que precisa ser amada. Pés que precisam descansar e dançar; costas que precisam de apoio; ombros que precisam de braços, braços fortes, estou dizendo. E, ah, meu povo, lá fora, escutem bem, não amam o seu pescoço sem laço, e ereto. Então amem o seu pescoço; ponham a mão nele, agradem, alisem, endireitem bem. E todas as suas partes de dentro que eles são capazes de jogar para os porcos, vocês tem de amar. O fígado escuro, escuro – amem, amem e o bater do batente do coração, amem também. Mais que olhos e pés. Mais que os pulmões que ainda vão ter de respirar ar livre. Mais que seu útero guardador da vida e das partes doadoras de vida, me escutem bem, amem seu coração. Porque esse é o prêmio.” (pág. 126)

Esta narrativa autorrepresentativa é um estandarte contra as classes sociais dominantes e suas políticas racistas; contra a cultura literária que possui paradigmas tradicionais e que não asseguram a representação de um povo desrespeitado e escravizado durante séculos. A escrita autobiográfica liberta estas mulheres do silêncio, dando voz às suas ideologias e ao seu imaginário, libertando-as da cruel opressão que vivem numa sociedade machista e hierarquizada.

As mulheres de Amada são fortes e libertadoras, combatentes contra o sexismo e a sociedade que silencia mulheres há séculos; e legitimam a literatura como representação ideológica das vozes mais íntimas da avassaladora natureza feminina.



Por: Luciana Lís

Revisão: Ceiça Souza

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