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A Valise do Professor - Hiromi Kawakami

Um romance silencioso

24/02/2016 14:50

“A Valise do Professor”, de Hiromi Kawakami, conta a história do professor Matsumoto Harutsuna, um senhor idoso que reencontra uma ex-aluna, Tsukiko Omachi, num bar. Casualmente, os encontros passam a ser frequentes e as conversas cada vez mais necessárias. Talvez eu possa descrever a obra como um romance silencioso, no qual a presença do outro é perceptível não só pelas palavras que profere, mas também pelos silêncios que exprime.

Passei boa parte da leitura tentando descobrir que tipo de relação estaria sendo construída entre os dois, e mais tempo me perguntando como Kawakami iria desenvolver aquela trama que parecia sempre caminhar rumo ao nada – de uma maneira inquietantemente indefinida. Por isso, me dei conta da pressa que nós, ocidentais, temos em delinear nossas relações, em estabelecer a natureza de nossos contatos humanos. No decorrer, percebemos a aflição de Tsukiko na tentativa de discernir aquilo que estava se suplantando dentro dela. A torrente de sentimentos sobrepostos, não mais de amizade e que, contudo, encontrava alguma dificuldade de ser percebido como amoroso. Embora ela não seja nenhuma adolescente, já está com 38 anos, Tsukiko se enxerga como uma pessoa que quase nunca corresponde às expectativas do tempo, sempre atrasada. A personagem vive numa transição temporal interna difícil de ser explicada por ela mesma.

O distanciamento das relações familiares – de Tsukiko em relação à mãe e do professor em relação ao filho –, são indícios da solidão que ambos carregam. Tsukiko já possui conduta e alinhamento de vida muito próprios para alguém que se acostumou a viver só, a ponto de quase não se importar com essa situação. E isso é quebrado para os dois, quando se encontram. A existência de um passa a impregnar a do outro, indiscutivelmente. A sapiência e a gentileza do professor fazem com que a relação deles seja conduzida na vagarosidade. Ele teme que só vá assumir o envolvimento tardiamente. Para quem se interessa por culinária, esse é um livro interessante. Sempre que vão ao bar ou a outros lugares, os pratos e as bebidas são descritos. Nessas passagens, entre uma bebedeira e outra, as resistências emocionais vão se afrouxando.

Na minha interpretação, a valise que o professor sempre carrega pode ser significar o peso de tudo o que ele já viveu. Na idade dele, as lembranças, as escolhas, passam a ser continuamente mais definitivas. É como se todos carregassem a valise que guarda os aspectos mais importantes de suas vidas. E, ao final, ele a deixa para ela, que diz:

“Em noites semelhantes abro a valise do professor e espio seu interior. Dentro dela estende-se um vazio, um espaço sem absolutamente nada. É apenas um espaço melancólico se alastrando”.

Seria isso o que resta de uma vida que chega ao fim? Um espaço vazio melancólico ou seria isso a vida de Tsukiko após a partida do professor?


Na foto: Hiromi Kawakami


Redação: Ananda Sampaio

Revisão: Ceiça Souza

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