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O nome e o homem - Fragmento do livro "O aldeão lírico"

(fragmento do livro O aldeão lírico)

06/10/2019 07:47

No milênio passado, Meneses y Morais escreveu um poema onde figura o verso: “O nome marca o homem”. O poeta deve saber o que diz; eu, não. O certo é que, no meu caso, seu Liberato, simples e exato, me queria João. Dona Purcina retrucou: “João e cavalo alazão não acodem a ninguém na precisão”.  Tinha um nome “especial” para mim. Meu pai, um tantinho contrariado, aquiesceu. Foi a um cartório do Caracol, levando um papelzinho no bolso com a palavra Cineas, absolutamente desconhecida na região. Por sorte, a velha não pôs o acento agudo no e. Meu pai nunca aprendeu meu nome: me chamava Cineso.

O nome já me incomodava bastante, antes do aparecimento, em São Raimundo Nonato, de uma menina acesa que também se chamava Cineas. Passei a ser objeto das brincadeiras mais infames. Como se pode ver, o  bullying não é  praga recente. Na adolescência, cheguei a consultar um causídico para saber se seria possível trocar de nome. Com ar solene, o sábio limitou-se a dizer: “Pode, meu rapaz, mas é mais fácil trocar de sexo”. Desisti. Passei a encarar a coisa como sina.

 Em Teresina, consultei um dicionário onomástico: nada. Mais tarde, fiquei sabendo que, em Valença (PI), havia um coronel com o nome de Cineas Veloso. Não me dei por satisfeito. Um dia, abro um pequeno Dicionário Lello e, para minha surpresa, lá estava o verbete Cíneas, proparoxítona, como convém a uma palavra grega. Fui inteirar-me sobre   o tal cidadão. Eis o que encontrei: “Cíneas - tido como o maior orador de seu tempo, ministro e conselheiro de Pirro II, tanto que este pregava que a eloquência de Cíneas lhe tinha conquistado mais cidades do que seus exércitos”.

 Por falta de aptidão para me tornar conselheiro ou ministro de algum tirano de plantão, tornei-me apenas um camelô da boa literatura produzida pelos outros. Hoje, já não tenho razões para queixas: O nome Cineas é a minha segunda pele e me veste confortavelmente.

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