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Dia de sofrer pela pátria

7 de Setembro era, por excelência, a data magna a ser comemorada em grande estilo.

14/04/2019 05:48

O diretor do Ginásio Dom Inocêncio era um padre espanhol, corpulento, enérgico, disciplinador. Segundo as más línguas, teria sido oficial do exército do generalíssimo Francisco Franco. O certo é que tinha grande apreço pelas comemorações cívicas. Havia um calendário cívico-religioso que se cumpria ao pé da letra. 7 de Setembro era, por excelência, a data magna a ser comemorada em grande estilo. Às 7 horas, já estávamos no pátio do vetusto ginásio, à espera das ordens do  Fernandão. A comemoração exigia farda de gala: sapatos, meias, cinturão e gravata pretos; calças de tropical azul-marinho, camisa branca e túnica branca com botões dourados. Dir-se-ia um bando de marinheiros numa terra sem água.

No ritmo ditado pelos tambores, descíamos marchando até a Roda do Bitoso, no centro da cidade. Uns dois Km de marcha. Em frente ao antigo quartel da polícia militar, perfilados, esperávamos o pior: o dilúvio de discursos. Os oradores se revezavam num ritmo estonteante enquanto sol de setembro nos cozinhava os miolos. Como não havia água, alguns alunos passavam mal... Para coroar a falação, convidava-se o venerável professor de história, Ariston Dias Lima. Com sua vocação teatral, o velho mestre  narrava os acontecimentos como se tivesse tomado parte neles. Inflamava-se,gesticulava, suava...Terminava sua peroração com essa joia preciosa: “Finalmente, quebraram-se os grilhões que nos prendiam a Portugal! O Brasil, soberano e  altaneiro, estava pronto a cumprir o seu destino glorioso no concerto das nações livres. Tenho dito!”. Exaustos, mas felizes, aplaudíamos o fim da tortura cívica.

Durante muito tempo, envergonhei-me por me faltar o tão louvado “sentimento patriótico”. Um dia, encontrei esta pérola em Samuel Johnson: “ O patriotismo é o último refúgio de um canalha”. Respirei  aliviado. O certo é que, depois do sofrimento cívico no Ginásio Dom Inocêncio, nunca mais entrei numa fila para marchar. O joelho esquerdo avariado livrou-me de servir no Exército. Tornei-me uma espécie de “inválido da pátria”.

Eis que, por ironia do destino, o Brasil está sendo (des)governado por um ex-capitão do Exército que, recentemente, afirmou não ter nascido para ser presidente sim para ser militar.  O certo é que, por falta de um projeto político minimamente aceitável, resolveu inventar uma comemoração: 31 de março,data em que o país mergulhou numa ditadura que duraria 21 anos. Confesso que fiquei com pena da molecada. Melhor seria afirmar: fiquei com pena da minha geração que acreditou na possibilidade de construir um país melhor. Voltamos à estaca zero.

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