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"As fivelas de outro" e "O homem que não se vendia"

Já se disse, com uma pontinha de maldade, que um velho incapaz de contar uma boa história é pouco menos que um estorvo. Por precaução, contarei duas

11/11/2018 08:00

AS FIVELAS DE OUTRO

Quando o Piauí ainda não passava de um vasto campo propício à criação de gado vacum, o rei de Portugal designou, para governar esse “deslimite” de terras, um fidalgo chamado João de Amorim Pereira. Depois de longa e penosa viagem, D. João Amorim chegou a Oeiras (1797- 1799)       Tudo faz crer que não se animou com o que viu. Assim, não hesitou em propor a mudança da capital da província para a vila de São João da Parnaíba. Ideia que não vingou. Mais tarde, encaminhou expediente à rainha D. Maria I, sugerindo o aproveitamento dos rios do Piauí como “estradas” para facilitar transporte de gentes e cargas.

Não se sabe muito do sucesso de suas empreitadas. Há, contudo, o registro de um fato que o dignifica. Consta que um vereador de Parnaíba, num gesto de puxa-saquismo deslavado, resolveu presenteá-lo com um par de fivelas de ouro. O governador não só recusou o mimo como recomendou ao presidente da Câmara que admoestasse severamente o insolente   pela infeliz iniciativa. Pena que o exemplo de D. João de Amorim não tenha prosperado entre nós.


O HOMEM QUE NÃO SE VENDIA

Afirma-se, como verdade incontestável, que “todo homem tem o seu preço”. A máxima não valia para Heráclito de Sousa Sobral Pinto ( 1893 – 1991) , mais conhecido como Dr. Sobral. Até onde se sabe, aquele advogado, movido por um idealismo obsessivo, não se vendia.

Religioso de comungar todos os dias, anticomunista até a medula, o Dr.  Sobral não hesitou em defender comunistas históricos como Luís Carlos Prestes, Graciliano Ramos e Harry Berger. No caso deste último, submetido a torturas de todo tipo, Sobral Pinto invocou o artigo 14 da Lei de Proteção aos Animais para lhe garantir um tratamento com um mínimo de dignidade.

Embora tenha apoiado o golpe militar de 1964, ao se dar conta de que, na verdade, o país estava mergulhado numa ditadura, foi a primeira voz a se levantar contra o regime de força que se instalara no país. Tantas fez que, com a edição do AI 5, também foi preso.

Entre os gestos que o notabilizaram, figura a recusa ao convite para ocupar uma cadeira de ministro do STF feito pelo presidente Juscelino Kubitschek. Como Sobral Pinto fora um dos criadores da Liga de Defesa da Liberdade, movimento que garantiu a JK o direito de concorrer à presidência ada República, em 1955, entendeu que o seu gesto poderia ser entendido como simples “oportunismo”.  Digno e incansável, com quase cem anos de idade, participou de memoráveis comícios em defesas das Diretas Já.

Dois homens, vivendo em épocas tão diferentes, deixaram lições que, por conveniência ou covardia, teimamos em ignorar.

Edição: Adriana Magalhães
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