A burrice da guerra contra o jumento
Quando vi e ouvi a notícia no Jornal da �€œGlobo�€, sobre a matança dos jumentos no Rio Grande Norte, simplesmente porque eles atrapalham o trânsito nas rodovias, causando acidentes, fiquei horrorizado. Na notícia aparecem senhores que se pavoneavam comendo o churrasco:
- Que carne gostosa é a de jegue!
Pensei comigo:
- �€œQue absurdo! Gostosa é sem dúvida. O leite da fêmea também é
muito gostoso e serve de remédio. Quando apanhei a tosse brava, a famosa
coqueluche, tomei-o e fiquei logo bom�€.
Pelo jeito da notícia, querem mesmo acabar com a espécie,
achando que no sertão �€œas motos�€ podem substituí-los no serviço que os
pobres animais fazem. Impossível! Não é coisa de comparar. Jumento
sobrevive nas piores condições de seca, come erva rasteira, bagaço e até
molambo. Suas fezes servem de adubo para a terra. E prestam um serviço
incalculável ao sertanejo, seu transporte é o mais barato para ir à
feira e à roça, para carregar pesadas cargas pacientemente. Que mal,
então, eles fazem? Se vivem às margens das estradas e atravessam-nas
alguma vez é porque os governos não isolam essas vias com cercas. O
jumento, enquanto procura comida, presta um serviço enorme, por isto é
apelidado de �€œguarda de trânsito�€, e cobra nada. Diminuem, assim, a
carreira de muitos veículos que tantos seres humanos têm matado.
Conversando, hoje, com um professor da Universidade Federal, ele me
assegurou que algumas mortes desses animais não acontecem por batidas de
carros, mas por tiro. �‰ maldade grande.
Após a notícia da �€œGlobo�€, houve um comentário de que o
Serviço de Proteção aos Animais já está em campo, defendendo os
jeguinhos, pois, se a moda pega, a espécie será extinta, o que é uma
perda enorme para o sertanejo e para o nosso folclore. O Pe. Antônio
Batista Vieira, cearense de Crateús, nascido em 14-6-1910, que, além
do estudo em sua própria terra, fez altos estudos nos Estados Unidos,
publicou o livro �€œO jumento, nosso irmão�€, em 1964, entre outras obras
importantíssimas da vida nordestina. Precisa-se conhecer mais a
história da cultura ocidental e saber que o jumento é um animal sagrado.
A tradição é antiga, vem do Oriente Médio, através da Bíblia. Não, não
matem o jumento! Ele é tão bonito, paciente, trabalhador, amigo! Só os
burros podem prosseguir com um projeto tão monstruoso quanto este de
assiná-los.
Todos nós sabemos a história de que, quando Jesus nasceu, uma
estrela nova surgiu no céu. Os sábios reis magos do Oriente, Belchior,
Gaspar e Baltazar, passaram pelo palácio do governador da Judéia na
época (Herodes) e contaram que iam visitar um novo rei, nascido em
Belém. O governador recomendou-lhes que, na volta, viessem contar-lhe o
que viram de verdade. Mas os sábios não voltaram. Então, Herodes
decretou que todas as crianças nascidas de até 2 anos antes, a contar do
dia da estrela, fossem caçadas e mortas. Nenhum outro rei lhe tomaria o
trono. Foi então que Maria e José, os pais de Jesus, fugiram para o
Egito com o recém-nascido, até que tudo passasse e pudessem voltar à
Nazaré, anonimamente. José puxava um jumentinho levando Maria e a
criança. Grande missão do nosso querido irmão, o jumento.
Mas noutra ocasião Jesus também escolheu o jumento para
montar. Foi no dia da sua entrada triunfal em Jerusalém, na festa da
Páscoa, onde seria preso e condenado à �€œmorte de cruz�€. Prefiro
transcrever alguns trechos do livro �€œVida de Jesus�€, que é uma obra
maravilhosa, aprovada pela Igreja e agora por mim também:
- �€œIde vós, Pedro e João (ordenou Jesus) à aldeia de Betfagé.
Ali, nas primeiras casas, detende-vos. Vereis amarrada a uma argola, uma
jumenta e, próximo dela, um jumentinho que ainda não foi montado por
nenhum homem. Desamarrai a jumenta, e o filhote
a acompanhará. Trazei-mos. Alguém reclamará, mas respondereis que Jesus
precisa do jumentinho e o restituirá ainda hoje�€. Depois de narrar um
pouco, autor do livro, louva-nos às páginas do evangelista citado, que
dissera ser a festa da Páscoa do ano, porém aquela era maior que as
demais: �€œDesta vez o espetáculo ganhava sentido novo, alta expressão de
incomparável grandeza mística. A multidão dos peregrinos não vinha
sozinha: trazia o seu profeta. Não era mais um rebanho sem pastor,
desamparado de toda a esperança: Jesus marchava à frente, montando seu
jumentinho, e Jesus era o guia, a luz, a consolação que viera a Israel,
depois de tão longas e escuras vigílias nacionais�€. Jesus deteve-se no
topo do mais alto monte e, contemplando a cidade, pôs-se a chorar�€. �‰
que Jesus antevia, diz Salgado, baseando-se no mesmo evangelista Mateus,
a tomada e destruição de Jerusalém pelos inimigos, que �€œnão deixarão
sobre ti pedra sobre pedra�€. Jesus Cristo previa, como é próprio dos
profetas, tudo o que iria acontecer depois. Por isto, não custa nada
fazermos uma oração ao próprio Jesus para que os homens de hoje criem
amor pelos jumentos e jumentinhos, deixando-os em paz.
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* Francisco Miguel de Moura - Escritor, membro da APL - Academia Piauiense de Letras, sede em Teresina- PI - Brazil, e da IWA - International Writers and Artists Association, sede em Toledo, Estados Unidos da América (USA)
Fonte: Autor - Chico Miguel