Os resultados preliminares da “super terça”, quando 14 Estados
americanos realizaram eleições primárias, afunilaram a corrida democrata pela
candidatura de quem enfrentará Donald Trump nas urnas no 03 de novembro. Agora,
o ex-vice-presidente Joe Biden está na liderança em número de delegados (433 até
o momento), tendo ultrapassado o senador Bernie Sanders (388). Estão em disputa
3.979 delegados, e o candidato que alcançar 1991 (a metade arredondada mais um)
desses votos conquista a candidatura. Com a desistência do ex-prefeito de Nova
York Michael Bloomberg e da senadora Elizabeth Warren, a candidatura ficou
entre Sanders e Biden, a depender de como votarão os demais eleitores
democratas nos cerca de 30 Estados que ainda realizarão prévias até meados do
ano. Ao verificar seus perfis, constatamos que Biden, pré-candidato centrista,
demonstrou contar com o respaldo dos eleitores democratas nos Estados sulistas
que já realizaram prévias até agora. Tendo passado oito anos como
vice-presidente de Barack Obama, ele herdou grande parte do seu legado, o que ajuda
a explicar um de seus trunfos: sua alta popularidade com o eleitorado negro
americano e com a população de idade mais avançada. Seu vínculo estreito com o
Obama pode continuar sendo um fator-chave para Biden manter sua força nesse
público. Sendo a saúde uma questão crucial na campanha eleitoral americana (uma
vez que o país não tem um sistema de saúde universal), Biden lançou ainda no
ano passado anúncios publicitários contando sua história pessoal e explicando
por que o acesso à saúde é algo pessoal para ele. Em 1972, ele perdeu sua
mulher e filha em um acidente de carro, que também feriu seus dois filhos
pequenos. Um deles, Beau Biden, morreria em 2015 de câncer no cérebro. Em seus
anúncios publicitários, ele afirmava que não imaginava como teriam sido esses
momentos difíceis se ele e sua família não contassem com cobertura de saúde.
Ele defende a expansão do “Obamacare”, forma como ficou conhecido o projeto de
saúde de Obama que prevê coberturas a preços acessíveis, mas sem eliminar
planos privados ou sem universalizar totalmente o sistema – uma diferença
importante em relação a Sanders. Biden ainda é apontado como mais moderado,
tendo dito que pretende trabalhar em conjunto com o rival Partido Republicano
em assuntos importantes. Biden, além de herdar dividendos políticos da era
Obama, conta com o apoio do establishment político do Partido Democrata,
que vê Sanders como radical. Ele é visto por parte do público democrata como um
candidato mais competitivo para enfrentar Trump, em relação a Sanders. Biden
ainda ganhou o endosso de pré-candidatos democratas importantes que desistiram
nos últimos dias, como Michael Bloomberg, Amy Klobuchar e Pete Buttigieg. Entretanto,
seus pontos fracos devem ser explorados pelos republicanos caso seja escolhido
candidato. O primeiro tem a ver com o processo de impeachment de Donald
Trump, no qual ele foi inadvertidamente uma figura central: foi a partir do
pedido de que o governo da Ucrânia investigasse Biden e seu filho Hunter por
seus negócios com uma empresa petrolífera ucraniana que Trump foi acusado de
abuso de poder. É bem provável que essa ligação com a Ucrânia (até o momento
não sustentada por provas concretas) vire tema de discussão durante a campanha.
Avaliando o outro pré-candidato, o senador por Vermont, Bernie Sanders surge
como candidato mais velho (78 anos) e mais à esquerda na disputa democrata.
Sanders ganhou força ao vencer as prévias nos primeiros Estados em disputa:
Iowa, New Hampshire e Nevada, tendo ainda vencido em três Estados na “super terça”.
Bernie Sanders tem sido puxado, em grande parte, pelo eleitorado jovem e por
uma ala de democratas tida como bastante leal a ele — a ponto de alguns
eleitores terem dito à imprensa americana que se recusariam a ir às urnas em
novembro caso Sanders não seja escolhido candidato democrata. Com um discurso anti-establishment,
Sanders tem como tema centrais de sua plataforma eleitoral a implantação de um
sistema de saúde universal e gratuito (com a eliminação de planos privados), um
salário mínimo de US$ 15 por hora, o perdão das dívidas de financiamento
estudantil e sistema de ensino superior gratuito. Muitos acreditam que, com
propostas tão à esquerda do espectro político e um discurso tido muitas vezes
como radical e desagregador, Sanders teria poucas chances de vencer Trump em
redutos eleitorais conservadores dos E.U.A. Isso é particularmente importante
em um país onde a designação "socialista" tem conotação pejorativa
com uma parcela significativa do eleitorado. Ao mesmo tempo, Sanders é visto
como um candidato consistente, que praticamente não mudou seu posicionamento na
maioria dos temas cruciais ao longo de sua vida política. É um duro crítico de
políticas e incentivos que, ao longo de diferentes governos, favoreceram
multinacionais e grandes investidores, e defensor da redução da desigualdade de
renda nos EUA, com mais impostos sobre os mais ricos e uma maior presença do
Estado na saúde e na educação. Se for escolhido candidato democrata, Sanders
deve enfrentar questionamentos sobre sua saúde — recentemente, ele afirmou que
não pretende divulgar informações adicionais sobre seu estado de saúde, poucos
meses após ter sofrido um ataque cardíaco — e por sua posição a respeito do
controle de armas — ele é duramente criticado por outros democratas por ter
votado, no passado, contra uma lei que exige antecedentes criminais de
compradores de armas de fogo. Outro questionamento é a respeito de como
financiar seus ambiciosos planos para a saúde e educação, cujos custos são
estimados em trilhões de dólares.
Publicada em 20/03/2020 17:16
Mais sobre: