Nas últimas semanas, o mundo assistiu à escalada de uma onda de
protestos indo de Hong Kong ao Chile, passando por Líbano, Equador e outros
países. Eles são diferentes, com causas, métodos e objetivos distintos; no entanto
existem temas comuns que os conectam. Com milhares de quilômetros de distância,
os protestos começaram por razões semelhantes em vários locais, e alguns se
inspiraram em outros em relação a como organizar e promover seus objetivos. Muitos
dos que protestam são pessoas que há muito tempo se sentem excluídas da riqueza
de seu país. Em vários casos, um aumento em preços de serviços básicos foi a “gota
d'água”. No Equador, as manifestações começaram quando o governo decidiu
eliminar os subsídios a combustíveis para conter o déficit fiscal. As medidas
de austeridade foram implementadas pelo presidente Lenín Moreno com apoio do
Fundo Monetário Internacional – F.M.I. A mudança levou a um forte aumento nos
preços da gasolina, muitos não puderam mais pagar. Os grupos indígenas temiam
que a medida resultasse em aumento dos custos de transporte público e da
alimentação, e disseram que as comunidades rurais seriam as mais atingidas. Os
manifestantes bloquearam estradas, invadiram o Parlamento e entraram em conflito
com as forças de segurança, exigindo o fim das medidas de austeridade e o
retorno dos subsídios aos combustíveis. Para colocar fim nos protestos, o
governo recuou após dias de manifestações. No Chile, foi uma alta nos preços
dos transportes que provocou protestos. O governo disse que os custos mais
altos de energia e uma moeda mais fraca levaram à decisão de aumentar as
tarifas de ônibus e metrô. Os manifestantes, no entanto, disseram que a medida
foi mais uma a pressionar a população mais pobre. Quando os manifestantes
entraram em conflito com as forças de segurança, o presidente Sebastián Piñera
foi fotografado jantando em um restaurante italiano de luxo, um sinal, disseram
alguns, do abismo entre a elite política do Chile e as pessoas que estavam nas
ruas. O Chile é um dos países mais ricos da América Latina, porém ainda um dos
mais desiguais, tendo os piores níveis de igualdade de renda entre os 36 países
membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, com
o mesmo índice do México. Como ocorreu no Equador, o governo do Chile recuou e
suspendeu o aumento de preço, em um esforço para reprimir os protestos. No
entanto, as manifestações continuaram e cresceram, com queixas mais amplas, não
se tratando mais de simples protestos contra o aumento das tarifas de metrô. O
Líbano passou por um movimento semelhante. A decisão de aumento de taxações provocou
protestos por meio do WhatsApp, que também se tornaram mais amplos e passaram a
questões econômicas ligadas a desigualdade e corrupção. Com o aumento do nível
de endividamento, o governo vem tentando implementar reformas econômicas para
garantir um pacote de ajuda internacional. Entretanto, muitas pessoas dizem que
estão sofrendo com as políticas econômicas do país e que a má administração do
governo é responsável por seus problemas. Reclamações contra a corrupção do
governo estão no centro de vários dos protestos e estão intimamente ligadas à
questão da desigualdade. No Líbano, os manifestantes argumentam que, enquanto
sofrem uma crise econômica, os líderes do país têm usado suas posições de poder
para enriquecer, por meio de propinas e acordos. Depois dos protestos, o
governo aprovou um pacote de reformas, incluindo a redução dos salários dos
políticos, em um esforço para conter a agitação. No Iraque, manifestantes
também pedem o fim de um sistema político que, segundo eles, fracassou. Um dos
principais pontos de reclamação é a maneira como as nomeações para o governo
são feitas com base em cotas étnicas, em vez de mérito. Os manifestantes
argumentam que isso permitiu que os líderes abusassem dos fundos públicos para
benefício próprio e de seus seguidores, com muito pouco benefício para a
maioria dos cidadãos. Protestos contra suposta corrupção do governo ainda
ocorreram no Egito. As manifestações foram motivadas por uma convocação de
Mohamed Ali, um empresário egípcio que vive em exílio auto imposto na Espanha,
que acusou o presidente Abdel Fattah al-Sisi e os militares de corrupção. As
alegações dele de que Sisi e seu governo estão fazendo má administração dos
fundos ressoaram entre muitos egípcios, que ficaram cada vez mais descontentes
com medidas de austeridade. Em alguns países, os manifestantes estão irritados
com os sistemas políticos em que se sentem presos. As manifestações em Hong
Kong começaram neste ano devido a um projeto de lei que permitiria a extradição
de suspeitos de crimes para a China em determinadas circunstâncias. Hong Kong
faz parte da China, mas seu povo desfruta de liberdades especiais e existe um
profundo medo de que Pequim queira exercer maior controle sobre o território. Como
em outros países, a manifestação popular em Hong Kong levou à retirada da
polêmica legislação. No entanto, os protestos continuaram. Entre suas
reivindicações, os manifestantes querem agora o sufrágio universal completo, um
inquérito independente sobre suposta brutalidade policial e anistia para
manifestantes que foram presos. As táticas deles inspiraram ativistas políticos
do outro lado do mundo. Centenas de milhares de pessoas se reuniram em
Barcelona para protestar contra o encarceramento de líderes separatistas
catalães. Manifestantes catalães também distribuíram infográficos feitos em
Hong Kong que detalham como os manifestantes podem se proteger dos canhões de
água e do gás lacrimogêneo da polícia. Percebe-se claramente que a ordem
mundial se encontra em um momento de convulsão, de transformação. Não se sabe
bem o que vai se aflorar disso tudo, mas evidencia que uma grande parcela da
humanidade está insatisfeita com determinados modelos políticos postos.
Publicada em 30/10/2019 12:01
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