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A jornalista maníaca dos bloquinhos

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24/02/2015 09:10

Ela guardava todos os bloquinhos numa gaveta. De um por um, eles estavam organizados por ordem cronológica de pauta. A moça fazia disso seu ritual de domingos ensolarados – quando não estava de plantão.

Com dez anos de profissão, carregados com muitos crimes denunciados e histórias de vidas incríveis – descobertas por acaso por entre becos e vielas -, ela jamais guardou uma reportagem publicada. Capa de jornal, manchete de portal, furo de reportagem, notícia mais compartilhada nas redes sociais.... Não, não havia nenhuma arquivada em destaque no meio das coisas importantes de sua carreira. Mas, estranhamente, tinha todas as suas apurações escritas em garranchos, protegidos por simples espirais, dentro das gavetas de seu escritório pessoal.

De Redação em Redação, pulando de editoria em editoria, ela foi adquirindo experiência a base de muitos erros. Errou em política, errou em polícia, cultura, cidades, economia – quase acreditou que havia errado também de profissão. Mas de erro em erro, certa vez acertou em cheio em uma pauta.

E pimba! De acordo com os registros de seu primeiro bloquinho, foi aí que começou o principal ritual de sua vida. Ainda quando morava com seus pais, naquela casinha pequena onde sequer havia uma gaveta para servir de cofre-de-bloquinhos. Depositava-os ao lado da cama.

Comparando as apurações das primeiras páginas, não foi uma pauta especial o motivo pelo qual resolveu começar a guardar seus próprios rabiscos. Aliás, de acordo com o nome das fontes usadas, ela já havia feito aquela matéria antes, nos seus primeiros meses de estágio. E também não foi porque saiu do estágio e entrou em outro e, muito menos, porque foi contratada por um grande jornal, pela primeira vez na vida, ou mudou de cargo logo depois.

O que se sabe é que ela guardava bloquinhos num canto do quarto, quando morava com os pais, e posteriormente, em gavetas, quando passou a morar sozinha. E guardava-os com zelo, carinho, como se fosse o maior tesouro de sua vida. Companheiros de pautas, de correria, mais importantes que a futura matéria que seria escrita com base naqueles rabiscos quase incompreensíveis.

Ela ganhava esses pequenos objetos envoltos por espirais e com folhas em branco, sempre que fazia aniversário e também no Natal. Não se importava que o presente fosse repetido – ficava até muito mais feliz do que se ganhasse qualquer outra coisa.

A moça também não se importava por ser conhecida como a maníaca dos bloquinhos. Fazia seu trabalho, dava seus plantões e seguia para casa com seu tesouro rabiscado e bem protegido dentro da bolsa.

Ao chegar, guardava dentro da gaveta mais um bloquinho preenchido e já transformado em notícia. Satisfeita, admirava o quanto que seu tesouro só crescia, dentro das gavetas, ao longo de tantos anos de trabalho como repórter.

Desde a primeira vez que acertou em uma pauta, ela tratava como arte, quase mágica, o prazer da apuração.

Por: Aldenora Cavalcante
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