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Paulo Freire x O Energúmeno

Já sobre o energúmeno verdadeiro e atual em nosso triste Brasil: Nada a declarar. O desprezo é a melhor resposta.

19/12/2019 18:58

Quando muita gente faz discursos pragmáticos e defende nossa adaptação aos fatos, acusando o sonho e a utopia não só de ser inúteis, mas também de ser inoportunos enquanto elementos que necessariamente formam parte de toda prática educativa que desmascare as mentiras dominantes, pode parecer estranho que eu escreva um livro chamando Pedagogia da Esperança um reencontro com a Pedagogia do Oprimido.

Paulo Freire

Em 2009 enquanto fazia estudos de doutorado na Universidade Autônoma de Barcelona, me deparei com Paulo Freire novamente, a primeira vez foi aos 17 anos quando ingressei no curso de Letras na UFPI, mas na Espanha o encontro foi muito mais provocador, visto que durante uma mesa redonda, fui confrontada com a realidade da desigualdade social do nosso país. Mais de um interlocutor presente naquele encontro de um março frio, me perguntava como o povo brasileiro pode aceitar tanta desigualdade social. Eu era indagada sobre o porquê a sociedade não ser solidária, me perguntavam porque preferíamos fazer caridade a mudar realidades. Eu não tinha as respostas e ainda não as tenho, apesar de todas as teses de um povo inconsciente de si, conservador e opressor.

Uma pergunta em particular nunca saiu da minha cabeça: _como um país que tem um dos maiores pensadores do século XX, um dos maiores transformadores das práticas educacionais em todo o mundo, pode ser tão ignorante do ponto de vista de uma cegueira moral generalizada? Paulo Freire era então citado, como o é hoje, como uma das grandes referências do pensamento em todo o mundo. Com inúmeros livros publicados e traduzidos para inúmeros países, o educador pernambucano é a nossa maior referência.

Então porque tanto ódio à sua pessoa e sua obra? E de onde vem esse ódio? À primeira vista é preciso perceber que esse ódio é histórico e sua narrativa remonta a década de 1950 quando Paulo Freire começava os primeiros passos com a educação popular com o intuito claro de transformar a realidade do povo pobre brasileiro. Essa narrativa, assim como, a narrativa anticomunista com seus estereótipos sintéticos, retornam sempre que o status quo da classe dominante se vê ameaçado. Retornamos sempre ao mesmo ponto, ou seja, não conseguimos ver os componentes do povo, como detentores de direitos e mais, criamos em nossa sociedade, o ódio e o desprezo ao pobre, preferindo não enxergar que a pobreza é uma construção social injusta em um país de egoístas e gananciosos que na luz, se colocam como benfeitores, fazendo da caridade o passaporte para o lugar de um bem que acreditam existir em seus mundos, mas que muito dista do real.

Paulo Freire, assim como, muitos de nós, enxergava na educação e não no assistencialismo, o poder para a transformação social. Seu primeiro livro Educação como prática para a liberdade, lançado no início da década de 1960, trazia na educação enquanto um processo dialógico e dialético, conformador de trocas entre alunos e professores, a chave transformadora, deixando de ser um processo de transmissão de

ideologias dominantes e de opressão, para se tornar o caminho para a liberdade e o encontro. O livro Pedagogia do Oprimido lançado alguns anos depois tornou-se universal e foi traduzido para várias línguas e vendido em vários países. Nele, Paulo Freire apresenta uma pedagogia emancipatória para o povo oprimido. Lembrando sua realidade de observação era o Brasil e o nordeste. A sua preocupação era trabalhar a educação para transformar o sujeito consciente de sua importância social e de seu lugar no mundo. Ele propunha uma educação unificadora em que ação e reflexão caminhassem juntas. Dar ciência ao sujeito de que ele não é pobre porque um Deus quis, mas porque os homens assim o mantiveram, não somente com imposição e dependência econômica, mas também pelo discurso de superioridade, aceito sem questionamentos, pela ausência de uma educação libertadora e crítica.

Para Paulo Freire, mais do que a conscientização do povo, a educação deveria ser o encontro entre saberes, portanto, em sua pedagogia há uma centralidade do sujeito enquanto ser transformador em um mundo. Paulo Freire valorizou a cultura, a memória, a oralidade, os saberes tradicionais e provocou uma sociedade tradicional conservadora, que se achava e se acha dona do processo civilizatório e trabalha para que este esteja sempre a favor da manutenção de seus privilégios. Ao revelar o silêncio imposto pelos opressores aos oprimidos, Freire expôs a sombra coletiva de uma sociedade injusta e de um povo hipócrita, características que aliás ainda continuam conosco. Todos vão a Igreja rezar e arrecadar donativos para o Natal, mas não desejam ver os filhos desses mesmos pobres nos bancos das universidades junto com seus filhos.

O aluno, enquanto sujeito histórico é, para Paulo Freire, a chave principal para o processo de transformação dos sujeitos individuais e da coletividade. Através das palavras geradoras e comuns às ações do cotidiano, o eterno patrono da Educação brasileira, abriu para os educadores o caminho para o desenvolvimento e para o encontro do pensamento com os educandos, sobretudo, com os adultos. Educar não se trata de transmitir conhecimentos, mas de reconhecer no educando os seus saberes e construir um processo inter relacional.

Paulo Freire publicou mais de 40 livros. Atuou como professor em várias universidades pelo mundo, com destaque para Harvard ( EUA) e Cambridge ( Inglaterra). Recebeu mais de 40 títulos de Doutor Honoris Causa em universidades brasileiras e estrangeiras.

Mais de vinte anos depois do lançamento de Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire lançou Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido, livro também traduzido, ao lado de quase toda sua obra, para as línguas mais faladas no mundo. Nesse livro o educador, [...] sintetiza os temas gestados em meio às lutas sociais que convulsionam a América Latina e os povos do Terceiro Mundo e que provocaram suas reflexões, formuladas no ritmo dessas lutas, sobre a necessidade de sobreviver e vencer a opressão da dominação”. Em suas palavras, localizadas no último livro mencionado aqui, a esperança é outra chave para a vida, logo, “ Por outro lado, sem poder negar a desesperança como algo concreto e sem desconhecer as razões históricas, econômicas e sociais que a explicam, não entendo a existência humana e a necessidade de luta por melhorá-la sem a esperança e sem o sonho. A esperança é uma necessidade ontológica, a desesperança é esperança, que perdendo sua direção, se converte em distorção da necessidade ontológica”.

Então tenhamos muita esperança para o Brasil em 2020!

Já sobre o energúmeno verdadeiro e atual em nosso triste Brasil: Nada a declarar. O desprezo é a melhor resposta.

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