Portal O Dia - Últimas notícias sobre o Piauí, esportes e entretenimento

Mídias também são usadas como forma de empoderamento e autoafirmação

Na última foto que postou no Instagram, plataforma online utilizada para o compartilhamento de imagens, Maria Clara fez um autorretrato. Na imagem, que a apresenta levemente maquiada, de cabelos soltos e olhar marcado, o texto da descrição começa assim: “Como se tem gordura como sinal de desleixo no mundo em que vivemos, tem gente que acha que gorda não pode se maquiar”.

O primeiro trecho do texto mostra a tônica que a jovem conseguiu adotar para a vida: usar as redes sociais não para mascarar a realidade ou seguir padrões, mas como forma de se reafirmar, desmistificar e combater preconceitos.


Maria Clara conta como foi mudando a percepção de si mesma e busca levar essa mentalidade para as suas redes sociais (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Maria Clara é estudante de arquitetura, mas adora o universo da moda. E se hoje, aos 20 anos, consegue estar bem resolvida com o corpo, a pressão e a influência que a imposição de padrões de beleza que se espalham na sociedade conseguem causar, isso se deve a um longo caminho de aprendizado que ficou para trás.

“Venho de uma casa de uma mãe e irmã hiperpreocupadas com valores estéticos, mesmo sabendo que isso não era a única coisa que importava. Minha mãe e minha irmã sempre foram muito magras, mas nunca fizeram muita coisa pra manter. Lá em casa, tinha lasanha todo dia e, para meu biotipo, era impossível ser magra comendo isso sempre. Aos 12 anos, fiz minha primeira dieta restritiva, que consistia em comer 1200 calorias ao dia. Era um absurdo. Desenvolvi distúrbio de disformia corporal, quando me olhava no espelho, não me via da mesma forma”, relembra.

Dos 12 aos 15 anos, a jovem conta que ser uma adolescente gorda foi um fator responsável por vários momentos de infelicidade. Neste cenário, o consumo de revistas como Capricho e uso das redes sociais, em que os padrões apresentados eram sempre de pessoas magras, malhadas e, em suas palavras “idealizadas”, não contribuiu para que ela se aceitasse de uma forma com menos cobrança. Só com experiências futuras, o seu olhar sobre o mundo começou a mudar.

“Depois dos 15 anos, eu acabei tendo um relacionamento e, a partir dos olhos dessa pessoa, eu consegui me enxergar de maneira aceitável. Depois, comecei a seguir muitas influências que são gordas e fora dos padrões e passei a me enxergar melhor. Quando a gente se rodeia desse tipo de pessoas parecidas com a gente, e a gente ver essas pessoas chegando onde a gente quer chegar, isso é maravilhoso!”, destaca.

Maria Clara, então, começou a usar as redes sociais para mostrar como é possível estar bem da forma como se é. Foto com e sem maquiagem, pose na praia de biquíni, textos e reflexões a respeito de como é importante se aceitar e alimentar a própria autoestima, hoje, ajudam não só a ela própria, mas às pessoas que também são impactadas por cada nova postagem.

Com a mudança pessoal, o meio também se transformou. “Hoje, a relação lá em casa melhorou 100%. Tenho a autoestima boa e, quando você é autoconfiante, passa essa autoconfiança para as outras pessoas; é como um brilho que não se apaga. Temos mais é que ocupar esses espaços e ser feliz da forma que se quer ser”, finaliza.


REDE SOCIAL FUNCIONA COMO VETOR DE SUBJETIVAÇÃO
Há um discurso frequente em que é associado, o uso ou utilização da televisão, de jogos e, de forma mais recente, das redes sociais, com a disseminação direta de determinados hábitos. Como tratado nesta reportagem, neste caso, as doenças mentais também podem ser lembradas. Mas para a psicóloga e doutora em ciências da comunicação, Monalisa Pontes Xavier, esses itens funcionam como vetores de comportamentos que já estão incutidos na sociedade.

“Temos os meios de comunicação e as redes sociais como significativos vetores de produção de subjetividade. Nessa perspectiva, a gente descontrói um pouco a ideia de influência, de determinação. Não é que a rede social seja determinante para o comportamento, mas ela funciona, entre tantos outros itens, como significativo vetor de subjetivação”, destaca Monalisa.

Sendo assim, as redes sociais contribuem para que as pessoas mostrem a forma como pensam e enxergam o mundo. “Nos deparamos com discurso como ‘A televisão, o filme, o jogo, as redes sociais estão implicando na disseminação de determinados hábitos (caso suicídio e outras patologias)’, mas acredito que não seja determinante, é um fator constituinte. Na medida em que ela traz informação, que é lugar de construção de atitude, de partilha, isso nos impacta de várias formas. Hoje, as redes sociais nos atravessam de uma forma nunca antes acontecida em nossa sociedade”, lembra.

Para a professora, é importante observar que as pesquisas que mostram o impacto do uso das redes sociais na saúde mental de meninas, também trazem outros aspectos consideráveis a serem pensados. “Não descarto que as meninas podem ser mais impactadas com o uso das redes sociais, mas se tratando que tenha, nós temos que apurar os fatores associados. Será que esse dado não é falseado também pelas questões culturais: o fato de que a mulher tem mais espaço para falar de sofrimento maior que homem, um maior suporte terapêutico, e talvez maior espaço para se reconhecer como uma pessoa que esteja passando por um processo depressivo?”, questiona.

Por conta disso, a professora lembra que as questões de ordem cultural também são relevantes dentro do cenário de adoecimento mental das pessoas. Dessa forma, as redes sociais continuam a contribuir para o cenário, mas não serão determinantes únicos dos prejuízos causados na vida das pessoas.