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A onda do politicamente (in) correto

“40 anos.” Texto do jornalista brasileiro, Alexandre Eggers Garcia, publicado em diferentes meios de comunicação com expansão inacreditável nas redes sociais de comunicação, trata da diferença entre gerações e épocas, tomando como parâmetro de comparação os anos 1971 e 2011, a partir da menção de casos modelares. Por exemplo, em 1971, um meninote, por pura folia, quebra o farol de um carro estacionado próximo à casa da família. Como consequência, punição severa do pai. Mais adiante, 2011, o filho do tal adolescente repete a travessura. A mesma penalidade. Só que, desta vez, o filho não hesita. Após a surra, denuncia o pai. Este é condenado à prestação de serviços comunitários. O autor segue. Uma criança, na hora do recreio escolar, cai e se machuca um pouco. A professora o assiste com carinho. Afaga-o. Abraça-o. O menino volta a brincar, como se nada ocorrera. Em 2011, acontecimento com características idênticas ganha proporção gigantesca e chega à mídia. A escola é acusada de descuido. A diretora torna-se vítima de mil afrontas. Pouco a pouco, perde a alegria de ensinar. Aposenta-se prematuramente. Cai em depressão e enfrenta a tristeza d’alma.

Noutro caso, Alexandre Garcia faz menção à “cantada” (sem desrespeito e com humor) de um jovem a uma colega de trabalho. Ano 1971. Ela reclama, mas, ao final, aceita sair para jantar a fim de “discutir a relação.” Desde então, estão casados e, aparentemente, felizes. Em 2011, também em ambiente de trabalho, um homem elogia as belas pernas de uma colega. É acusado de assédio, demitido e obrigado a pagar indenização à “vitimada.” Sozinha, com suas pernas fatais e fatídicas, a não mais jovem mulher segue a vida... São vários causos... Muitos dos quais vivenciados ou assistidos por nós ou por alguém de nosso convívio, no passado ou no dia de hoje. Em 1971 ou 2011 ou 2019. É a estratégia utilizada por A. Garcia para alertar sobre a tirania da expressão – politicamente correto. Antes dos anos 90, de uso esporádico, ganha destaque, a partir dos Estados Unidos, depois de ser tema de uma série de artigos do prestigiado jornal “The New York Times.” Daí, segue para outras nações. E ao ser adotada, com exagero, de forma ridícula e infundada, termina por erguer barreiras e muros elevados entre as pessoas, o que não evita a onda de muito sexo sem amor; muito casamento sem afeto; muita amizade sem cumplicidade; muito camarote de carnaval sem “parças”, na acepção de parceiro e amigo verdadeiro em todas as horas. Quer dizer, politicamente correto indica algo ou alguém que segue as normas impostas por grupos e instituições sociais, de forma explícita ou implícita. É a adaptação do linguajar e do agir habitual ao contexto, de forma a evitar o uso de estereótipos ou de referências às variadas formas de discriminação existentes, como racismo, sexismo, homofobia, gordofobia, tecnofobia, automatonofobia (fobia de anões), etc. Do outro lado, está o politicamente incorreto. A precaução em evitar termos que denigram a imagem de determinados grupos sociais é

considerada estúpida e, por conseguinte, é ignorada. Por exemplo, no Brasil, os programas humorísticos, salvo honrosas exceções, exploram temáticas delicadas e tendem a desconsiderar princípios clássicos do respeito ao outro.

O que ocorre, porém, é que, na prática, as duas posições mesclam-se e se confundem, de maneira que o politicamente incorreto ganha dimensão desproporcional. A expressão que deveria indicar e denunciar o uso de linguagem e atos que tentam marginalizar, insultar e afrontar grupos sociais minoritários, como os desfavorecidos economicamente (haja vista o sofrimento dos moradores de rua, de vez em quando, mortos a pauladas em vias públicas); os homoafetivos em sua ampla categorização; os negros e / ou pardos; os gordos; etc. assume tom excessivo e disforme. Como consequência, o politicamente incorreto é, agora, adotado, mais e mais, em tom pejorativo, para indicar que essas políticas estão alcançando o ridículo. É como se perdêssemos a noção de certo e errado, indicando que conhecemos o valor material (preço) de tudo ou quase tudo, mas somos incapazes de avaliar o valor (a importância) dos sentimentos que aproximam os seres humanos.

O excesso prossegue. Recentemente, após apresentação de uma cantora e dançarina obesa num palco qualquer, alguém posta no Facebook observação cheia de humor acerca da potência do tablado ao suportar o peso. Isto foi o bastante para gerar polêmicas infinitas e forçá-lo a se desculpar ante a acusação de difundir a gordofobia. Pior ainda. Muito mais grave. Postamos “40 anos”, como forma de reflexão, numa página eletrônica de uma universidade pública qualquer. Seu final diz: “[...] o que deu em nós, nesses 40 anos, para nos tornarmos tão idiotas, jogando fora a vida como ela é? [...] É a ditadura da hipocrisia imbecil do politicamente correto!” Fomos solicitados a retirar o texto, sob o argumento de estímulo ao politicamente incorreto. A censura num ambiente de geração de novos saberes e de discussão das mudanças contemporâneas é uma das provas evidentes da decadência intelectual nacional!