O horizonte poético de Lúcio Mário
Roberto
de Queiroz
No
dizer do poeta francês Paul Valéry, “poesia é a tentativa de representar ou de
restituir, por meio da linguagem articulada, aquelas coisas ou aquela coisa que
os gestos, as lágrimas, as carÃcias, os beijos, os suspiros procuram
obscuramente exprimirâ€. E é nesse contexto que, certamente, se encaixa a poesia
de Lúcio Mário. Palavreio desse modo porque, no meu entendimento, as coisas (ou
a coisa) em comentário tencionam representação nos textos do poeta por meio da
articulação da linguagem. De outro modo, isso seria obscuramente possÃvel.
Demais,
posso proferir que Lúcio Mário faz “Poesia
com uma volta e meiaâ€, ou seja, dá meia volta a mais em seu fazer poético. Assim,
sua poesia transcende os limites do real. Nela, o tempo e o espaço não ganham
terreno. O poeta prima pelo absoluto e pela eterna velocidade onipresente. Faz
uso de um “dicionário dinâmicoâ€, em que há muitas “palavras estranhasâ€, as
quais “vejo-as e não as encontro†(p. 14). E, “no nevoeiro da memória†[do eu
lÃrico] / “em [...] silêncio repousam os dias / do nunca mais [...]†(p. 24 e 35).
Além
disso, posso inferir que, na poesia de Lúcio Mário, o surreal (o que subjaz Ã
noção de real) acrescenta à razão a fantasia criadora do inconsciente. Ideias
aparentemente contraditórias, tais como sonho e�
realidade, em uma espécie de super-realidade ou realidade absoluta. Quer
dizer, o poeta explora o real e o imaginário concomitantemente. Para ele, “o eu
fÃsico e o eu espÃrito / nÃtido está fora e contido / dentro do eu psique-mitoâ€
(p. 26). O verbo no singular (está) e o adjetivo também no singular (contido)
sugerem a fusão dos dois eus: o fÃsico e o espiritual.
Por
fim, resta-me dizer que, no horizonte poético de Lúcio Mário, “os raios
ultravioletas / no arco-Ãris invadem / dominando o dominado / [mas não o] verso
do poeta†(p. 114). E, como assegura ele próprio, esse horizonte está guardado em
um cofre que ainda não foi aberto (“Cofre dos segredosâ€, p. 48). Logo, quem
quiser abrir o cofre dos segredos de Lúcio Mário e desvendar seu horizonte
poético deve procurar a chave em seu livro “Poesia
com uma volta e meiaâ€, objeto de análise deste texto. Certamente ela está
lá. Encontre-a se for capaz. Está lançado o desafio.
Postado por Francisco Miguel de Moura
(Resenha publicada no Diario de Pernambuco, 19/01/2015, Opinião, p. B4)
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