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Prédios localizados no Centro de Teresina estão à mercê do tempo

Contradições cercam a história preocupante da preservação do patrimônio histórico cultural de Teresina

11/03/2017 08:47

O crescimento das cidades, a expansão imobiliária, o déficit habitacional e os impactos ambientais constituem fatores que desafiam os gestores públicos a confrontarem o desenvolvimento iminente, com a necessidade de minimização de impactos ambientais e sociais da cidade. 

Todos esses fatores entram em destaque ao se tratar o tema da preservação do patrimônio histórico cultural de Teresina. Casarões e prédios históricos localizados no Centro da cidade estão no cerne de uma grande contradição: apesar de sua imponência, as construções são ignoradas em importância e passam despercebidas pelo olhar da população – isso até causarem incômodos. As mudanças na arquitetura do centro histórico da cidade acontecem de forma célere e pouco sensível. 

Grande parte das antigas residências do local virou loja, lanchonete, clínica ou abrigo para outro tipo de serviço. E as outras que não passaram pelas intervenções sofrem por demolições muitas vezes clandestinas ou, com o tempo, são deterioradas por conta abandono e da falta de manutenção. No cruzamento das ruas Desembargador Freitas e Dr. Arêa Leão, um grande casarão dá sinais do que acontece na cidade: entregues ao tempo, as estruturas apresentam rachaduras, partes já destruídas e descaracterização de toda a sua cor. 

No cruzamento das ruas Desembargador Freitas e Dr. Arêa Leão, um grande casarão dá sinais do que aco está entregue ao tempo. (Foto: Assis Fernandes/Jornal O Dia)

Uma situação que se repete em incontáveis outras casas da cidade, segundo o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Piauí (Crea-PI), Paulo Roberto Ferreira, há pelo menos uma centena de prédios antigos sem manutenção na Capital que pode sofrer desmoronamento. Por isso, a discussão mostra que a proteção do patrimônio cultural e a expansão urbana é um desafio não só do poder público responsável pela gestão das cidades, mas também dos cidadãos, principais guardiões e interessados no desenvolvimento do seu habitat com qualidade sustentável. 

De um lado, os poderes legislativo e executivo devem estabelecer uma ligação entre as políticas de uso e ocupação dos solos com a política de proteção do patrimônio cultural, na qual se estabelecem os meios e mecanismos de proteção do acervo cultural, garantindo a eficácia no cumprimento do que é determinado em lei. 

A comunidade, por sua vez, deve se responsabilizar pela guarda e difusão deste acervo, entendendo-o como parte inerente de sua própria história. Enquanto as duas demandas não se encontram, a história arquitetônica da cidade segue correndo risco de desaparecer em sua completude.

Casarões abandonados causam prejuízo

Tanto a discussão como a intervenção para a efetiva conservação da história arquitetônica da cidade são mais urgentes do que se acredita os diferentes setores da sociedade. Apenas nos dois primeiros meses do ano, o desabamento de estruturas de casarões no Centro da cidade mostrou, literalmente, a fragilidade com que segue sendo efetivado o tema. 

Em janeiro, uma grande casa localizada no cruzamento das ruas Areolino de Abreu e Barroso, no Centro de Teresina, desabou em cima de dois veículos que estavam parados no sinal de trânsito. Em fevereiro, o teto de uma boate LGBT também desabou na mesma região da cidade.

Há também as destruições clandestinas, em que os proprietários de imóveis históricos se aproveitam da pouca fiscalização para destruir os espaços. De acordo com a lei n° 3.563, Lei de Preservação Ambiental, devem ser preservadas todas as características arquitetônicas, artísticas e decorativas das fachadas voltadas para entrada principal do imóvel, sendo mantido o telhado e toda área do mesmo até um recuo de no mínimo 15 metros, além de algum elemento arquitetônico significativo que esteja após esse limite. 

A lei também destaca que quaisquer reparações de pintura ou restauração destes imóveis devem ser comunicadas imediatamente ao órgão municipal competente, no caso de Teresina, ao Departamento de Patrimônio Histórico Municipal, que fica instalado na Fundação Cultural Monsenhor Chaves.

Movimento #VivaMadalena reascendeu debate sobre patrimônio cultural de Teresina

Universitários, estudantes secundaristas, profissionais da área de arquitetura, professores, donas de casa, autônomos. O cenário de pessoas era diverso e o espaço de concentração impactante: em meio a destroços de um casarão localizado na Rua Félix Pacheco, no Centro de Teresina, pessoas se mobilizaram em defesa do patrimônio histórico da cidade, o #VivaMadalena. 

A casa de Dona Madalena, foco do movimento, teve parte de sua estrutura destruída irregularmente. Através do movimento #VivaMadalena, o local chamou atenção para a realidade presente na Capital: a história arquitetônica da cidade tem sido transformada em destroços cotidianamente. O estudante de arquitetura Luan Rusvell, um dos participantes da ocupação, destaca os bons resultados trazidos através da militância. 

“Um dos resultados do movimento, e que foi bem sucedido, foi, acima de tudo, evitar a demolição iminente daquela casa, que, não fosse a ocupação, hoje com certeza seria mais um estacionamento. Pena que nosso poder de mudar os rumos dessa problemática se limitaram quando esbarraram em decisões que dependiam exclusivamente do poder público, como a aprovação da lei municipal que cria o Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico de Teresina, fazer um trabalho efetivo de fiscalização, que também cabe à Prefeitura, cria leis que salvaguardem edifícios históricos para além das fachadas”, destaca o jovem. 

O estudante cobra também a efetivação de disciplinas que incentivem a educação patrimonial nas escolas públicas, iniciativa que deve partir da CMT e Prefeitura. “Como resultado direto, provocamos uma audiência pública, na qual os vereadores se comprometeram em criar o Conselho Municipal e criar leis que protejam de fato o patrimônio. A visibilidade dada à época foi importante também para denunciarmos a grave situação da Fundação Municipal de Cultura, órgão responsável pelo patrimônio histórico da cidade e que conta com poucos profissionais para atuar na cidade, falta de pessoal para fiscalizar, capacitação e outros graves problemas”, alerta Luan.

 Iniciado em julho de 2015, o #VivaMadalena se tornou um trampolim para demais demandas de toda a área histórica da cidade. “Hoje a maioria das pessoas continuam atuando em favor do patrimônio no seu dia a dia, são arquitetos, advogados, jornalistas, historiadores, cientistas sociais, donas de casa, estudantes, fotógrafos. Acredito também no poder das ações diárias e silenciosas. Como grupo, não há uma articulação conjunta, nem perspectivas de outros atos, mas constantes e diárias revoluções. Acho que o movimento mudou totalmente a forma como as pessoas que foram atingidas por aquela ocupação veem a cidade, agora conseguem enxergar a memória da cidade nas ruínas dos prédios. Os edifícios abandonados deixaram de ser velhas casas e tomaram outra importância”, finaliza.  

“Não podemos ficar de braços cruzados sabendo dos riscos”, afirma presidente do Crea-PI

Uma centena de imóveis corre o risco de desabar no Centro da cidade. É essa conclusão que chegou o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Piauí (Crea-PI) após realização de um levantamento junto aos prédios e casarões do Centro da cidade. Para o presidente do Crea-PI, Paulo Roberto Ferreira, o risco é iminente. 

Paulo Roberto cobra uma legislação firme para vistoriar imóveis antigos. (Foto: Elias Fontinele/Jornal O Dia)

“Nossa função é alertar para que a Prefeitura, que é o órgão principal nessa questão, se sensibilize para que possa trabalhar e legislar em cima disso e obrigar os proprietários de imóveis a fazer a conservação. Nós não podemos ficar de braços cruzados sabendo do risco e não informar a sociedade e os órgãos pra que eles possam se precaver”, destaca. 

Como especialista da área, a visão de Paulo é clara e em tom de alerta, já que até mesmo os prédios que passam por intervenção para que possam receber novas funções, muitas vezes, têm sua estrutura transformada apenas de maneira superficial. “São casas antigas, de paredes largas, que vão trocando de inquilino e, então, as reformas vão acontecendo: você chega no local, reverte paredes e reverte forro e aparentemente está em um lugar perfeito. Mas as estruturas seguem comprometidas. Isso deve ser fiscalizado”, alerta.

Abandono 

O presidente do Crea-PI ainda destaca o abandono dos imóveis como outra grande preocupação dentro da temática. E sem legislação específica para a conservação, situações como a dos desabamentos continuam se repetindo sem demais consequências aos proprietários. 

“Todas as capitais têm legislação específica para a conservação e Teresina não tem. Já tentamos, passamos projeto de lei e foi vetado na gestão do prefeito Elmano Ferrer. Mas agora, a Prefeitura nos procurou e estamos iniciando esse processo, já peguei legislação de todas as grandes prefeituras e isso será um pontapé para que os gestores intervenham de forma mais consolidada”, explica.  

A intenção de Paulo Roberto é que se estabeleça uma legislação capaz de obrigar que os imóveis antigos, acima de 50 anos, sejam vistoriados de dois em dois anos e os mais novos de cinco em cinco anos. O espectro de tempo seria suficiente para evitar que mais imóveis desabem, ocasionando perca do patrimônio e risco à população.

Prefeitura afirma que realiza fiscalizações e autuações de imóveis abandonados na capital piauiense

A Superintendência de Desenvolvimento Urbano da região Centro-Norte (SDU/Centro-Norte), responsável pela fiscalização dos imóveis no Centro de Teresina, afirma que faz o trabalho com recorrência; no entanto, o grande entrave da resolutividade dos problemas de deterioração e desmoronamento dos imóveis históricos é a dificuldade de encontrar o proprietário. 

Para o gerente de Fiscalização da SDU/Centro-Norte, Ernesto Costa, a conservação da história arquitetônica da cidade passa pela conscientização dos proprietários de imóveis, já que a maioria destes prédios é propriedade de particulares. “Como os imóveis são antigos, muitas vezes, o proprietário morreu ou mora longe, ou fica incomunicável. Nós buscamos autuar os responsáveis quando encontramos esses imóveis vandalizados, com lixo acumulado, com risco, mas se não encontramos, fica difícil”, explica. 

Ao ser autuado, o proprietário tem de 10 a 30 dias para intervir com as modificações exigidas, caso contrário poderá ser multado. 

Apesar de fiscalizar, a SDU/Centro-Norte não pode fazer vistorias dentro dos imóveis. Essa função cabe a Fundação Monsenhor Chaves que, procurada para prestar esclarecimento sobre a situação da conservação do patrimônio histórico, não respondeu os questionamentos até o fechamento desta matéria.

Arquiteta destaca que debate sobre conservação não pode envolver extremos

Em uma sociedade incentivada a ser utilitária, onde tudo deve desempenhar uma função clara, desenvolvimentista, nem sempre a expressão ‘conservação do patrimônio cultural’ é entendida com bons olhos. Isto porque o senso comum, muitas vezes, pode associar a manutenção de espaços históricos como um atraso ao desenvolvimento. Mas para a arquiteta e urbanista, Claudiana Cruz dos Anjos, pensar em extremos não é a melhor forma de se avançar na discussão.

 “É como se a gente tivesse ou o congelamento ou a opção de dar uso, de transformar, mas aí existe um hiato entre um e outro. Esses extremos estão superados. É importante que o patrimônio tenha uma função. Essa transformação é necessária, no entanto, ela é um meio e é uma forma que eu posso alcançar a preservação, mas ela não é a finalidade útil. E é isso que precisa ser discutido, ser avançado, ser alcançado pela legislação, ser alcançado pelo poder público, pela sociedade; há um meio termo, um caminho longo, que eu não preciso congelar porque isso já foi superado, nem posso sacrificar todas as estruturas para dizer que estou preservando. Há um caminho no meio e precisamos discutir ele”, defende. 

Claudiana Cruz defende um caminho de consenso entre a preservação e o desenvolvimento. (Foto: Elias Fontinele/Jornal O Dia)

O argumento da especialista passa pela cobrança de uma legislação municipal mais eficiente e clara para que principalmente os proprietários de imóveis possam ser enquadrados ao cometerem intervenções indevidas nas estruturas que fazem parte da história arquitetônica da cidade. “A preservação que a legislação municipal estabelece é uma preservação parcial. Se eu posso preservar parcialmente, eu posso destruir parcialmente. Ela prevê duas possibilidades de preservação: uma através do tombamento, que são poucos, são seis bens somente. E através da legislação de uso e ocupação do solo, que é a legislação que administra o uso e a forma como ocupar, o adensamento, a forma como utilizar esse solo, e essa lei prevê que alguns imóveis devem manter a preservação da fachada e da volumetria, no máximo. Isso possibilita que se preservem partes e destrua todo o resto, inclusive vários pavimentos. Então, muito do que a gente vê de destruição, ela não é necessariamente legal, porque ela não tem autorização”, explica Claudiana. 

Patrimônio cultural 

A ideia de patrimônio cultural agrega desde prédios, ruas, praças e monumentos que dizem respeito às modificações e sobreposições da formação dinâmica urbana de uma comunidade, por isso, sua importância. Segundo a arquiteta, os projetos que existem acerca do tema na Capital seguem tímidos. 

“Existem projetos pontuais, ações pequenas e vemos que o que afeta e o que descaracteriza esse patrimônio é, principalmente, a iniciativa privada, que age contra o patrimônio e ela tem o respaldo, de certa forma, público por conta da legislação. A arquitetura de Teresina é muito rica, a gente tem que enxergar esse patrimônio, enxergar na presença e não na ausência”, finaliza. 

Por: Glenda Uchôa - Jornal O Dia
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