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Como é trabalhar no lugar mais silencioso do mundo

Se LeSalle Munroe ficar parado por alguns momentos em seu "escritório", algo estranho acontece: ele consegue escutar o sangue fluindo dentro do seu corpo e seus olhos se movendo no globo ocular.

18/06/2017 08:11

Enquanto muita gente trabalha em meio a sons de computadores, ar-condicionado, conversas de colegas e telefones tocando, Munroe não ouve qualquer ruído. Ele trabalha no lugar mais silencioso da Terra.

Trata-se de uma câmara especial escondida dentro do Edifício 87, na sede da Microsoft em Redmond, Washington, onde ficam os laboratórios da empresa americana. É lá que foram desenvolvidos produtos como os computadores Surface e o videogame Xbox.

Conhecida como câmara anecoica, a sala foi construída por engenheiros para ajudar no teste de novos produtos e, em 2015, bateu o recorde mundial do silêncio, quando os ruídos de fundo do local registraram impressionantes -20.6 decibéis.

Para efeito de comparação, um sussurro humano tem cerca de 30 decibéis; uma respiração mede em geral 10 decibéis. A medição na câmara se aproxima do limite do possível sem criar-se um vácuo - o barulho produzido por moléculas do ar colidindo entre si em temperatura ambiente é estimado em cerca de -24 decibéis.

O limite da audição humana é em média de zero decibéis, mas o fato de nossos ouvidos não captarem não significa que o som não exista - o que explica, então, o fato de a medição chegar a níveis negativos.


Câmara anecoica da Microsoft bateu o recorde de local mais silencioso do mundo (Foto: Microsoft)

'Experiência única'

Para Munroe, a experiência na câmara, de portas fechadas, é algo "único".

"Quando você para de respirar, ouve seu coração bater e o sangue fluir nas veias. Você não consegue ficar com a porta fechada com frequência."

Foram necessários quase dois anos para projetar e construir a câmara, onde hoje Munroe e sua equipe passam os dias testando produtos da Microsoft.

O espaço está no centro de seis camadas de concreto, que ajudam a bloquear o som externo. É como uma sala dentro de outras salas, cada qual com 30 centímetros de espessura. Além disso, a câmara está sobre um sistema específico de fundação, sem qualquer contato direto com o prédio ao redor.

Assim, se um avião decolasse do lado de fora, quem estivesse dentro da câmara escutaria pouco mais de um sussurro.

O espaço é um cubo de 6,36 m em cada direção. Cada uma de suas seis superfícies contém espuma isolante, para ajudar a prevenir ecos. E o chão é feito de cabos de aço - os mesmos usados para segurar jatos de caça quando pousam em porta-aviões - trançados, por cima da espuma isolante.

"A câmara (anecoica) em si está disponível comercialmente, então qualquer um pode comprá-la", explica Hundraj Gopal, engenheiro cuja equipe construiu o local. A da Microsoft, diz ele, se diferencia por ter cuidado de detalhes que pudessem inadvertidamente causar ruídos: "O segredo é o esforço que fizemos para isolar o sistema de sprinkler (contra incêndios), o suprimento especial de ar. Isso torna essa câmara única."

Antes de a câmara de Gopal ser reconhecida pelo Livro Guinness dos Recordes, o título de lugar mais silencioso na Terra pertencia aos Laboratórios Orfield, em Minneapolis, também nos EUA. O local tinha uma câmara anecoica com níveis de ruído de -9,4 decibéis.

Gopal diz que seu projeto não foi intencionalmente o mais silencioso do mundo. "Meu objetivo era ter um local com ao menos zero decibéis, que é o menor (nível) que a média dos humanos consegue escutar."


A câmara serve para testes de materiais e vibrações dos produtos da Microsoft (Foto: Microsoft)

'Não aguentam ficar lá dentro'

Você talvez ache que um lugar tão quieto proporcione calma e paz. Mas, para a maioria dos visitantes, não é nada disso. Em geral, pessoas que entram na câmara da Microsoft costumam achar a experiência muito desconfortável.

"Algumas pessoas querem sair depois de apenas alguns segundos (dentro do local)", diz Gopal. "Elas não aguentam. Incomoda quase todo o mundo. Dá para ouvir a pessoa respirando do outro lado da sala, os estômagos se movendo. Uma pequena parcela das pessoas sente tontura."

Parece uma reação estranha, considerando que a maioria de nós está sempre em busca de um respiro dos ruídos aos quais somos expostos diariamente. Mas o psicólogo Peter Suedfeld, que estuda privação sensorial na Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá), compara a experiência na câmara anecoica a uma em um quarto escuro.

"Estamos acostumados a todos os sons produzirem um pequeno eco ao nosso redor", ele explica. "Nessas câmaras, só há sons mortos."

Ausentes os sons externos, torna-se possível escutar até as juntas dos ossos se moverem.

Apesar da estranheza, Gopal diz que há quem goste: "Algumas pessoas de fato acham (a experiência) meditativa, relaxante. Mas o máximo que eu vi alguém ficar lá dentro é uma hora, e isso foi para arrecadar dinheiro para caridade. Acho que passar muito tempo lá dentro é de enlouquecer. Cada vez que você engole, faz um barulho muito alto."

De olho nas vibrações

Para Munroe, esse silêncio tem muita utilidade: seu trabalho na Microsoft é buscar minúsculas vibrações produzidas em placas de circuito eletrônico durante a passagem de correntes. Essas vibrações podem tornar os computadores barulhentos.

"Tentamos descobrir onde, na placa, está o barulho e que estratégias podemos usar para mitigá-lo", explica o engenheiro.

Munroe faz também uma varredura em outras partes do computador que possam produzir ruídos, como o ventilador ou a fonte de energia. E o trabalho vai além: harmonizar os sons dos diferentes componentes do computador.

"Observamos o barulho dos teclados", diz Munroe. "Conseguir que eles soem de uma determinada forma é algo crítico. Fazemos experimentos com diferentes tipos de materiais para as teclas, tudo para obter a sensação e o som correto do teclado."

Alto-falantes e microfones também são colocados à prova ali, em busca de eventuais distorções ou erros nas frequências que produzem ou captam.

Recentemente, a câmara passou a ser usada ainda no teste de novidades, como o assistente de Inteligência Artificial da Microsoft, Cortana, e as tecnologias que tentam replicar sons tridimensionais para o aparelho de realidade virtual HoloLens.

A equipe de Munroe recebe diversos pedidos de estudiosos que querem usar a câmara para pesquisas biomédicas - uma delas, que envolve o estudo da esquizofrenia, quer verificar se privação sensorial de curto prazo pode resultar em episódios psicóticos temporários ou alucinações.

Gopal reluta em permitir. Ele acha que submeter pacientes a ambientes tão incomuns talvez requeira algum tipo de autorização judicial. E diz que a alta demanda da Microsoft para testar seus equipamentos deixa pouco tempo livre na câmara.

Sob uma perspectiva mais pessoal, porém, Gopal e Munroe acham que o poder da câmara pode ser percebido ao sair dela, depois de um tempo lá dentro.

"Quando você abre a porta (e sai), é quase como se uma cachoeira de sons batesse nos ouvidos", diz Munroe. "É como pisar em um mundo diferente. Você ouve coisas que normalmente não perceberia. Te dá uma nova perspectiva."

Fonte: G1
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