Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

THE: Médico afirma que 99% dos partos realizados por operadoras são cesarianas

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o índice de cesáreas não ultrapasse o percentual de 15%, sendo tolerável até o patamar de 25%.

23/05/2015 13:17

“Algumas decisões governamentais são desconectadas do mundo real, porque elas não conseguem casar com a prática”. De forma enfática, o médico Cerqueira Dantas, diretor-presidente de uma das maiores redes de hospitais e planos de saúde de Teresina, afirma que a nova Resolução Normativa proposta pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que estabelece normas para o estímulo ao parto normal e a consequente diminuição das cesarianas na saúde suplementar, não conseguirá ser executada com sucesso, já que há uma cultura e necessidade em torno do parto cirúrgico. “Temos operadoras que a cada 100 partos, apenas um é normal. Como o governo pode vir interferir na vontade do médico e da paciente?”, questiona.

O plano de saúde é um serviço oferecido por operadoras, que são empresas privadas, com intuito de prestar assistência médica e hospitalar aos seus usuários. Dentro deste cenário, atualmente, o índice de partos cirúrgicos é de 84%, enquanto na rede pública não passa de 40%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o índice de cesáreas não ultrapasse o percentual de 15%, sendo tolerável até o patamar de 25%.

Fotos: Divulgação

“Deseja-se parto normal, mas a mulher está impregnada, hoje, por um conforto chamado cesária. Ela não tem mais o sofrimento do parto normal, porque ele é um sofrimento. Os riscos para a criança e para a mãe são maiores que na cirurgia. E, por outro lado, o médico não consegue acompanhar mais os partos normais, porque, antigamente, ele fazia um parto por dia. Hoje, o médico atende em dois ou três hospitais por dia, ele vai passar de seis ou oito horas acompanhando um parto normal, sendo que a cesariana é em 40 minutos?”, declara Cerqueira.

O médico ainda reforça questões culturais e da própria estrutura do corpo da mulher para ir contra a exigência da ANS.  “Acabou o parto normal e não vai ser uma lei que vai fazer com que isso aconteça. É mais uma lei brasileira desconectada com a realidade. Porque o médico quer fazer cessaria e sua parceira, que é a cliente, também quer. Hoje, as pessoas vivem sedentárias.  A mulher para ter um  parto normal precisa ter musculatura no abdômen, quem é que faz academia hoje? São vários os partos que conspiram contra o parto normal”, esclarece.

As informações divulgadas pelo Ministério da Saúde vão de encontro ao que relata o médico. De acordo com o órgão, a cesariana, quando não tem indicação médica, ocasiona riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê, aumentando em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e três vezes o risco de morte da mãe.

A resolução entrará em vigor no mês de julho, após o prazo de 180 dias ofertado pela Agencia Nacional de Saúde para que as operadoras se adequassem a nova proposta. Cerqueira não teme medidas punitivas.

“Não existe possibilidade de dar certo. Como a operadora pode interferir nisso? É uma relação entre o médico e a paciente. A ANS e o Governo têm que se convencer que uma prática, depois que ela se instala, é muito difícil ser revertido. Não existe mais fundamento cultural. Nós vimemos em um país caótico, com altos índices de violência, doenças mortalidade, e as pessoas querem interferir no parto? Isso é ilógico”, finaliza. 

“Até hoje tenho traumas por não terem permitido que eu tivesse parto normal”, conta mãe

Ana Maria* era só mais uma mãe de primeira viagem. Mesmo as maiores dúvidas sobre a gestação não impediram que, desde o início, ela tivesse uma certeza estabelecida: queria ter o seu bebê através de parto normal. O sonho preparado durante todos os nove meses de gravidez veio a ter um final não esperado. Segundo a médica que acompanhou a gestante, pouca dilatação e a posição do bebê impediram que Ana pudesse ter um parto normal. A cesária foi realizada com sucesso, mas o momento que era para ser de alegria, se transformou em um trauma para a recente mãe.

A formação em enfermagem contribuiu para a decisão, com clareza, que Ana escolheria para realizar o parto normal. É claro que, antes disso, a então gestante buscou orientação médica para saber se estaria apta ao procedimento.

“Quando descobri que estava grávida busquei logo fazer o pré-natal e comecei a estudar muito sobre os tipos de parto. Vi que o parto normal seria melhor para mim e para o meu bebê, então, a partir dai, comecei toda uma preparação para o grande dia”, relembra.

A ginecologista que sempre acompanhou a mãe de primeira viagem não se disponibilizou a realizar o pré-natal e o parto normal. Com a recusa, Ana buscou outro profissional, que aceitou as condições da gestante, mas disse não poder confirmar a disponibilidade para o dia do parto. “Esse me falou que faria o pré-natal, mas que teria o risco de eu ser acompanhada por um médico de plantão no dia. E isso eu não queria, afinal, você ser acompanhada por uma pessoa em todos os momentos e, no dia ainda mais importante, ser abandonada, não faz sentido”, esclarece.

Só a terceira profissional procurada por Ana acolheu as demandas da gestante que, saudável, até então tinha todos os indicativos para passar pelo parto normal. “Ela me passou toda a segurança, disse que poderíamos fazer o parto normal. Eu fiquei imensamente feliz por ela ter aceitado. Só assim eu poderia realizar um grande sonho”.

Com a certeza da profissional médica a sua disposição, Ana, que sempre praticou exercícios físicos, buscou integrar-se em atividades físicas que contribuíssem para a saúde e fortalecessem os seus músculos para o momento do parto, como musculação, pilates e hidroginástica. A alimentação se tornou ainda mais balanceada.

“Fiz tudo direitinho, quando se aproximou perto do parto, a médica disse que minha filha ainda não tinha girado na posição mais adequada. Esperamos, mas na semana que comecei a sentir cólicas, fui para a médica e a dilatação ainda estava muito pouca”, destaca. Com 39 semanas e meio, Ana realmente sentiu todos os indícios que estaria entrando em trabalho de parto. Como era madrugada, conseguiu suportar as contrações até o horário de ir para o hospital.

“Cheguei no hospital às 6horas, a médica veio às 9h e disse que eu ainda permanecia com um centímetro de dilatação, além disso, o bebe não tinha girado. Ela então indicou que fizéssemos a cesária, eu ainda tentei insistir, queria esperar mais, mas não tive nenhum apoio. Sabia que aquelas características não eram empecilhos reais, mas no momento estava tão fragilizada, que aceitei. Lembro de ter chorado quando soube que estavam cortando minha barriga. Até hoje tenho traumas por não terem permitido que eu tivesse minha filha por parto normal”, relembra emocionada.

Conversas com outros médicos e novos estudos reafirmaram sua certeza. O parto normal era possível, mas por praticidade médica, Ana entrou em uma estatística que nunca gostaria de fazer parte: a dos 84% de mulheres que são submetidas a cesariana.

*A personagem escolheu usar nome fictício

A reportagem completa você acompanha na edição impressa do Jornal O Dia.

Por: Glenda Uchôa- Jornal O Dia
Mais sobre: