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Entidades criticam liminar que permite tratar homossexualidade como doença

A decisão determina que psicólogos podem passar a fazer terapias de "reversão sexual" para tratar a homossexualidade, sem proibição do Conselho Federal de Psicologia.

18/09/2017 18:26

A decisão da Justiça Federal do Distrito Federal, em caráter liminar, de que psicólogos podem tratar a homossexualidade como doença foi recebida de forma negativa por vários setores da sociedade, entre eles a OAB, movimentos sociais e a própria categoria. Para eles, a decisão representa um retrocesso e um perigo à saúde de gays e lésbicas. A homossexualidade não é mais considerada doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS), desde 1990.

De acordo com o professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e doutor em psicologia social, Dênis Barros, a decisão judicial pode ser considerada arbitrária, por interferir diretamente no exercício profissional dos psicólogos. Além disso, o professor afirma que não há base científica para classificar a homoafetividade como doença ou distúrbio psicológico e, acrescenta ainda, que a realização de tratamentos desse tipo pode desencadear doenças e transtornos psicológicos como a depressão.

“Esse tratamento é uma atitude cruel e bárbara. A pessoa não sofre pela homossexualidade em si, mas com a sociedade que tem uma enorme dificuldade de aceitar o diferente e tem tabus religiosos medievais. Esse sofrimento não é interno, é provocado pelo enfrentamento à agressividade contra si e uma opressão vinda externamente e acaba sendo incorporada pelo sujeito”, explica o psicólogo.

OAB e psicólogos criticam liminar que autoriza tratar a homossexualidade. (Foto: Arquivo O Dia)

O professor explica ainda que a homossexualidade não pode ser considerada uma doença, portanto, não é passível de tratamento. O docente relata que podem ser observadas diversas manifestações de homossexualidade em outras espécies animais. “O peixe palhaço, por exemplo, muda de sexo quando a fêmea morre, e isso pode ser observado em muitas outras espécies. Portanto, ser homossexual não é nenhuma aberração da natureza, não é doença”, esclarece.

Para a presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Piauí (OAB/PI), a advogada Ana Carolina Magalhães Fortes, a determinação da Justiça Federal vai na contramão da recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). “Essa decisão carece de fundamentação técnica. Como você pode autorizar o tratamento de algo que não é patológico e nem problema de saúde?”, questiona.

Além disso, a advogada acredita que a liminar deva cair em breve, pois, segundo ela, não há nenhum fundamento jurídico para continuar vigente. “A manifestação do judiciário atenta contra os direitos humanos. É voltar a estigmatizar a condição das pessoas homossexuais. Há décadas que o movimento LGBT e os ativistas de direitos humanos estão tentando desatrelar a noção de homossexualidade de patologia”, finaliza.

Em nota, o Conselho Federal de Psicologia repudiou a decisão e informou que irá recorrer em instâncias superiores, afirmando ainda que a ação foi movida por um grupo de psicólogas e psicólogos defensores dessa prática. "As terapias de reversão sexual não têm resolutividade, como apontam estudos feitos pelas comunidades científicas nacional e internacional, além de provocarem sequelas e agravos ao sofrimento psíquico", diz a nota.

Entenda o caso

A Justiça Federal do Distrito Federal concedeu uma liminar, na última sexta-feira (15), que abre brecha para psicólogos tratarem a homossexualidade como doença. Por meio do documento, o juiz federal, Waldemar Cláudio de Carvalho, determinou que o Conselho Federal de Psicologia não proíba psicólogos de realizar atendimentos orientados para uma “cura gay”, alegando que a proibição atenta contra a liberdade profissional.

Veja a nota do Conselho Federal de Psicologia na íntegra:

A Justiça Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal acatou parcialmente o pedido liminar numa ação popular contra a Resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que orienta os profissionais da área a atuar nas questões relativas à orientação sexual. A decisão liminar, proferida nesta sexta-feira (15/9), abre a perigosa possibilidade de uso de terapias de reversão sexual. A ação foi movida por um grupo de psicólogas (os) defensores dessa prática, que representa uma violação dos direitos humanos e não tem qualquer embasamento científico.

Na audiência de justificativa prévia para análise do pedido de liminar, o Conselho Federal de Psicologia se posicionou contrário à ação, apresentando evidências jurídicas, científicas e técnicas que refutavam o pedido liminar. Os representantes do CFP destacaram que a homossexualidade não é considerada patologia, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) – entendimento reconhecimento internacionalmente. Também alertaram que as terapias de reversão sexual não têm resolutividade, como apontam estudos feitos pelas comunidades científicas nacional e internacional, além de provocarem sequelas e agravos ao sofrimento psíquico.

O CFP lembrou, ainda, os impactos positivos que a Resolução 01/99 produz no enfrentamento aos preconceitos e na proteção dos direitos da população LGBT no contexto social brasileiro, que apresenta altos índices de violência e mortes por LGBTfobia. Demonstrou, também, que não há qualquer cerceamento da liberdade profissional e de pesquisas na área de sexualidade decorrentes dos pressupostos da resolução.

A decisão liminar do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho mantém a integralidade do texto da Resolução 01/99, mas determina que o CFP a interprete de modo a não proibir que psicólogas (os) façam atendimento buscando reorientação sexual. Ressalta, ainda, o caráter reservado do atendimento e veda a propaganda e a publicidade.

Interpretação – O que está em jogo é o enfraquecimento da Resolução 01/99 pela disputa de sua interpretação, já que até agora outras tentativas de sustar a norma, inclusive por meio de lei federal, não obtiveram sucesso. O Judiciário se equivoca, neste caso, ao desconsiderar a diretriz ética que embasa a resolução, que é reconhecer como legítimas as orientações sexuais não heteronormativas, sem as criminalizar ou patologizar. A decisão do juiz, valendo-se dos manuais psiquiátricos, reintroduz a perspectiva patologizante, ferindo o cerne da Resolução 01/99.

O Conselho Federal de Psicologia informa que o processo está em sua fase inicial e afirma que vai recorrer da decisão liminar, bem como lutará em todas as instâncias possíveis para a manutenção da Resolução 01/99, motivo de orgulho de defensoras e defensores dos direitos humanos no Brasil.

Por: Nathalia Amaral
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