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Indústria de alimentos quer combater 'demonização' de produtos processados

Associações se unem para defender novo modelo de rotulagem e criticam campanha contra alimentos industrializados.

11/11/2017 09:36

O setor da indústria de alimentos está disposto a combater com todas as suas forças a campanha que visa à redução do consumo de produtos processados, e que tem sido incentivada por médicos, nutricionistas e por outros profissionais da área da saúde.

O diretor-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir), Alexandre Kruel Jobim, afirmou que o Estado e parte da imprensa têm assumido o protagonismo nesse processo de censura aos produtos industrializados.

Setor da indústria de alimentos quer combater ideia de que produtos processados são violões na alimentação (Foto: Jailson Soares / O DIA)

Para Kruel, isso ocorre, muitas vezes, por conta da desinformação ou mesmo pela má-fé de alguns profissionais. "Nós temos uma preocupação muito grande com as polarizações. Somos a favor do esclarecimento. Não podemos ser regidos por um Estado que quer decidir qual a roupa que você quer vestir. Nós temos que dar a informação de que material a roupa é feita, pra você saber se tem alguma alergia, se ela é quente, se é fria, e, então, você poder decidir. Eu acho que com os alimentos isso funciona da mesma forma. Ou seja, todos os alimentos são produtos lícitos, fabricados no Brasil, não são nocivos, e para você fazer a dosagem, para saber se tem mais açúcar ou menos açúcar, se tem mais sódio ou menos sódio, o importante é a rotulagem, é a informação. A informação precisa estar disponível de forma clara. Mas o modelo da nossa rotulagem é antigo. O mundo mudou. Várias pessoas têm buscado na internet a composição de um produto, e isso tem que estar no rótulo, de forma clara", afirma Alexandre Jobim.

Setor propõe novo modelo de rotulagem de produtos

Durante workshop realizado em São Paulo, por ocasião do Dia Mundial da Alimentação, a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) apresentou à imprensa o novo modelo de rotulagem de produtos que foi proposto ao Governo Federal pelo setor da indústria de alimentos.

Baseada no modelo usado no Reino Unido, a nova proposta de rotulagem já foi entregue à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas ainda não foi aprovada.

Alexandre Kruel Jobim, presidente da Abir, uma das maiores associações do setor da indústria de alimentos (Foto: Divulgação)

Pela proposta, a tabela nutricional passa a estar presente também na parte frontal do produto, numa versão mais simplificada, contendo informações sobre os índices de sódio, açúcares totais e gordura saturada, três dos nutrientes mais perigosos para a saúde, quando consumidos além do limite recomendado.

A ideia da indústria de alimentos é que, além de serem colocadas na parte frontal das embalagens, as quantidades desses três elementos sejam classificadas por cores, conforme o percentual de valor diário de consumo recomendado para uma dieta de 2 mil kcal. 

Seriam usadas as cores verde, amarela e vermelha para informar ao consumidor sobre a proporção do nutriente no alimento que ele está adquirindo. O verde indicaria que o alimento consumido possui uma quantidade segura do nutriente. A cor amarela demanda atenção, indicando que o alimento já está com níveis mais próximos de se alcançar a recomendação diária de consumo de determinado nutriente. Enquanto o vermelho seria um sinal de alerta ao consumidor, indicando que o produto possui quantidades muito elevadas do elemento - chegando perto de atingir o limite máximo recomendado ou mesmo extrapolando esse limite.

Um exemplo. Se determinado alimento industrializado não contém qualquer quantidade de açúcar em sua composição, este item receberá a cor verde na tabela nutricional. Por outro lado, se este mesmo alimento possuir 6% da quantidade máxima de sódio recomendada para uma dieta de 2 mil Kcal, o item em questão receberá a cor amarela. Por fim, se o alimento tiver em torno de 20% do total de gorduras saturadas indicadas para um dia, o item receberá a cor vermelha. A Abia não informa, porém, em quais faixas percentuais cada uma das cores seriam aplicadas.


Presidentes de associações de indústrias de alimentos argumentam que é inviável alimentar a população mundial, estimada em mais de 7 bilhões de pessoas, apenas com comidas in natura (Foto: Jailson Soares / O DIA)

De acordo com a associação, a proposta foi elaborado a partir de uma análise do cenário mundial, fundamentada numa revisão bibliográfica realizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

"Após analisar a estrutura atual e, com objetivo de orientar melhor o consumidor na hora da escolha, a proposta de rotulagem do setor está fundamentada numa abordagem direta, clara e específica, que introduz melhoras significativas no entendimento da composição dos alimentos", defende a Abia.

Edmund Klotz, presidente da associação, afirma que o objetivo desse novo modelo de tabela nutricional é proporcionar ao consumidor o "poder" de escolher quais produtos deseja ter em sua casa, sem ser influenciado pelo Governo ou pela mídia.

“A proposta do setor é baseada em duas premissas principais: oferecer informações mais completas sobre o alimento e empoderar o consumidor. Acreditamos que o modelo com cores é o que melhor informa sobre os nutrientes contidos nos produtos e o que mais empodera o consumidor na sua decisão de compra. Confiamos na capacidade das pessoas em fazer suas escolhas alimentares, quando bem informadas”, declara Edmund Klotz.

Indústrias dizem que agricultura familiar é aliada, não inimiga

Edmund Klotz ressalta que a agricultura familiar é essencial para qualquer sociedade, Porém, ele considera ser infactível que apenas os pequenos e médios agricultores consigam suprir toda a demanda por alimentos no mundo, sobretudo nos grandes centros urbanos.

Edmund Klotz, presidente da Abia (Foto: Divulgação)

"Já há estudos apontando que o mundo terá 9 bilhões de pessoas nas próximas décadas, e não é possível alimentar toda essa população apenas com produtos in natura, que todo mundo gosta, inclusive nós, que fabricamos, transformamos e processamos alimentos [...] Até para se tomar um café, por exemplo, é preciso processar os grãos. Você não consegue tomar um café sem que ele seja moído, torrado, etc. Enfim, vivemos num mundo que passou a ter a necessidade de pré-preparar os produtos, para que isso não seja preciso ser feito nas residências. Em centros urbanos, então, isso é absolutamente inviável", afirma o presidente da Abia, acrescentando que mais da metade dos alimentos consumidos no mundo passam por algum tipo de processamento.

Alexandre Jobim, por sua vez, enfatizou que o grande número de analfabetos e semianalfabetos torna indispensável a adoção de um modelo mais compreensível de rotulagem. 

"Não vamos esquecer que no Brasil nós, infelizmente, ainda temos um grande número de analfabetos e semianalfabetos. Então, [a rotulagem] tem que ter uma informação acessível para essas pessoas. Mas é muito importante que o Estado não tome parte como demonizador de produtos, ou seja, o Estado não pode difundir uma informação que qualquer produto industrializado por si só já é um vilão, já faz mal. A rotulagem não é pra informar que determinado produto não deve ser consumido. Se não devesse ou se não pudesse ser consumido, não seria lícita sua comercialização, distribuição e venda no nosso país. O importante da informação é dar a liberdade de escolha à população", concluiu Alexandre Jobim.

'Retirada de um único alimento não é capaz de melhorar a saúde', defende nutricionista

A nutricionista Márcia Terra foi uma das convidadas pela Abia para participar do workshop que tratou sobre o novo modelo de tabela nutricional. Na ocasião, ela opinou que, atualmente, muitas pessoas sem conhecimento na área de nutrição têm dado "palpites" que mais prejudicam do que ajudam os consumidores.

Ela também criticou a condenação imposta a alguns alimentos, apontados como "vilões" pelo Governo, pela mídia e por boa parte dos profissionais da área de nutrição. "Não existe alimento bom ou ruim. Não existe comida de verdade ou comida de mentira. Existem dietas desequilibradas e alimentos com diferentes perfis nutricionais. Existem hábitos alimentares ruins e hábitos alimentares bons. A retirada de um único alimento não é capaz de determinar a saúde de um indivíduo. Eu me refiro a alimento, não aos componentes. O sódio, por exemplo, é um componente. Então, se eu diminuo o sódio, claro que vai melhorar minha dieta. Mas retirando apenas um alimento não é possível obter esse resultado", observa.

Márcia Terra afirma que a divulgação de informações equivocadas pode ser extremamente nociva para os consumidores. Daí a importância de uma tabela nutricional com informações claras, argumenta a nutricionista.

"Mentiras confortáveis funcionam mais do que verdades inconvenientes. Hoje em dia aquela frase 'eu penso, logo existo' está sendo substituída por outra: 'eu acredito, logo eu estou certo'. E não é assim [...] A rotulagem nutricional faz parte da educação nutricional, que faz parte do empoderamento do indivíduo", pondera Márcia Terra, que é membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN).

Sal do himalaia é superestimado, opina especialista em nutrição esportiva

A nutricionista Vanderlí Marchiori, presidente da Associação Paulista de Fitoterapia (APFIT) e fundadora e membro da diretoria da Associação Brasileira de Nutrição Esportiva (ABNE), concorda com a colega, pontuando que o mais importante é que as pessoas entendam qual é a composição dos alimentos. "Compreender o que está no rótulo é fundamental para acertar na escolha dos produtos, identificando, assim, o que é mais adequado para sua saúde individual e com que frequência pode consumir determinados alimentos, sem que haja prejuízo à saúde como um todo, no médio e longo prazo”, afirma.

Ela também criticou o fato de alguns alimentos serem superestimados, e citou o caso do sal do himalaia. Marchiori afirma que, ainda que este tipo de sal tenha mais nutrientes que o sal branco comum, se uma pessoa passar a usá-lo como fonte desses nutrientes estará, automaticamente, aumentando o consumo de sódio, o que é extremamente nocivo para a saúde. 

Médico e nutricionista alertam que alguns produtos devem, sim, ser eliminados

A nutricionista Maria Cândida Machado, que atende num hospital particular de Teresina, apresenta uma opinião contrária às das colegas que participaram do workshop organizado pela Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia).

Para Maria Cândida, alguns alimentos devem, sim, ser evitados ou mesmo banidos da dieta das pessoas. Como exemplo ela citou os refrigerantes, que aumentam o nível de glicose no sangue e a resistência à insulina, potencializando o risco do desenvolvimento de diabetes. "Mesmo que a pessoa deixe de consumir outros alimentos com açúcar durante o dia, os efeitos negativos do refrigerante são imediatos. O problema é que, ao tomar o refrigerante, o nível de açúcar no sangue aumenta bastante, e isso, por si só, já causa danos à saúde", explica a nutricionista.

Maria Cândida aconselha também que as pessoas evitem carnes vermelhas, mesmo as magras, e aumentem o consumo de alimentos como frutas, legumes e verduras. "A carne vermelha é muito inflamatória, e os laticínios também. O ideal é optar pelos alimentos [provenientes] da soja. É possível suprir as carências diárias de proteína apenas com esses alimentos, podendo também incluir na dieta a suplementação com a proteína isolada do soro do leite", afirma Maria Cândida.

O clínico-geral Tiago Batista, médico urgentista do Samu, afirma que são muito comuns os atendimentos de urgência e emergência a pacientes que possuem patologias desencadeadas por hábitos alimentares ruins. 

O médico urgentista Tiago Batista alerta para o perigo de alimentos como refrigerantes e recomenda moderação com a carne vermelha; clínico-geral revela que boa parte dos seus pacientes de urgência e emergência sofrem de doenças provocadas pelo consumo excessivo de alimentos pouco saudáveis 

"Inúmeros estudos indicam que alguns alimentos podem provocar várias doenças graves. Os refrigerantes são um exemplo. Todos eles possuem uma quantidade excessiva de gás, que é nocivo para o intestino, provocando constipação e outros incômodos. Além disso, pelo seu elevado teor ácido, os refrigerantes estão entre os principais causadores de refluxos, de gastrites, que podem gerar úlceras, e de várias outras doenças no trato gastrointestinal. Outro problema é o teor de sódio [presente em alguns refrigerantes], que causa hipertensão arterial, resultando em infartos, AVC, dentre outros problemas. Além, claro, do açúcar, que é sabidamente o principal causador da diabetes tipo II, que provoca diversos danos a longo prazo, como problemas renais, na circulação sanguínea, problemas de vista ou mesmo a cegueira. Enfim, a quantidade de patologias que os refrigerantes podem causar é enorme", afirma Tiago Batista.

Quanto às carnes vermelhas, o médico alerta que, além de aumentar o colesterol ruim, elas também propiciam uma elevação na quantidade de ácido úrico no organismo, que pode culminar com o desenvolvimento da artrite gotosa, popularmente conhecida como gota. "Quem já tem uma predisposição genética, pode desenvolver a artrite gotosa. Eu já atendi, na urgência, várias pessoas com crises de gota, que provocam dores insuportáveis", relata Batista.

O médico recomenda que as pessoas eliminem refrigerantes da dieta, bem como outros alimentos ricos em sódio, açúcares e gorduras saturadas.ou trans. "É preciso, lógico, ter uma vida saudável, praticando exercícios físicos, eliminando o tabagismo e com uma quantidade mínima de álcool", conclui Tiago Batista.

Decisão por alimentação equilibrada também pode abarcar opções industrializadas

Equilibrar a alimentação e seguir uma rotina que priorize o consumo de frutas, verduras, bons carboidratos e proteínas é um caminho fundamental para uma boa qualidade de vida. A escolha por balancear as opções que vão no prato, no entanto, também podem dar abertura para prazeres alimentares diversos.

Foi entendendo esse contexto, que as irmãs Lorena e Laís Santos conseguiram alcançar o objetivo de ter uma alimentação mais equilibrada, porém sem culpa ao escolher consumir alguns tipos de alimentos considerados ‘vilões’. Um processo que passou por acompanhamento nutricional e percepção própria.

“Nós éramos muito magras e queríamos ganhar massa. Foi através da mudança da alimentação aliada à prática de atividade física, que conseguimos alcançar esse objetivo”, explica Lorena.

A mudança efetiva veio há pouco mais de um ano, quando alimentos como cereais integrais, carnes magras e demais alimentos nutritivos começaram a integrar diariamente o cardápio da dupla.

Uma decisão que teve de ser dimensionada em diferentes cenários, isto porque, ao escolher uma alimentação mais equilibrada, as opções de alimentos industrializados ou menos nutritivos não foram excluídas por completo.

“No começo, a Laís chorava se comesse um chocolate. Depois, descobrimos que o grande vilão é a restrição, que não ajuda a mente. Passamos a semana tento uma alimentação equilibrada, então, entendemos que não tem nada se permitir no fim de semana”, considera Lorena.

Para Laís, a mais focada entre as duas quando o assunto é a dieta, comer um chocolate ou algum outro alimento que fuja a dieta, hoje, já não é problema. “Hoje me permito comer um chocolate ou alguma outra coisa. Com essa alimentação, sinto que fiquei mais ativa, não sei se apenas pelo esporte, mas realmente tudo melhorou”, comenta Laís.

A dieta seguida por elas prioriza uma alimentação saudável, com consumo de alimentos em espaços curtos de tempo, aliada à prática de exercício físico. Se antes a magreza incomodava, hoje, as irmãs têm muito mais aceitação com o próprio corpo.

Por: Cícero Portela (colaboração de Glenda Uchôa)
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