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Bebês com microcefalia resistem desde o nascimento e lutam para sobreviver

Atividades simples como comer, falar e andar tornam-se verdadeiros desafios para as crianças e os pais, que têm que se adaptar à situação de dependência dos filhos para o resto da vida

06/08/2017 08:49

Quase dois anos depois da epidemia de zika, que fez os casos de microcefalia mais que dobrarem no Piauí, as mães cujos bebês foram infectados pelo vírus continuam na sua luta diária para tentar das aos filhos maior qualidade de vida. Elas doam cem por cento de seu tempo aos pequenos, muitas deixaram o emprego para poderem acompanhar mais de perto o desenvolvimento deles e enfrentam distâncias para garantirem um tratamento adequado que diminua o impacto das sequelas.

Com sede na Maternidade Dona Evangelina Rosa, em Teresina, o Centro de Referência em Microcefalia do Piauí atualmente acompanha 111 crianças com o diagnóstico da doença confirmado e pelo menos 60 mães frequentam o local regularmente, em sua maioria aquelas que vivem em Teresina. As que moram no interior do Estado frequentam com menos regularidade, embora o Centro também conte com bases em cidades como Picos e Parnaíba.

A médica Carmem Ramos, que coordena as atividades relacionadas à microcefalia na Evangelina Rosa, explica que o papel do Centro de Referência é fazer a confirmação do diagnóstico e oferecer acompanhamento pediátrico e neuropediátrico, acompanhamento nutricional e assistência de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.

“Uma vez feito o diagnóstico, essa criança vai ser incluída no programa de reabilitação que é a estimulação precoce, que deve acontecer desde o dia zero de vida até os três anos. Qquanto mais essa criança comparecer, melhor para reduzir os sinais que esse transtorno traz”, pontua a médica Carmem Ramos.


Coordenadora do Centro de Referência em Microcefalia do Piauí, Carmem Ramos. Foto: Moura Alves/ODIA


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Dedicação exclusiva

A equipe multidisciplinar do Centro de Referência em Microcefalia lida com histórias de mães que tiveram que abrir mão de planos, de uma rotina e até mesmo de seus empregos para se dedicarem exclusivamente às necessidades de seus filhos. São mulheres que têm uma demanda de atendimento muito grande, que vai além da questão da saúde pública.

A coordenação do Centro explica que uma vez tendo avanço no tratamento dos bebês, há um reforço psicológico nas mães. “Elas encontram força quando veem que o acompanhamento está dando resultado e isso as estimula a continuar na luta diária e a manter a regularidade nas consultas”, diz Carmem.

Pelo menos 90% dos bebês que fazem tratamento no Centro são filhos de mulheres que possuem baixa condição socioeconômica e recebem renda familiar menor que dois salários mínimos.

Outro desafio enfrentado é a distância, pois a microcefalia está presente em praticamente todos os municípios piauienses, o que faz com que seja difícil para muitas mães estarem na Evangelina Rosa nos três dias da semana quando acontecem os atendimentos.

É o caso de Renata Maria Costa, moradora da cidade de Massapê, a 500 quilômetros de Teresina. Ela é mãe de Miguel, de apenas um ano e meio, que teve a suspeita de microcefalia detectada quando estava no meio da gestação, entre setembro e outubro de 2015, período em que se registrou os maiores índices da doença relacionada ao zika vírus no Piauí.


Renata, José e o filho Miguel. Foto: Moura Alves/ODIA

Miguel nasceu em Picos em janeiro de 2016 com um perímetro encefálico de 30 centímetros. Desde então, a rotina de Renata e de seu marido, José Fernandes, mudou completamente. Os passeios em família foram substituídos pelas cinco horas de viagem de ônibus de Massapê até a Capital para as consultas de Miguel, que acontecem a cada dois meses.

Renata teve que deixar o emprego, assim como seu marido. “Ele [José] trabalhava viajando para que a gente pudesse ter um sustento na vida, mas não tinha como continuar porque tinha que me ajudar com o Miguel. Não tem como eu vir a Teresina só porque não tem como eu ir ao banheiro ou fazer mamadeira, tem que ficar com meu filho 24 horas. Ele não fica nem em cama nem em berço sozinho e se ficar só, chora o tempo todo”, conta Renata.

A maior vitória da família aconteceu há um ano, quando Miguel começou a dar sinais de que reconhecia as pessoas ao seu redor e respondeu a estímulos simples, como o som da voz da mãe e o toque do pai. “Aí meu dia-a-dia com ele ficou uma alegria só, porque antes ele não tinha movimento do lado esquerdo e agora ele já se mexe um pouquinho. Ele é sorridente e meigo com todo mundo que chega perto. Às vezes é meio agitado, mas só de acordar e ver ele sorrindo já é uma felicidade”, Renata conta.

Já para o pai, José Fernandes, a esperança é de que o tratamento feito no Centro de Referência venha a dar resultados cada vez mais promissores e que Miguel consiga falar e andar, duas coisas que podem parecem simples para qualquer bebê, mas que para uma criança com microcefalia se torna um desafio enorme a ser vencido. “Os médicos disseram que isso é um processo lento, mas eu tenho paciência, resistência e fé de que vai dar tudo certo. Eu quero um futuro bom para o meu filho e, por isso, todo esforço vale à pena”, concluiu José com um sorriso no rosto.

Mas a realidade de Renata e José com Miguel não se repete com frequência. A coordenação do Centro de Microcefalia pontuou que há casos de crianças que chegam para ser atendidas, mas que os pais desistem do tratamento por conta da desestruturação familiar.

A doutora Carmem destaca casos de mães dependentes químicas, mulheres cujos companheiros vão embora por conta do diagnóstico dos filhos e até mesmo bebês que são deixados em orfanatos porque os familiares não sabem como lidar com a situação.

Complicações

De acordo com a médica Isabel Almeida, neonatologista da Evangelina Rosa, as sequelas em um bebê com microcefalia variam de acordo com a violência com que o vírus zika atinge a região cerebral.

 Isabel Almeira, neonatologista da Maternidade Evangelina Rosa. Foto: Moura Alves/ODIA

Quanto mais agressivo, mais contundentes são as consequências, que incluem convulsões frequentes e impossibilidade de comer. Muitos bebês só se alimentam com líquidos e mesmo assim ainda se engasgam, outros não conseguem sustentar a cabeça. Há ainda registros de bebês hipertônicos, ou seja, que não conseguem se mexer, e casos de bebês cegos e surdos por conta da má formação do cérebro.

Isabel Almeida destaca que não é só porque a microcefalia saiu da classificação de epidemia que tudo se resolveu. É uma situação desgastante e que precisa de atenção do poder público. São crianças que serão dependentes para o resto da vida, em graus diferentes. Tem delas que sofrem de irritabilidade, Neste caso, eu prescrevo medicação para dar um descanso para a mãe, porque a criança dorme algumas horas e ela pode recarregar as baterias para a nova jornada”, afirma.

Os dados da Maternidade Evangelina Rosa apontam que, dos 107 casos confirmados pelo Centro de Referência, dois são microcefalia decorrente de herpes, quatro por zika, 13 por Chikungunya, quatro por toxoplasmose, dois por sífilis e seis por citomegalovírus.



Por: Maria Clara Estrêla
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