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"œPânico induzido" por insegurança reforça surgimento de transtornos

Para psiquiatra, aspectos como excesso de prevenção e o medo exacerbado podem desencadear distúrbios mentais.

02/09/2017 08:48

A violência urbana é um fator que altera diretamente a qualidade de vida das pessoas, porque pode agir na mente e no corpo dos moradores das grandes cidades. Quem faz a associação é o médico psiquiatra Eurivan Sales, que destaca que aspectos como excesso de prevenção e o medo exacerbado podem desencadear distúrbios mentais - que vão de paranoia a síndrome do pânico - e, como consequência, até transtornos físicos, como taquicardia, hipertensão e tensão muscular.

“Estamos vivendo no Brasil um pânico induzido pela violência. Medo de assaltos, você vê uma moto e já fica sobressaltado, teme pela violência, e isso faz com que as pessoas desenvolvam quadros de ansiedades altíssimos, que podem desencadear a síndrome do pânico”, afirma o especialista. 

“Estamos vivendo no Brasil um pânico induzido pela violência", diz psiquiatra. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

A síndrome do pânico é um tipo de transtorno de ansiedade no qual ocorrem crises inesperadas de desespero e medo intenso de que algo ruim aconteça, mesmo que não haja motivo para isso ou algum sinal de perigo iminente. O tema de saúde mental ganhou atenção nas últimas semanas, quando o padre Fábio de Melo revelou estar em tratamento para combater os sintomas da síndrome do pânico.

“A pessoa desenvolve um quadro ansioso muito grande, o acometido desse fenômeno fica incapaz até de trabalhar e afeta as funções vitais da pessoa. Muitas delas chegam a ficar com falta de ar, outros sentem taquicardia muito forte. A impressão é tão violenta que a pessoa acorda de madrugada com sensação de morte. Isso é a principal forma de apresentação da doença”, esclarece o especialista.

O pico das crises de pânico geralmente pode variar dependendo da pessoa e da intensidade do apresentação do quadro clínico. Alguns sintomas podem continuar por uma hora ou mais e acontecerem de forma sequenciada durante o dia. Essa síndrome é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um Transtorno Mental, constando da sua Classificação Internacional de Doenças (CID 10).

“O pouco que se tem disso já é absurdo”, relata jovem

O dia era de festa. Jamila Carvalho, aos 16 anos, tinha viajado cerca de 250 km ao sair da cidade de Bacabal para celebrar o aniversário de um primo na cidade de São Luís, capital do Maranhão. As lembranças daquele dia, no entanto, não se resumem a alegria de celebrar a vida do mais novo membro da família, mas da memória irretocável daquele dia ter sido a primeira crise de síndrome do pânico que ela vivenciou. “Aquele dia foi um divisor de águas”, relata.

Jamila sentiu os sintomas severos da síndrome ao adormecer depois da festa. “Comi demais na festa, adormeci ao chegar em casa e cerca de uma hora depois acordei com a sensação de total desencontro de pensamentos. Costumo dizer que é como se eu fosse uma TV que não estivesse sintonizada”, relembra. Naquela noite, após muito esforço, ela conseguiu pedir ajuda e apesar do amparo dos familiares, a sensação de desespero e vômito durou toda a noite. “Como não sabíamos identificar, as pessoas associaram que foi um mal-estar por conta da comida”. Mas o diagnóstico não era tão simples.

O que a jovem sentiu naquela noite voltou a se repetir na noite seguinte, e na seguinte, e na seguinte. Fazendo o seu corpo se tornar um desconhecido, literalmente, do dia para noite. “Na época, eu era evangélica e muita gente associou o que eu estava sentindo com a presença de maus espíritos”, destaca. Mas o diagnóstico real não tardaria a acontecer. Seis meses depois da primeira crise, Jamila seria diagnosticada com a síndrome do pânico e, a partir de então, uma longa jornada de acompanhamento médico, psicológico e medicamentoso seguiria por anos.

“Na época, eu era evangélica e muita gente associou o que eu estava sentindo com a presença de maus espíritos”. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

O nível de crises da jovem era severo. Jamila afirma que, dos sintomas comumente apresentados pela doença, ela já experimentou passar pelos mais graves deles. O tratamento que se seguiu foi com acompanhamento semanal de psiquiatra e psicólogo. Nesse período, a jovem chegou a pesar apenas 32 quilos. “Quando minha mãe encontrou o doutor Hamilton, que posteriormente me encaminharia para o atendimento com a psicóloga, eu senti que poderia mudar”, afirma. E mudou, mas de forma progressiva e em um caminho que exigiu apoio familiar e força individual. “Ainda houve muitas crises, muitos medos e barreiras a serem superadas. Entender e estudar sobre a síndrome também me ajudaram”, retoma.

Jamila aprendeu a superar o diagnóstico no seu dia-a-dia. Posteriormente, conseguiu passar no vestibular, morar em outra cidade, viajar para fora do país duas vezes. Tudo enfrentado com a resiliência de saber que era possível viver para além daquele diagnóstico. “O pouco que se sente disso já é absurdo. Mas com o tratamento e todo o apoio que recebi, isso mudou minha vida. Eu ainda sinto os sintomas, mas nada se compara ao que já passei”, explica.

Aos 27 anos, a jovem tomou sua experiência como uma bandeira de luta e faz questão de falar e esclarecer sobre o tema.

Tratamento é contínuo, feito com medicamentos e através de acompanhamento psicológico

O tratamento do transtorno do pânico é acompanhado por psiquiatras que prescrevem medicamentos e também indicam psicoterapia, que ajuda a identificar o pânico e criar mecanismos para manter o controle durante a crise. O tratamento é contínuo, mesmo que o indivíduo entre em um quadro assintomático. Isso porque a suspensão abrupta dos medicamentos podem provocar crises ainda mais severas que as iniciais.

O principal objetivo do tratamento da síndrome do pânico é reduzir o número de crises, assim como sua intensidade e recuperação mais rápida e favorecer para a retomada de qualidade de vida do indivíduo.

Especialistas ressaltam que as duas principais formas de tratamento para o transtorno é por meio de psicoterapia e medicamentos e, dependendo da gravidade, preferência e do histórico do paciente, o médico poderá optar por um deles ou até mesmo por ambos, já que a combinação dos dois tipos de tratamento têm se mostrado ainda mais eficaz do que um ou outro operando isoladamente.

A psicoterapia poderá ajudar o paciente a entender os ataques de pânico, a como lidar com eles no momento em que acontecerem e como ter uma vida cotidiana normal sem medo de ter um novo ataque. Já o tratamento à base de medicamentos inclui antidepressivos, como os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, como por exemplo a paroxetina ou citalopran. Benzodiazepinas também podem ser prescritos pelos médicos. Os sintomas devem reduzir progressivamente com o avanço do tratamento.

Por: Glenda Uchôa - Jornal O Dia
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