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"Se o projeto de terceirização for aprovado como está será um desastre"

Ex-procurador geral do Trabalho, Luís Antonio Carmargo, criticou o projeto da terceirização e a redefinição do conceito de trabalho análogo a escravidão

18/07/2016 11:55

O DIA entrevistou nessa semana o ex-procurador geral do Trabalho, Luís Antônio Camargo de Melo. Ele exerceu a principal função do Ministério Público do Trabalho entre 2011 e 2015. Com a experiência de cerca de 25 anos de atuação, ele comentou sobre as discussões atuais que envolvem as relações trabalhistas. Fez críticas ao projeto da terceirização, à redefinição do conceito de trabalho análogo a escravidão e apontou que hoje, ações para combater crimes trabalhistas podem deixar de ocorrer por causa da escassez de recursos no orçamento dos órgãos que atuam no setor. Confira a entrevista:

Ex-procurador geral do Trabalho, Luís Antonio Carmargo, tem 25 anos de atuação na área (Foto: Divulgação)

O Piauí tem se destacado nos últimos meses pelo número de trabalhadores resgatados em situação aná- loga à escravidão. Como a Procuradoria tem feito para combater esse tipo de crime no Piauí e em outros estados. Os empregadores têm sido punidos na Justiça? 

Eu tenho uma experiência longa. Participo dessas operações desde o início da década de 90. Temos uma vivência e essa vivência me permite garantir a você que nós conseguimos melhorar muito do início dos anos de 1990 para cá. Tá resolvido? Não. Tá longe de estar resolvido. Nós temos trabalhadores nessas condições e enquanto tiver isso o problema não estará resolvido. Me preocupa algumas possibilidades de retrocesso na legislação. Principalmente por conta de um projeto de lei que tramita no Senado, que objetiva rediscutir e redefinir o conceito de trabalho escravo contemporâneo. Isso é muito perigoso porque se ele for aprovado do jeito que está nós teremos um enorme retrocesso. As bancadas conservadoras, ruralistas, querem retirar da lei as expressões condições degradantes e jornadas exaustivas. Se isso acontecer o retrocesso será muito grande. Nós resgatamos muitos trabalhadores por conta disso. Quando falo nós, estou falando Ministério Público do Trabalho, do Ministério do Trabalho, da Polícia Federal e até mesmo da Polícia Rodoviária Federal. Essas quatro instituições trabalham em conjunto. Ninguém avança no sistema sozinho. Já conseguimos resgatar muitos trabalhadores, grandes vitórias, tanto administrativas, quanto judiciais. Mas ainda há um caminho muito longo a percorrer. No Piauí, o estado vem avançando muito. Principalmente quando se trata de diminuir o número de piauienses que saem do estado para serem explorados em outros lugares. O atual governador, e eu não sou do PT, nem estou puxando o saco, não voto no Piauí, mas o atual governador ainda no primeiro mandato dele, fez um trabalho em conjunto conosco, de parceria, que teve resultados. 
Neste sentido, quais os caminhos mais eficientes para a gente avançar no combate ao trabalho análogo a escravidão. Seria deixar a legislação mais rígida ou avançar na fiscalização? Há carência de fiscalização? 
A legislação é eficiente e boa, tanto que estão querendo piorar e retrocedê-la. Agora, a fiscalização do trabalho precisa ter um incremento de pessoas. Nós hoje temos um número muito reduzido de fiscais do trabalho em todo Brasil. Acredito que precisaríamos de um incremento de, pelo menos, 50% a mais do que já temos hoje. O outro ponto é continuar investindo nas melhorias das condições de trabalho dos auditores, dos procuradores, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. Você precisa de equipamentos, veículos, computadores, e até mesmo de armamento. Às vezes não tem dinheiro para pagar as diárias. Hoje, o Ministério Público do Trabalho vive uma situação difícil, por conta dos cortes que foram feitos no Orçamento. 
Como o senhor observa esse projeto de terceirização que está tramitando no Congresso. As discussões foram intensas no ano passado e agora ficou morno, mas voltará a pauta de discussões. Da forma como está, o senhor acha que pode prejudicar ou ajudar os trabalhadores? 
Eu não acho, eu tenho certeza que se esse projeto da terceirização se for aprovado no Senado, do jeito que foi aprovado na Câmara, vai ser um verdadeiro desastre porque estaremos verificando o fim do direito do trabalho. O direito do trabalho foi pensado pela sociedade para estabelecer uma linha de proteção e todo esse sistema de normas e proteção está baseado na figura do empregado e do empregador. Se você permitir a terceirização ampla do jeito que está no projeto, essas figuras vão desaparecer. Você não vai mais ter a figura do empregado e do empregador a frente da relação de emprego, porque você vai ter a pessoa cumprindo as funções que não é empregado do dono da empresa onde as funções são exercidas. Então, você desconecta o trabalhador da própria empresa e da figura do empregador. Você traz um terceiro, que é empregado de uma outra empresa e que não tem aquela relação de subordinação com o dono da empresa que ele está prestando ser viço. Isso quebra o paradigma do direito do trabalho e traz uma série de problemas: remuneração menor, qualificação insuficiente ou nenhuma, porque a proposta é reduzir custos e isso é precarizar, falta de sindicalização. 
Hoje muito se fala em crise, inclusive, o próprio poder público tem se utilizado desse discurso de crise para evitar a concessão de reajustes aos trabalhadores e defendendo uma flexibilidade na legislação trabalhista? A Procuradoria pode punir em caso de não concessão dos reajustes? 
Não, porque não há uma legislação específica determinando o reajuste. O reajuste deve ser concedido por meio de uma negociação coletiva. Por isso que se precisa ter sindicato forte e representativa. Em uma situação como essa, com o patronato usando crise para não conceder reajuste, o trabalhador, através do seu Sindicato, ele faz greve. Se você for pulverizar os sindicatos, vamos ter relações cada vez piores. Além desse projeto de terceirização, há uma dezena de outros projetos que tratam da flexibilização da legislação trabalhista. Inclusive, há um que sugere que empregados e empregadores possam fazer acordos sem observar a legislação trabalhista. 
O senhor avalia que essas negociações é um avanço ou um retrocesso para os trabalhadores? 
Nas condições que nós estamos, com a estrutura sindical que temos, é um retrocesso. Na verdade, um prejuízo, uma perda para o trabalhador, porque se nós tivéssemos, realmente, entidades sindicais fortes, efetivamente representativas, teríamos menores problemas porque os trabalhadores estariam organizados e fortes o suficiente para defender seus direitos, inclusive, com greve, mas, na situação em que nós estamos, permitir, o chamado negociado sobre o legislado vai atingir diretamente os trabalhadores com uma carga de precarização jamais vista no Brasil. O que garante ainda o mínimo de dignidade do trabalhador é a própria Constituição, especialmente no artigo 7º, que estabelece uma série de direitos, mas o artigo 6, que fala dos direitos sociais e o artigo 8º que garante a greve e o artigo 9º que trata da estrutura sindical. São esses quatro artigos que ainda sustentam os princípios da Constituição. Se você permitir que uma negociação coletiva possa desconhecer, desrespeitar esses dispositivos da República acabam os direitos do trabalho. Hoje temos sindicatos que são criados pelos patrões, não é maioria, mas temos, categorias muito fragilizadas e são nessas categorias fragilizadas que se avançam na precarização. 
Além da questão da terceirização, que outras ameaças o senhor vê nos direitos dos trabalhadores em tramitação no Congresso? 
Nós estamos em um sistema capitalista de produção. Então, não estamos tratando aqui de revolução. E o sistema capitalista de produção é aquele em que o empregador tem um objetivo de lucro cada vez maior. Então, a grande ameaça que eu vejo é na forma que o Governo está organizado hoje, esse governo provisório que é um governo que tem compromisso com essas parcelas mais conservadoras. Você vê o reflexo desse apoio com as propostas que vão para o Congresso. A questão das 10 medidas contra a corrupção já não é mais prioridade. Então, essa linha política conservadora vai trazer enormes prejuízos para a classe trabalhadora, porque apoiam os empresários, adotam uma linha liberal. Se fala muito em uma crise econômica, mas eu tenho minhas dúvidas se ela realmente existe. Tem uma crise política, os resultados da economia são trabalhados para mostrar que tem realmente uma crise. Então, tenho certeza que após o desenrolar da crise política, a crise econômica começará a desaparecer da mídia, porque já diminuiu. 
Hoje os órgãos da Justiça do Trabalho estão sofrendo com o corte de gastos para custeio. Qual o efeito desses cortes na fiscalização das irregularidades cometidas contra os trabalhadores? 
A despesa de custeio é a que sustenta a máquina pública. Se você tem um corte nos investimentos, você para um pouco de crescer, de expandir, mas você mantem aquele grau de funcionamento. Agora, se você corta o custeio, aí você corre o risco de fechar as portas, porque você não vai poder pagar a luz, o aluguel, empresa de segurança, inclusive com pagamento de hospedagens e diár ias. Como eu coloco um fiscal para verificar as situa- ções, se eu não tenho o dinheiro para custear as despesas? Então, os procuradores, os auditores, a Políc ia Federal, a Políc ia R odov iár ia Federal está sof rendo i sso. Se você f ica sem recursos para i sso, as operações não acontecem e os trabalhadores continuarão sendo explorados.
Por: João Magalhães e Mayara Martins
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