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Pacíficas ou radicais, manifestações de rua clamam por mudanças na política

A História prova que não há revolução sem mobilização. Já para quem protesta, passividade e radicalismo estão nos olhos de quem vê

28/05/2017 08:36

Mergulhado em uma crise política e econômica considerada sem precedentes na história, o Brasil vive atualmente um momento de tensão entre os diferentes setores sociais, que desacreditados nas instituições representativas, ganham as ruas pedindo transformações urgentes no poder público. Na última quarta-feira (24) mais de 50 mil pessoas se reuniram na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, clamando pela saída do presidente Michel Temer e pedindo que as reformas trabalhista e da previdência não sejam votadas pelos parlamentares.

Diante da magnitude do ato, com direito a Ministérios incendiados, Michel Temer decretou o uso de tropas do Exército, com o objetivo de “garantir a lei e a ordem”. O resultado foi a ocorrência de embates violentos entre grupos de manifestantes e os homens das Forças Armadas.


Fotos: Folhapress

As imagens compartilhadas mostravam uma cena há muito tempo não vista pelas pessoas: o braço armado do governo e grupos de cidadãos brasileiros brigando pelo controle da situação, num cenário, por vezes, semelhantes a um campo de guerra.

Para a socióloga Diana Duarte, situações de conflito sempre existiram e irão existir inevitavelmente. Ela explica que a sociedade brasileira lida com essas situações a partir dos sentidos culturais e sociais aos quais estão vinculados. Por esta razão, as definições sobre o que é pacífico e radical não possuem um sentido generalizado e se tornam bastante variável de alguns grupos para outros.

“Algumas dessas ações e estratégias se dão de modo cada vez mais incisivos, variando entre gritos e palavras de ordem, ao ataque a prédios ou praças que representem um símbolo de opressão para o povo. Por outro lado, essas mesmas ações serão percebidas por outros grupos como radicais e, portanto, perigosas, devendo ser reprimidas imediatamente, mesmo que, para isso, seja necessário a truculência da polícia. Então, o sentido e o efeito do que seja radical e pacífico mudará a partir da interpretação e dos interesses de diferentes grupos”, explica Diana.

Avaliando o atual cenário brasileiro, em que se fala em um avanço do conservadorismo, Diana afirma que ele sempre existiu, mas que a diferença hoje se dá pela facilidade e permissividade de sua manifestação. No que diz respeito ao ponto de vista político, a socióloga acredita que não existe esse dualismo de um lado ou outro, uma bipolaridade bem traçada ou algo que seja bom ou ruim, mas que nós brasileiros precisamos superar a necessidade de um salvador da pátria e abordar todo tipo de percepção simplificada, sobretudo daquilo que deve ser feito pelo Brasil.

“Precisamos reavaliar os novos códigos contemporâneos como, por exemplo, a própria noção de democracia. Nunca se falou tanto sobre isso. Por meio das manifestações, ocorre o avanço de grupos nem sempre ligados a partidos e que, portanto, não fazem parte da governabilidade e que passaram a se fazer ouvidos, numa percepção que ultrapassa os sentidos do voto”, disse.

Radicalismo como consequência da ação estatal

Em boa parte das publicações a respeito dos protestos de Brasília, os grupos que investiram contra os prédios públicos eram classificados como “vândalos”. No entanto, a aplicação do termo acontece de forma arbitrária, devendo ser entendido mais como “radicalismo”. É o que aponta o estudante de direito, Victor Nascimento.

Ele explica que nestas manifestações mais contundentes geralmente se percebem a presença de dois tipos principais de manifestantes com perfis distintos: alguns que agem mais pacificamente, procurando chamar a atenção do poder público por meio da própria voz, e aqueles mais radicais, que buscam fazê-lo atingindo diretamente às instituições representativas do poder do Estado.

Para Victor, esse comportamento mais radical de alguns popularmente conhecidos como black-blocks, é uma consequência da ação estatal, ou seja, da repressão que o governo faz às diferentes formas de manifestação pacífica. O radicalismo refletiria, então, a inclinação ao enfrentamento, que é mostrado pelo poder público por meio das Forças de Segurança.

“As Forças Armadas foram colocadas na rua como uma declaração de que o Estado não está disposto a conversar, a manter um diálogo e tentar resolver a crise da forma mais lógica e sensata, que é a renúncia de um líder político que simplesmente não representa os anseios do povo”, explica Victor. Diante disso, afirma o estudante, é normal que haja enfrentamentos e que as táticas de queimar prédios públicos e atingir fisicamente o patrimônio do governo se tornem os meios de expressão, quando não se tem mais o efeito do diálogo.

Ele acredita que a tendência são os protestos se intensificarem, em decorrência da indignação crescente do povo com os seus representantes. “O Brasil vive um momento de expectativa e ela é uma só: a renúncia do atual presidente. Até que isso aconteça, é normal que os protestos continuem com a mesma intensidade ou até mais, porque há um desejo coletivo motivando isso”, finaliza.

Já para a estudante Letícia Pereira, o emprego do termo radicalismo e passividade não deve ser restrito à relação com certos grupos, mas sim à natureza dos movimentos. O modo como as pessoas encaram as manifestações vai depender do perfil dessas manifestações. “Nós temos atos mais parados, temos marchas organizadas e temos aqueles mais radicais, temos que ver a natureza das reivindicações e também o grau de representatividade que os grupos organizados possuem para a sociedade como um todo”, explica.

A estudante acredita ser de extrema importância a participação de grupos políticos nos protestos, uma vez que são segmentos que conhecem as reivindicações de diferentes setores sociais justamente por estarem em um contato maior com essas camadas, mesmo que seja por meio da “janela das eleições”. “Eu acredito que estamos vivendo um momento político de unidade, em que não se deve apontar o dedo para ideologias e partidos”, finaliza Letícia.

“Não existe revolta sem mobilização”

A discussão sobre a pacificidade e o radicalismo nas manifestações não é tão atual quanto se parece. As ações mais incisivas de grupos populares remontam do século XVIII, quando da Revolução Francesa, por exemplo, em que a mobilização partiu das classes menos favorecidas em um levante que culminou com a queda da Bastilha, símbolo do poderio e da força do Estado absolutista.

Uma das principais consequências da Revolução Francesa foi a conquista dos Direitos Humanos e consolidação da Democracia nas bases em que se observa atualmente: um governo que parte do povo, pelo povo e para o povo.

De acordo com a historiadora Bárbara Bruma, um dos aspectos que mais chamam a atenção da Revolução Francesa é a forma radical com que os grupos populares atingiram as elites e o Estado: eles chegavam a cortar as cabeças de quem estava no poder e iam contra os interesses do povo.

“Hoje, quando as pessoas partem para o ataque ao patrimônio público, são consideradas vândalas. Acontece que não existe revolta sem mobilização. A Revolução Francesa foi um marco e serve de inspiração como base para todas as outras revoluções, tendo a vista a luta pela conquista de direitos. Não é que se vá sair por aí cortando cabeças, mas ela mostrou a representatividade que existe em atingir o poder fisicamente”, explica Bárbara.

A historiadora acredita que a colocação do Exército na rua para reprimir os protestos mostra justamente que o Estado teme o poder de revolução do povo e que se armar é uma forma de impedir que as pessoas se aproximem o suficiente para lhe causar qualquer tipo de dano, seja ele no campo ideológico ou no campo físico.

Edição: Nayara Felizardo
Por: Maria Clara Estrela
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