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Não haverá reintegração de posse das ocupações, afirma ministro da Cultura

Diante de um deficit na pasta estimado por sua gestão em R$ 1 bilhão, Calero diz que o momento é de fazer "um freio de arrumação" para, em 2017, propor novas políticas.

27/05/2016 10:59

Recém-empossado ministro da Cultura, Marcelo Calero, 33, avalia que o vaivém sobre a extinção da pasta causou um "trauma" e reconhece que pode haver dificuldade inicial no diálogo com parte da classe artística, que tem se recusado a tratar com ele e com o governo interino de Michel Temer.

Com ocupações de prédios ligados à pasta em todas capitais (segundo os próprios manifestantes), ele garante em entrevista à Folha que não haverá medida judicial pedindo a desocupação, mas que trabalhará para garantir a função pública dos órgãos.

Cerimônia de posse de Marcelo Calero para o Ministério da Cultura (Foto: Beto Barata/PR/Fotos Públicas)

Diante de um deficit na pasta estimado por sua gestão em R$ 1 bilhão, Calero diz que o momento é de fazer "um freio de arrumação" para, em 2017, propor novas políticas. Ele critica a proposta de uma CPI da Lei Rouanet que, para ele, é inoportuna e contribuirá para a satanização do artista.

Folha - A classe artística se mobilizou contra o impeachment. A Frente Nacional do Teatro considerou o governo ilegítimo e se recusa a dialogar com o senhor. Há ocupações em prédios ligados ao MinC por todo o país. Como estabelecerá diálogo com a classe que o rejeita?

Marcelo Calero - Não se pode forçar nada neste momento. As paixões estão exacerbadas e estamos buscando conciliação, tentando conversar, mostrando que, independentemente de posicionamento politico, há um governo instituído, e ele precisa funcionar. Entendo que, em um momento de paixões exacerbadas, pode haver uma dificuldade inicial de diálogo, mas quem conhece nosso trabalho sabe que cheguei num lugar onde havia também ânimos exacerbados [a Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro], e mostramos que o diálogo não pode ser um fim em si próprio, tem que ser meio para ações concretas.

Nas duas primeiras semanas, irei dialogar internamente. Eu estou na fase de escutar e dialogar com quem queira dialogar. Neste momento, estarei recolhido na pasta, porque este é meu perfil. Não posso partir para uma agenda política sem ter a casa organizada. O trabalho agora é muito interno. Houve, de fato, um trauma. Um limbo por alguns dias. Eu mesmo cheguei para uma posição e agora já estou em outra. Então, o momento é de fazer as discussões internas.

Mas, em um segundo momento, pretende chamar os artistas que fizeram manifestações contrárias ao governo interino?

Todos. A gente está em uma república e não importa o posicionamento político das pessoas. Quem trabalhou comigo sabe disso. Não interessa se o sujeito é contra ou a favor do impeachment. Se a pessoa quer trabalhar, pode trabalhar comigo. Claro que há limites, jamais trabalharia com alguém homofóbico ou nazista. Mas, dentro do razoável, o posicionamento político é muito pessoal.

Como o senhor avalia as ocupações a prédios públicos e como pretende lidar com elas?

A sociedade demanda que as ocupações respeitem a função pública dos prédios onde elas estão ocorrendo. Há ocupações, por exemplo, em que foi dado um novo sentido ao prédio público, como é o caso da Funarte [no Rio]. Havia os pilotis extremamente assépticos, eu sempre tive implicância com aquilo, e hoje em dia foi dada uma função social inclusive à ocupação. Mesmo quando ela acabar, vamos ter de permanecer ali com aquela programação, que é produtiva.

Há outras ocupações, no entanto, que há indícios de consumo de drogas, menores nas ocupações, situações de depredação do patrimônio público. As situações são muito diversas e estamos trabalhando na criação de uma estratégia de negociação com os líderes das ocupações.

Está excluída a possibilidade de ingressarem com mandado judicial para reintegração de posse?

Sim, de maneira nenhuma não será feito. O momento agora é de negociação.

E a estratégia para negociação com as lideranças está sendo delineada de que maneira?

Estamos conversando com as superintendências regionais e tratamos de estabelecer essa interlocução.

A posição inicial de Michel Temer de acabar com o Ministério da Cultura diminuiu o peso da pasta?

Não, ao contrário, acho que aumenta. O presidente interino teve a sensibilidade de entender que precisava rever sua decisão e reviu como um grande líder faz. Qualquer liderança diante de uma decisão que tenha sido equivocada, revê a decisão e reverte. Foi isso que ele fez.

O senhor veio de uma secretaria bem avaliada por fazer políticas de incentivo à diversidade, à inclusão e à descentralização da cultura. Pretende reproduzi-las nacionalmente? Qual cara quer imprimir no seu ministério?

Temos que pensar agora na segunda etapa do Cultura Viva, que tem de ser aprofundado. Tivemos dois paradigmas no Rio de Janeiro: [os programas] Territórios de Cultura e o Ações Locais, que podem ser caminhos interessantes. Podemos avançar na democratização e na territorialização dos investimentos em cultura.

A equipe ministerial foi muito criticada pela falta de diversidade. O senhor concorda com a crítica?

Não sou comentarista político e tenho de cuidar do que é meu aqui. O Ministério da Cultura já tem desafio suficiente para eu fazer comentários dessa natureza, que acho que são muito mais de ordem política do que de prática.

A causa LGBT é cara para o sr. O MinC apoia iniciativas sobre o tema, mas há representantes do movimento preocupados com o fim desses programas.

Essa é uma agenda posta e é importante. Eu, pessoalmente, considero extremamente importante. No meu discurso de posse, falava que o adensamento das condições culturais e o fato de valorizá-las contribuem para mitigar esses ódios abomináveis que são o machismo, a homofobia e a xenofobia. Certamente, não caminharei em sentido diverso desse.

O senhor fala em avançar em políticas progressistas, mas a atual configuração do Congresso Nacional é conservadora. Como aprovar as medidas pretendidas?

Nós temos muito claramente no Ministério da Cultura ações nesse sentido. E isso independe de maiorias legislativas. Depende de respaldo político, que temos de Michel Temer. Ele entende que essas políticas são importantes para o campo da cultura e de vontade do gestor. Ambos estão assegurados.

O senhor concorda com a continuidade da Lei Rouanet? O que mudaria nela?

Há distorções evidentes, mas a Lei Rouanet virou a "Geni" da vez. Não é por aí. Temos de lembrar que ela financia a Orquestra Sinfônica Brasileira, o MAR, no Rio de Janeiro, e uma série de projetos. Não adianta dizer que é tudo uma porcaria, que tem de ser substituída. Isso não existe. É um mecanismo que, aos trancos e barrancos, tem sustentado a cultural nacional. Quando há críticas, e elas são muito bem-vindas, é porque a população identifica nesse investimento acontecimentos que são, por si só, muito efêmeros. A Lei Rouanet não pode ser satanizada.

Foi protocolado pedido de abertura de CPI da Lei Rouanet. O senhor é favorável?

Não considero que seja oportuno. Visitarei os deputados federais e o presidente da Câmara dos Deputados. Estamos fazendo um compromisso de dar maior transparência à lei, mas, com a CPI em curso, a pasta ficará em função de responder às demandas. E vai contribuir para a satanização e criminalização do artista. As empresas ficarão também preocupadas de estarem envolvidas. A CPI é válida, mas o momento é inoportuno. Temo o impacto econômico que isso possa ter já num cenário de profundo caos econômico.

Qual é a situação financeira da pasta?

Há uma desorganização muito grande. A situação é muito ruim em termos de gestão. Estamos elaborando uma política de cultura, mas o que mais precisamos neste momento é foco na gestão. Não estou fazendo juízo de valor sobre a gestão anterior, mas de fato há uma desorganização financeira. Temos que quitar dívidas e temos um panorama em que o ministério só sobreviveria regularmente até setembro. Depois teríamos de fechar museus e deixar de atender serviços básicos. A situação é muito ruim, inclusive na área finalística.

Qual é o rombo?

O déficit total é de R$1,34 bilhão. É o rombo que nos foi legado pela gestão Dilma Rousseff. Hoje nosso limite de empenho está na faixa de R$ 430 milhões. O aporte de R$ 230 milhões do governo interino permite que paguemos restos a pagar finalísticos e de manutenção que estavam mais urgentes. Será possível pagar prêmios atrasados.

A partir de quando artistas e produtores podem esperar pagamento?

Vou conversar com o [Ministro da Fazenda] Henrique Meirelles. Não quero dar expectativas concretas.

Neste semestre?

O repasse será em quatro parcelas e a primeira sairá até o final deste semestre.

É possível fazer algo neste ano?

Há coisas que podem ser feitas sem dinheiro, como marcos regulatórios, por exemplo. É claro que, até o final do ano, nosso objetivo é uma grande reorganização. Seria leviano já apontar novos programas, com novos gastos, para este ano. O momento é de fazer um planejamento para o ano que vem. É um freio de arrumação. Temos que deixar claro que não é culpa do [ex-ministro da Cultura] Juca Ferreira. Não havia, por parte do governo Dilma Rousseff, uma priorização da cultura.

Fonte: Folha de São Paulo
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