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Municípios acumulam dívidas de quase R$ 50 milhões com previdência própria

A principal irregularidade constatada está no fato de os municípios descontarem a contribuição do salário do servidor e não repassá-la ao Ministério da Fazenda.

27/02/2017 08:11

O Piauí possui 63 municípios com Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). E em dezembro do ano passado, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) identificou que 21 delas estão em situação grave, pois possuem dívidas que, juntas, somam R$ R$ 49. 545.575,90. 

A principal irregularidade constatada está no fato de os municípios descontarem a contribuição do salário do servidor e não repassá-la ao Ministério da Fazenda, que possui uma secretária para a regularização e acompanhamento do Regime. 

De acordo com a auditora do TCE, Girlene Silva, a situação é considerada muito grave porque o valor arrecadado nas contribuições dos servidores precisa ser pago de forma integral e muitas vezes o gestor não faz o repasse ao Ministério, contraindo dívidas altas quando somadas à contribuição patronal. “A Previdência não parcela dívida de atraso oriunda da contribuição do servidor. Assim, os gestores recolhem apenas a contribuição do servidor e acumulam, por décadas, a patronal, porque esta, em algum momento, pode ser parcelada”, explicou. 

Ainda segundo Girlene Silva, os prefeitos, que são os responsáveis pelo recolhimento das contribuições, não repassam os valores confiando no benefício de parcelamento. Além desta vantagem, o município que tem o RPPS usufrui de uma economia de até 50% nas contribuições patronais e redução de ações judiciais. 

"Os prefeitos não repassam os valores confiados no benefícios do parcelamento", diz a auditora Girlene Silva. (Foto: Assis Fernandes/Jornal O Dia)

Entre as 21 cidades piauienses que possuem dívidas acima de R$ 200 mil, o principal caso é o da Prefeitura de Floriano, com dívidas de quase R$ 12 milhões em seu Regime Próprio de Previdência Social. O município possui dívidas com o Regime desde 2013 e até o final do ano passado não foi comprovado o recolhimento de R$ 7.134.825,51 da contribuição patronal e R$ 4.682.863,60 dos servidores. 

Além de Floriano, Campo Maior, Piripiri, José de Freitas e Esperantina se encontram em situação de inadimplência grave com dívidas total de R$ 8.388.144,92, R$ 7.168.449,06, R$ 5.897.748,66 e R$ 5.239.719,42, respectivamente. A soma do valor geral do não recolhimento nos 21 municípios é de R$ 49. 545.575,90. 

No início deste ano o plenário do TCE, por unanimidade, determinou que os municípios com RPPS aplicassem os recursos de precatórios judiciais do FUNDEF para o pagamento dos débitos previdenciários. Recomendou também que os recursos da repatriação sejam utilizados para, primeiro, pagamento dos salários dos servidores e regularização do fundo de previdência dos municípios com RPPS.

 Os municípios que não quitarem as dívidas com o Regime estão sujeitos a terem o Certificado de Regularidade Previdência (CRP) inválido junto à Previdência (Ministério da Fazenda), que é exigido, por exemplo, na realização das transferências voluntárias de recursos da União, em concessão de empréstimos, financiamentos e celebração de acordos, além de terem as contas bloqueadas pelo TCE. 

"O Regime fica à mercê de maus gestores", diz OAB 

Para o presidente da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil, Chico Couto, há muitos preconceitos em relação ao Regime Próprio de Previdência Social, mas em geral, ele traz mais vantagens que prejuízos aos servidores e prefeituras que adotam o sistema próprio. 

Chico Couto explica que para os servidores, o principal benefício é que eles deixam de ser regidos pela Lei 8.123, do Regime Geral da Previdência, e passam a ficar vinculados a legislação específica, tendo direito a paridade e integralidade dos salários na hora de buscar a aposentadoria. 

“Pela regra geral, a aposentadoria dele seria uma média das 80 maiores construções vezes o fator previdenciário. Já com a integralidade, ele vai se aposentar com o valor da última remuneração que ele recebeu na ativa, e pela paridade, todas as vezes que o salário dos profissionais da ativa aumentar, o dele também vai acompanhar o aumento”, diz o especialista. 

Para o município que opta por criar um Regime Próprio de Previdência Social, o maior benefício é a redução na alíquota patronal que a prefeitura passa a pagar. A redução ocorre, segundo Chico Couto, porque enquanto no Regime Geral a alíquota varia de 20% a 26% dos salários de servidores, no RPPS ela desce para cerca de 11%. 

“No caso do Piauí, onde mais de 80% das cidades se enquadram no coeficiente 0.6 do Fundo de Participação dos Municípios, essa redução da alíquota representa uma economia de aproximadamente R$ 50 mil por mês, o que é positivo numa época de crise financeira”, avalia o especialista. 

Chico Couto rebate ainda críticas de os regimes próprios são inviáveis financeiramente e possuem grandes chances de não conseguirem bancar a aposentadoria. Ele argumenta que a legislação prevê que anualmente, as prefeituras que adotam o sistema precisam fazer e cumprir o cálculo atuarial, pois ele é quem define os valores de repasses necessários para garantir a sobrevivência do fundo de Previdência Própria. 

“O cálculo atuarial é matemática. Não tem como errar. O problema é que ele diz por exemplo, num ano, que o gestor precisa repassar 13% de alíquota patronal, mas o prefeito não repassa e quando vai ver, para cobrir o rombo, em vez de 13%, já é preciso passar 17%, por exemplo, e por aí vai. O cálculo atuarial é que garante que ele seja sustentável e diz por quantos anos ele vai se manter sustentável. É só cumprir a matemática. O sistema é bom, mas infelizmente fica à mercê de bons e maus gestores”, protesta. 

 Prefeitos em situação irregular podem responder por improbidade administrativa e imputação indébita previdenciária O Tribunal de Contas do Estado anunciou que a partir de abril, vai decretar o boqueio das contas dos municípios que não regularizarem a situação de dívidas em seus RPPS. 

O presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB, Chico Couto, explica que os prefeitos que não repassam a contribuição patronal da Prefeitura ao regime próprio, incorrem em atos de improbidade administrativa e quando descontam do salário do servidor e não repassam, incorrem em imputação indébita previdenciária e devem ser processados pelos órgãos de fiscalização. “Infelizmente, durante muito tempo, o regime próprio dos municípios foi pouco fiscalizado. 

Por isso, existem casos de municípios que deixaram de repassar a contribuição ao ponto de hoje, acumularem dívidas altíssimas”, pontua Chico Couto. Por outro lado, o membro da OAB argumenta que cidades que conseguem administrar bem o regime próprio de previdência, hoje colhem benefícios. “Em Teresina, por exemplo, o regime possui R$ 500 milhões capitalizados, que a 1% por mês gera R$ 5 milhões para a Prefeitura”, argumenta. 

Para a OAB, por isso a necessidade de aumentar a fiscalização e o controle sobre os municípios que administram seus regimes de previdência, é cada vez maior. A instituição defende ainda que órgãos como o Ministério Público, o Ministério Público Federal e os tribunais de contas estreitem a relação com os municípios, no sentido de acompanhar e orientar a correta aplicação dos recursos. “Se houvesse efetivo controle, com certeza a situação não estaria como estar”, pontua o representante da instituição. 

 “Não sei para onde foi o dinheiro”, diz Prefeito de Floriano 

 Joel Rodrigues, prefeito de Floriano, município mais endividado junto ao RPPS, afirmou que vai investigar o destino das contribuições pagas pelos servidores à Previdência e que são descontadas mensamente dos salários. A dívida acumulada nos últimos três anos é de R$ 11.817.689,11, valor que não foi repassado ao Ministério da Fazenda. 


 "Vamos fazer um levantamento e procurar uma saída", garantou o prefeito Joel Rodrigues. (Fotos: Assis Fernandes/Jornal O Dia)


A prefeitura irá realizar no próximo dia 02 de março uma reunião com a equipe técnica para realizar um estudo do valor total e definir uma forma de quitar a dívida. Mas, de acordo com Joel Rodrigues, o município não tem de onde tirar receita para o pagamento e as contas da prefeitura podem ser bloqueadas a partir do próximo mês pelo TCE. “Vamos fazer um levantamento e procurar uma saída. 

Vamos ter que parcelar porque não tem receita. As transferências que recebemos da União são destinadas para a Saúde, Educação e pagamento da folha. Não sobra quase nada”, explicou o gestor. Joel Rodrigues disse ainda que há a possibilidade de entrar com uma ação contra a gestão anterior, período em que a dívida foi contraída. “Não posso afirmar que houve desvio dos recursos, das contribuições dos servidores durante a gestão. Não sei para onde foi o dinheiro. Eu sei que vamos ter que tomar providências”, pontuou.

Segundo o gestor, a prefeitura possui dívidas altas com as pastas da administração e a prioridade, desde que assumiu, é quitar a folha de pagamento dos servidores. “Elencamos algumas prioridades e estamos tentando equacionar primeiro a folha de pagamento. Pagamos uma parte e parcelamos a outra porque não temos como pagar tudo de uma só vez”, ressaltou Joel. 

 Cidades com maiores débitos: 

 Floriano: R$ 11.817.689,11 

Campo Maior: R$ 8.388.144,92 

Piripiri: R$ 7.168.449,06 

José de Freitas: R$ 5.897.748,66 

Esperantina: R$ 5.239.719,42 

Jurema: R$ 1.675.700,67 

Pedro II: R$ 1.279.764,00 

Capitão de Campos: R$ 1.108.203,13

Por: Ithyara Borges e João Magalhães - Jornal O Dia
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