Mostruários são parecidos, mas cada artesão prima pela originalidade e diversidade (Foto: Assis Fernandes/ O Dia)
Malucos de Br. Isso mesmo, é assim que os artesãos andarilhos se autodenominam – fugindo do rótulo “hippies”. Diferentes dos que cruzam estradas e cidades, sem ocupação, alheios à soma de valores culturais e experiências outras, os malucos de Br procuram manter contatos com a cultura que ora se deparam, visando ao conhecimento e a agregação de valores no artesanato que confeccionam e que lhes dá sustento.
Pernambucano do Recife, Marcelo Paulo a Silva, 44 anos, é um maluco de Br que teve de parar e esperar os filhos crescerem para voltar a se aventurar, novamente, pelas estradas.
Marcelo Paulo, em suas andanças, conheceu todo o Brasil, mas se prepara para mais uma circulada (Foto: Assis Fernandes/ O Dia)
Tudo começou em 1980, quando
resolver sair de casa para viver uma vida mais livre, aceitando o conselho
de um colega fique seguia para o interior do Maranhão, utilizando os meios
de transportes que encontrava pelo caminho: caminhão, bicicleta, caronas
e a pé. “A vida se tornou mais leve para mim, porque eu passei a viver de
artesanato, já que tinha aprendido alguma coisa ainda no Recife”, observa.
“Do Maranhão rumei para o Pará, percorrendo vários municípios, entre
eles Marabá e Santarém. Depois voltei ao Recife porque na praia de Boa
Viagem havia muitos malucos transitando e a nossa arte era bem aceita.
Havia feiras onde muitos, de passagem ou não, se concentravam”,
diz, sem desprender a atenção das peças que confecciona sem parar,
com impressionante agilidade. Trabalhando com couro, arame, linhas
enceradas, contas, búzios e alguns metais, ele argumenta que está há
22 anos no Piauí, por uma feliz coincidência: “Estava em Boa viagem,
quando vi aquela linda menina com mochila nas costas. Era Maria de
Jesus, que viria a ser minha esposa”, sorri.
“Como ela é piauiense, quando ficou grávida de nossa segunda ilha viemos para cá, com o objetivo de dar uma vida melhor a nossas ilhas, pensando, principalmente, em seus estudos, em lhes dar um bom futuro”, ressalta, enquanto faz pulseirinhas de estilos diversos.
Gilmara pereira: delicadeza no artesanato que confecciona na praça João Luís Ferreira (Foto: Assis Fernandes/ O Dia)
Jade e Jasmim são as razões principais que fizeram o casal abandonar as estradas, mas apenas por um bom tempo: “Já minhas ilhas estão criadas, uma faz Enfermagem e a outra já é professora, vou cair na estrada novamente porque é onde me sinto livre de todas as amarras; é onde me sinto, realmente, feliz e vivendo uma liberdade que não encontramos entre quatro paredes”, assinala.
Marcelo é falante, gosta de contar suas aventuras se o interlocutor se
interessar em ouví-las: “Eu nunca dei um prego numa barra de sabão,
para patrão. Meu patrão sempre fui eu mesmo e, graças a Deus, consegui
criar minhas ilhas e levar uma vida digna”, conta orgulhoso. Eu
sou do mundo, então quando saio por aí sinto uma felicidade muito
grande, é como um passarinho que sai de uma gaiola. Esse destino eu
escolhi porque é nele que me vejo inteiro, solto, sem correntes”, acentua,
acrescentando que por onde passou guardou lembranças e adquiriu
experiências que levará por toda a vida: “E agora, vou de novo sair em
busca de mais conhecimentos”, conclui, lembrando que a Praça João
Luís, graças ao ex-prefeito Sílvio Mendes, é a única no país liberada para
os malucos de Br.
Perigo à vista
Porém há aqueles, que mesmo fazendo parte dessa trupe gigante, não se sente tão à vontade na estrada como ocorria há alguns anos: “Olha, eu já estou louca para botar o pé na estrada, novamente, pois estou em Teresina há dois meses, mas infelizmente muita coisa mudou: depois que surgiu essa onda de crack tudo ficou mais difí- cil, porque a segurança que tínhamos acabou”, desabafa Carliene Vieira, mãe de três filhos. Ela argumenta que pelas estradas também circulam pessoas violentas, sem o objetivo deles – que é viajar e vender seu artesanatos nas cidades por onde passam.
Chamados na gíria de “micróbios”, esses perturbadores agora estão por toda parte: “A gente corre sério risco de ser roubada ou até morta por essas pessoas, então hoje temos de pagar pousadas ou hotéis para não correr esses riscos que não havia há alguns anos”, diz, ao mesmo tempo em que lamenta ficar em casa: “Olha, se fico em casa de minha mãe me dá uma tristeza muito grande porque já me acostumei no mundo”, acentua, num meio sorriso que denota incerteza sobre o futuro.
Valdo Andrade de Sousa, o Valdir, já andou muito
pelo Nordeste, mas agora não vê muita vantagem
nessas viagens, em razão do perigo: “Interessante
é que quando a gente encontra uma cidade que
aceita nosso trabalho, passamos vários dias e até
anos. Hoje, felizmente, o artesanato tem muita
aceitação. Muito disso, graças às novelas, aos
programas para jovens e à internet com às redes
sociais”, diz. Gilmara de Matos Pereira também é
outra artesã que trabalha e negocia sua arte na
Praça João Luís Ferreira, mostrando criatividade
e imaginação.