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É a hora do PT "cair em campo" na disputa pela Prefeitura, diz Merlong

Em entrevista ao Jornal O Dia, o deputado federal falou sobre seus planos na Câmara e critiou a atuação do presidente Jair Bolsonaro.

20/07/2020 06:57

Em entrevista exclusiva a equipe de O Dia, o deputado federal Merlong Solano falou sobre seus planos na Câmara dos Deputados. Merlong assumiu a cadeira deixada por Assis Carvalho, que faleceu este mês em sua cidade natal, Oeiras. O parlamentar revelou que não pretende disputar a presidência do Partido dos Trabalhadores e defende o nome de Fábio Novo para a disputa da Prefeitura de Teresina este ano. 

O deputado também criticou a atuação do presidente Jair Bolsonaro, por ele definida como “conservadora e fascista”. 

Deputado, quais as áreas e ações serão priorizadas em seu mandato na Câmara Federal?

Sendo profissional da Educação desde a minha juventude, essa é uma das áreas às quais eu me dedicarei com mais ênfase e, dentro dela, projetos que procurem investir na melhoria da qualidade da educação pública, como as escolas de tempo integral.

A saúde pública também é vital. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem um sistema de saúde pública que se propõe a ser universal, porta aberta. Mas o SUS precisa ser aperfeiçoado. Ele é bom na urgência e na emergência, apesar das dificuldades, e é bom na atenção básica. Erradicou muitas doenças em função das campanhas regulares de vacinação. Mas é muito frágil na hora da atenção especializada, que implica no acesso a especialistas e exames mais precisos. Por isso, defendo o aperfeiçoamento da distribuição dos recursos do SUS entre as cidades e estados. Hoje esses recursos são distribuídos considerando em parte o tamanho da população, mas isso gera conflito porque muitos cidadãos procuram atendimento fora da sua cidade ou estado. Melhor seria adotar um cartão único do SUS. Dessa forma, em qualquer lugar do Brasil onde o cidadão for atendido, aquele hospital é que vai receber por aquele atendimento.

A área da segurança é outra prioridade. Acumula uma série de distorções, até organizacional. Esse modelo que consagra a convivência de diversas forças de segurança é um tanto quanto complicado. É muita gente tratando de segurança sem uma articulação. Fortalecer mecanismos de integração das forças de segurança é muito importante.

A área ambiental também merece grande destaque. O Brasil saiu de uma situação de país amigo do meio ambiente, com uma legislação moderna e estruturas de governo e de gestão bem montadas, para um modelo em que o que impera é aquela visão posta pelo ministro do meio ambiente: “aproveitar a pandemia pra passar a boiada da desregulamentação ambiental”. Isso está prejudicando enormemente a imagem do Brasil perante o mundo, prejudicando os negócios. A sustentabilidade ambiental precisa ser trabalhada no Brasil inteiro, não só em relação à Amazônia. A gestão dos resíduos sólidos, por exemplo, exige muita atenção por parte da sociedade e espero colocar meu mandato a serviço dessa causa.


"O Brasil é campeão de desigualdade social no mundo", diz Merlong - Foto: O Dia

Quais os principais projetos o senhor deve protocolar durante seu mandato na Câmara dos Deputados?

Penso em resgatar os projetos que já apresentei, como o que aumenta o fator “per capita” de investimento na escola de tempo integral e a proposta de emenda à Constituição que altera a destinação dos recursos do ICMS pago pelo consumo de energia elétrica oriunda de fontes renováveis. Hoje, todo esse ICMS é pago no estado destino, sem deixar nada no estado que produz. Há que se corrigir isso. Além disso, quero acompanhar projetos deixados pelo deputado Assis Carvalho em áreas diversas. Outros projetos definirei em diálogo com a sociedade: trabalhadores, movimentos sociais, empresários etc.

Deputado, a reforma tributária deve ser discutida neste ano. É uma prioridade do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Que modelo de texto o senhor defende para a proposta?

Não há nenhum outro país democrático do mundo onde 1% da população mais rica acumule tanta renda e patrimônio quanto no Brasil. O país é campeão de desigualdade e a nossa estrutura tributária é um dos fatores responsáveis por isso. O maior problema é que o nosso sistema é regressivo, ou seja, cobra mais impostos dos mais pobres do que dos mais ricos. O imposto sobre o consumo é mais pesado do que o imposto sobre a renda e sobre o patrimônio. Os tributos sobre consumo são tributos indiretos. Tanto faz a pessoa ser multimilionária ou ser beneficiária do Bolsa Família, todo mundo paga a mesma alíquota ao comprar um quilo de arroz ou feijão, por exemplo. O imposto sobre a renda não tem alíquotas que incidam sobre as faixas de mais alta renda. O milionário paga imposto tanto quanto um cidadão de classe média. No Brasil não se taxa grandes fortunas, não se taxa lucros e dividendos, não se taxa o consumo de alguns produtos sofisticados, como jatinhos, helicópteros e iates, mas taxa a motocicleta do cidadão de baixa renda.

Em segundo lugar, a reforma deve corrigir a guerra fiscal entre os estados e municípios, que abrem mão de tributos pra atrair empresas e, assim, comprometem a sua capacidade de arrecadação, o que acaba reduzindo o potencial de prestação de serviços e investimentos. Um terceiro aspecto é que temos um sistema caótico. Em cada estado, cada cidade, os regulamentos são diferentes, e isso gera atraso nos processos e aumento de custos para desembaraçar a questão tributária das empresas. É preciso facilitar a vida dos empreendedores, sejam pequenos, médios ou grandes. Simplificar e padronizar.

Há possibilidade de recriação de impostos sobre pagamentos? O ministro da Economia, Paulo Guedes, sempre defende um modelo nos moldes da antiga CPMF. O Sr. acredita ser esse o caminho?

Eu, particularmente, simpatizo com a CPMF. Imposto sobre a movimentação financeira é um imposto de fácil administração e colocaria o sistema bancário pra trabalhar pra sociedade. Esse tipo de imposto tem função estratégica porque toda movimentação financeira lícita acontece através dos bancos e um sistema bem gestado pra evitar bitributação, com alíquota que não implicasse em aumento da carga tributária, utilizando as movimentações financeiras feitas através dos bancos, seria de fácil gestão, ajudaria inclusive a combater a sonegação fiscal e a mensurar a riqueza e o patrimônio das pessoas, pra verificar se são compatíveis com suas rendas.

A bancada federal piauiense, tanto na Câmara como no Senado, é majoritariamente governista. E o senhor, oposicionista. Isso pode afetar a integração entre seu trabalho e o restante da bancada?

Eu não acredito que haja empecilho à integração do meu trabalho ao do restante da bancada. Sempre fui uma pessoa aberta ao diálogo, nunca cultivei posturas intransigentes. Vejo que na hora de defender a vinda de recursos para o Piauí, é importante que a bancada conjugue esforços, articule suas emendas de bancada, dialogando, de um lado com o governo do estado e com as prefeituras, e de outro com os programas do governo federal, tendo como objetivo colocar recursos nas áreas mais necessárias ao desenvolvimento do Piauí e que facilitem a vinda efetiva desses recursos. A bancada deve secundarizar aspectos partidários e trabalhar em bloco. Estarei aberto a fazer isso e acredito que essa será a postura dos demais colegas.

Deputado, o governo Bolsonaro começa a avançar em obras e até investimentos sociais na região Nordeste. Há um risco do PT perder popularidade na região diante dessas ações do atual governo? Como o PT precisa se comunicar com essa população para continuar tendo hegemonia na região?

Torço pra que as ações do governo federal aconteçam em maior volume, pra ver se a gente repete aquilo que aconteceu durante o governo do PT, em que o Nordeste cresceu acima da média do Brasil e o Piauí cresceu acima da média do Nordeste. Diminuímos a distância histórica entre a renda per capita do Piauí e a média da renda per capita nacional. Saímos de cerca de 30%, em 2002, para 40% ao final da gestão da presidente Dilma, isso em razão de pesados investimentos na área social, investimentos na expansão de serviços públicos na área de educação, saneamento, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos, e também na realização de investimentos em infraestrutura, como estradas, obras de grande envergadura, a exemplo da transposição das águas do rio São Francisco, e assim por diante. Espero que o governo Bolsonaro pare de fazer só ideologização conservadora e fascista e comece a governar para todo o Brasil. Nós, do PT, vamos continuar nos comunicando com a sociedade, com os movimentos sociais e sindicais, denunciando o processo que está em andamento, um processo extremante conservador e autoritário, fazendo ênfase à pesada crise econômica que afeta o país e para a qual o governo não anunciou qualquer saída significativa. O desemprego está elevadíssimo e os remédios do ministro Paulo Guedes aprofundam a crise econômica porque retiram o Estado de cena, deixando tudo por conta do mercado.

Com a recente morte do deputado Assis Carvalho, deve haver eleições para escolha do novo presidente do PT no Piauí. O senhor coloca seu nome à disposição? Quem o senhor defende para ocupar o cargo?

A morte do deputado Assis gera um desafio muito grande para o nosso partido, justamente na véspera de um processo eleitoral. Era um deputado de grande capacidade de trabalho, muito poder de articulação, muita força e determinação. Isso aumenta o desafio do partido. Entretanto, meu nome não está à disposição para substituí-lo. A maior parte dos últimos anos fiquei no poder executivo, portanto, um tanto distante do dia a dia do partido. Acredito que há outras lideranças com melhores condições de assumir esse papel, entre elas os deputados Franzé e Limma.

Há críticas sobre uma possível falta de articulação no comando do PT de Teresina, o que tem feito lideranças desistirem de concorrer às eleições. O senhor entende que o PT está seguindo a melhor estratégia na Capital com a candidatura própria, ou acredita que ainda é possível compor apoiando outro partido para prefeito?

Eleição em dois turnos numa Capital é isso. Cada grande partido deve apresentar suas propostas à sociedade. O PT tem o direito legítimo de lançar seu candidato, tem um nome com muita capacidade de debate e de articulação, que fez um bom trabalho como secretário de Cultura, um deputado muito atuante, o deputado Fábio Novo. Então, é hora do partido cair em campo, organizar sua chapa com candidatos à Câmara Municipal e projetar bem as propostas do partido, sem fechar as portas para o diálogo com as demais forças políticas de oposição ao modelo que gere a Prefeitura de Teresina há algumas décadas.

Por: Luís Carlos Oliveira, do Jornal O Dia
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