O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que somente a
Câmara de Vereadores pode tornar inelegível um prefeito que
teve suas contas rejeitadas pelos Tribunais Federais. Com 6 votos, os ministros determinaram que o legislativo municipal tem
a palavra final sobre a decisão que rejeita ou aprova as contas. O
Conselheiro Substituto do Tribunal de Contas do Piauí, Jailson
Campelo, em entrevista a O DIA, avaliou a decisão do Supremo
criticando a capacidade dos vereadores de analisar a movimentação dos recursos financeiros dos gestores. Ele comentou ainda
sobre as ações que os órgãos competentes irão tomar para tentar
reverter a decisão.
Que repercussão imediata terá a decisão do STF de
barrar o poder dos TCEs no
julgamento das contas dos
gestores e o consequente
impedimento em incluí-los
como inelegíveis?
Eu considero a decisão um
retrocesso e um equívoco
enorme e, infelizmente, eu sou
obrigado a avaliar que o Supremo não tinha a dimensão
exata do que estava decidindo
por dois motivos: primeiro,
porque a decisão fere de morte a Lei Complementar 135, a
chamada Lei da Ficha Limpa.
Essa Lei teve origem de uma
iniciativa popular. 2 milhões
de brasileiros assinaram a proposta de Lei da Ficha Limpa
que foi entregue em momento histórico, significativo; o
outro equívoco é porque enfraquece não os Tribunais de
Contas, enfraquece as fiscalizações dos recursos públicos
na medida em que atribui a
Câmara Municipal a prerrogativa de dá a última palavra
em assuntos extremamente
complexos, como são aqueles
alusivos às contas públicas.
"Essa decisão enfraquece a fiscalização dos recursos públicos", afirma Jaílson Campelo (Foto: Moura Alves/O Dia)
Os pareceres dos TCEs sobre a reprovação ou aprovação das contas dos gestores
são encaminhados às Câmaras. Elas têm acatado estes
pareceres pela reprovação
ou não?
Precisamos, antes, fazer
uma distinção na natureza das
contas públicas. Elas são de
duas natureza: uma são políticas, de governo, e as outras
são de gestão. As contas que
vão para Câmara Municipal,
para o parlamento, prestadas
pelo prefeito municipal, estas
contas são globais, que dizem
respeito aos resultados das
ações das políticas públicas
e a performance dos gestores
a frente do poder Executivo.
Esse julgamento é um julgamento político a ser feito pela
Câmara Municipal, representante do povo. Mas existe um
outro julgamento referente às
contas de gestão, que são as
contas alusivas à movimentação de recursos financeiros,
realização de licitações, assinatura de recibos, ordens de
pagamento, ordens de serviços prestados, todos estes são
atos de gestão e não de governo. São estes atos que o Tribunal de Contas julgava e não
remetia para o legislativo, o
Tribunal de Contas dava a palavra final. Uma vez julgadas
irregulares as contas, o gestor
se tornava inelegível. Com
a decisão do Supremo, essas
contas tem que ir para o legislativo municipal para que ele
possa então dá a palavra final.
A estatística que nós temos é
de pouco alteração no legislativo municipal das decisões
dos Tribunais de Contas. Não
é comum as Câmaras Municipais modificarem as decisões
dos Tribunais de Contas.
Agora, com essa decisão do
Supremo, transferindo quase
que totalmente os poderes
para as Câmaras, a minha expectativa não é das melhores.
As Câmaras, então, não estão preparadas para essa
função?
As Câmaras, sem nenhum
preconceito, faz o seu trabalho, mas é composta por pessoas que não têm formação
adequada para esse tipo de
fiscalização. São pessoas do
povo, tem o médico, o advogado, tem o professor, tem o
líder popular, comunitários,
pessoas que de alguma forma
se tornam lideranças e conseguem ser vereadores, exercem
seus mandatos com retidão,
atendendo a sua atuação política, mas não tem o preparo
técnico para exercer a fiscalização. Por exemplo, para fiscalizar a construção de uma ponte nós temos no nosso quadro
engenheiros que têm o doutoramento na área, são especialistas em cálculo estrutural.
Essa fiscalização é feita com
análises de planilhas complexas que só quem tem especialidade na área tem condição
de fazer. Então, ao final de
muito tempo, com muito cálculo, com muita fiscalização
em loco é que o Tribunal de
Contas chega a uma conclusão, mostrar, por exemplo, que
houve um superfaturamento
ou que o serviço não foi bem
executado. Quem tem condições de fazer isso é o técnico,
aquele que tem formação na
área. As Câmaras Municipais,
mesmo a de Teresina, não têm
condições de fazer um trabalho dessa natureza.
O presidente da União das
Câmaras Municipais (Avep)
rechaçou declarações de
que os vereadores não têm
competência técnica para
julgar as contas dos gestores, assim como as declarações de que o poder político
pode interferir nas análises
das contas. Como o senhor
vê o posicionamento da entidade?
Não me cumpre avaliar o
posicionamento da entidade.
Acho que é legítimo ele defender que tenha competência, que tenha preparo para
o exame dessas matérias. A
Câmara Municipal, como já
disse, é composta de pessoas
do povo, eles são fiscais legítimos e nós respeitamos as
Câmaras, respeitamos as decisões dos vereadores e não
temos nenhum um problema,
aliás, temos um entendimento muito bom com a Avep,
participamos sempre de treinamentos, eventos com os
vereadores. Agora, não é uma
crítica, é uma constatação, o
exame das despesas públicas
não é simples, é uma atividade complexa. Eu sei bem o
que eu estou dizendo porque
sei o investimento que fazemos aqui, principalmente, na
capacitação de pessoal. Nós
investimos maciçamente no
treinamento e capacitação de
pessoal. Só neste exercício já
vamos com mais de R$ 400
mil aplicados exclusivamente em pessoal. Não é tarefa
fácil e, com todo respeito e
admiração pelos vereadores,
eu não considero que as Câmaras tenham o preparo técnico necessário para proceder
na análise das questões todas
que nós procedemos aqui.
A entrevista completa você confere no Jornal O Dia deste domingo (14).
Por: Ithyara Borges e Mayara Martins