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Após acordo com STF, delatores da Odebrecht cumprirão pena sem condenação

Segundo os papéis, os delatores da empreiteira devem cumprir as penas definidas no acordo imediatamente após a homologação, efetivada em 30 de janeiro pela presidente do STF, Cármen Lúcia.

04/03/2017 14:08

O maior acordo de colaboração premiada já feito no país, assinado por 77 acionistas e executivos da Odebrecht e pela Procuradoria-Geral da República, tem um trecho considerado polêmico por especialistas em direito e advogados que tiveram acesso ao documento, ainda sob sigilo.

Segundo os papéis, os delatores da empreiteira devem cumprir as penas definidas no acordo imediatamente após a homologação, efetivada em 30 de janeiro pela presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Cármen Lúcia.

Presidente do STF, Cármen Lúcia. (Foto: Reprodução)

No entanto, dos 77 delatores, apenas cinco já foram condenados pela Justiça. Isso quer dizer que os outros 72 delatores cumprirão pena sem que tenham sido sentenciados por um juiz. Dezenas serão submetidos a penas de prisão domiciliar sem terem sido formalmente investigados ou denunciados.

Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da Faculdade de Direito da USP, informou-se com advogados de delatores da Odebrecht sobre os termos do documento. Ele classificou o acordo como chocante.

"A lei 12.850, que regula a delação premiada, determina que haja três fases num acordo. A primeira é a negociação. Depois, a homologação por um juiz. E então a sentença, que será aplicada observando os benefícios negociados. O que se fez no caso da Odebrecht não foi isso. Existem pessoas que não foram sequer investigadas e vão cumprir pena sem inquérito, sem denúncia e sem sentença", diz Badaró.

Para o professor, a homologação deveria ter observado a voluntariedade, a legalidade e a regularidade do acordo assinado entre delatores e procuradores, como prevê a lei. "Um acordo assim não deveria ter sido homologado", diz Badaró.

Advogados de delatores da Odebrecht falaram com a reportagem sob a condição de anonimato. Eles apontam para a possibilidade de problemas futuros. Um dos defensores disse não ter ideia do que vai acontecer quando chegar a hora de cumprir pena e o caso for para os juízes de execução (magistrados responsáveis por garantir o cumprimento da penalidade).

Ele questiona como esses magistrados vão observar o cumprimento de uma pena sem sentença. Não descartam a hipótese de juízes se recusarem a aceitar esses termos.

Outro advogado declarou que o acordo foi assinado porque era de interesse da Odebrecht e dos executivos que a questão fosse finalizada logo. Ele pontua, porém, que estava claro que a lei foi desrespeitada. Durante a assinatura dos acordos nenhum dos advogados da Odebrecht questionou os procuradores sobre esses pontos. A assinatura foi voluntária, o que foi atestado pelos juízes do STF.

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro considera que esse acordo é uma sinalização de um problema grave do Judiciário. "O Ministério Público está substituindo todo o Judiciário", diz.

O advogado Alberto Toron vai na mesma linha: "A ideia básica é de que não pode haver pena sem processo. Uma pessoa não pode começar a cumprir pena apenas com base num acordo de delação".

Um ministro da 2ª Turma do STF, responsável pela Lava Jato, disse à reportagem que a lei que regula as delações não contempla esse aspecto do acordo da Odebrecht. Ele classifica o caso como "singular" e diz que certamente a questão será avaliada pela corte.

O advogado Tracy Reinaldet, que não defende delatores da Odebrecht, mas assinou acordos de colaboração para outros clientes da Lava Jato, não vê problemas no acordo. Considera que é natural que a prática forense avance em relação a lei que regula a delação, que é recente.

"Não se pode entender um acordo de delação como um processo normal. O acordo é um outro tipo de processo onde o colaborador reconhece a culpa", diz Reinaldet.

Determinar que um delator deva cumprir pena antes de ser sentenciado não é primeira inovação jurídica da Lava Jato. Algumas das penas aplicadas em acordos de delação também saíram da cabeça dos procuradores da República e não da letra da lei.

Os procuradores estabeleceram três tipos de regimes para quem delatasse: domiciliar fechado diferenciado (em casa); domiciliar semiaberto diferenciado (trabalha e noite vai pra casa) e domiciliar aberto diferenciado (recolhe nos finais de semana). Essas modalidades de pena não existem na Lei de Execução Penal.

Fonte: Folhapress
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