Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

A Lava Jato desacelerou? Dois advogados analisam a operação

Roberto Dias e Rubens Glezer dizem que impressão de que ritmo diminuiu é influenciada pelas notícias sobre o caso, e que é impossível saber como os procuradores e magistrados atuam para além das ações de maior visibilidade

08/09/2016 12:29

Em seus dois anos e meio de existência, a Operação Lava Jato alternou momentos frenéticos e calmarias. Toda vez que envolveu políticos do primeiro escalão e grandes empreiteiros, a operação pareceu acelerar, atraindo grande atenção da mídia e da opinião pública, mas, quando os investigadores e juízes se dedicaram a atividades menos visíveis, como a coleta de provas, essa atenção se esvaiu.

Entre a votação no Senado que determinou o afastamento temporário de Dilma Rousseff, no dia 12 de maio, e a destituição definitiva da ex-presidente, no dia 31 de agosto, por exemplo, a operação produziu fatos importantes envolvendo figuras centrais da República.

Foto: Lula Marques/ AGPT

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva virou réu em um processo no qual é acusado de atrapalhar a Lava Jato em 28 de julho. A decisão de aceitar a denúncia do Ministério Público foi do juiz Ricardo Leite, da Justiça Federal de Brasília. Dilma passou a ser formalmente investigadana Lava Jato sob suspeita de tentar atrapalhar a operação no dia 15 de agosto. A decisão foi tomada pelo ministro Teori Zavascki, relator do caso no Supremo Tribunal Federal. Lula foi indiciado sob suspeita de corrupção no caso do tríplex do Guarujá no dia 26 de agosto. A decisão foi tomada pela Polícia Federal, em investigações conduzidas no Paraná, sob o comando do juiz federal Sergio Moro.

Houve ainda vazamentos de uma série de gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado em que figuras centrais do PMDB discutiam um “pacto” para “estancar a sangria” da operação, e de conteúdos de delações premiadas, entre as quais a que envolveu citações de repasses de empreiteiras para o presidente Michel Temer e para seu ministro de Relações Exteriores, José Serra.

São fatos importantes ocorridos em quatro meses. Mas houve momentos em que a Lava Jato pareceu andar ainda mais depressa, como em março, quando Lula foi levado para depor no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, Sergio Moro tornou públicas gravações telefônicas de conversas entre o ex-presidente e Dilma, o ministro do Supremo Gilmar Mendes barrou a nomeação do petista como ministro e o Ministério Público e a Polícia Federal colocaram na rua três fases da Lava Jato (maior concentração em um único mês desde que a operação foi deflagrada no início de 2014).

Para explicar o que pode influenciar o ritmo da operação, que corre em paralelo na Justiça Federal do Paraná, com Sergio Moro, em outras varas de primeira instância e no Supremo Tribunal Federal, o Nexoouviu dois advogados:

- Rubens Glezer, do projeto Supremo em Pauta da Escola de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), em São Paulo,

- Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da PUC e da Fundação Getúlio Vargas

Eles analisaram a percepção sobre o ritmo atual da Lava Jato e a diferença no tempo de julgamento entre a primeira instância e o Supremo, responsável pelos casos dos políticos que possuem foro privilegiado, em Brasília.

A Lava Jato desacelerou após a votação do impeachment, primeiro na Câmara, em abril, depois no Senado, em maio e agosto?

RUBENS GLEZER É difícil fazer uma avaliação global da Lava Jato, pois há muitos atores e muitas entradas diferentes para os casos, muita gente sendo investigada. Além disso, há muito de percepção pública envolvida. Houve menos exposição de mídia, de modo geral. Houve uma mudança de tom, de intensidade, de repercussão, após o afastamento de Dilma [em 12 de maio]. A intensidade da repercussão diminuiu, mas eu não sei se isso reflete uma diminuição real de atividade.

ROBERTO DIAS A percepção que se tem pela divulgação das informações pela mídia faz parecer que há menos notícias sobre a Lava Jato. Mas não dá para saber se isso acontece porque as informações produzidas pela Lava Jato na fase atual são menos atraentes do ponto de vista jornalístico ou se efetivamente a operação está numa fase menos produtiva no sentido de produzir fatos que gerem notícia.

Na sua avaliação, por que isso ocorre?

RUBENS GLEZER Havia um ritmo de investigação, como no caso da divulgação de áudio [de conversas entre políticos, por ordem de Moro, sobretudo de diálogos entre Dilma e Lula, em março], que, de fato, se conectou com a desestabilização do governo que tinha chegado até ali. Antes, toda semana a Lava Jato prendia alguma figura relacionada com alguém do alto escalão do governo. Isso deixou de acontecer. Parece que há aí uma inflexão de rumo. Mas dá não para saber ao certo as razões. Não sei se está se preparando para uma nova fase mais profunda. No momento a percepção é de que a Lava Jato serviu em grande parte para fazer uma limpa na corrupção, mas focada no PT e no então governo. Isso levanta suspeitas de parcialidade, que podem estar corretas ou não. Mas o fato é que a suspeita popular de parcialidade aumenta.

ROBERTO DIAS Só é possível saber exatamente o que acontece se tivermos contato com o que realmente estiver sendo produzido na operação, tanto do ponto da investigação policial quanto da investigação feita pelo Ministério Público. É possível que esteja numa fase de coleta de provas e outros atos que não propriamente condenações e prisões. Não dá para fazer afirmação categórica nesse sentido. O que dá para afirmar é que há uma percepção de que o ritmo caiu, mas isso pode decorrer de vários fatores.

Por que o Supremo demora mais para julgar do que Sergio Moro? As investigações em Brasília são mais lentas? Ou é o processo mesmo?

RUBENS GLEZER As condenações em primeira instância [já são mais de 100] são muito mais rápidas do que no Supremo [nenhum político com mandato foi condenado até agora]. O número de decisões emitidas pelo juiz Sergio Moro é muito maior, não há nenhuma dúvida. O Supremo tem um acúmulo de funções: ele é um tribunal de recursos, é um tribunal para julgar quem tem foro privilegiado, é um tribunal que analisa assuntos constitucionais, cuida das questões federativas. São centenas de milhares de ações. Há ali uma sobrecarga dos atores. Há sessão plenária com mais de oito processos por dia, sendo todos os temas relevantes. É impossível que qualquer ministro chegue preparado para julgar os oito. Imagina um ministro como o Teori Zavascki [relator da Lava Jato no Supremo] ter de tocar a Lava Jato e ter de estar pronto para julgar pelo menos outras quatro questões constitucionais de relevância duas vezes por semana. É inviável. O foro privilegiado no Supremo não dá certo, pois ali não tem estrutura.

ROBERTO DIAS São estruturas distintas do Judiciário. O juiz de Curitiba [Sergio Moro] está praticamente só analisando isso, enquanto o Supremo é responsável por milhares de processos, numa estrutura que não é propriamente de instrução processual como é tão comum na primeira instância. Isso gera morosidade. Eles não têm só Lava Jato para analisar. Eles estão dedicados ao controle da constitucionalidade e outras questões que são tão ou mais urgentes que a Lava Jato. Há, portanto, ritmos diferentes porque são estruturas diferentes. O Supremo tem um acúmulo de competências que a primeira instância não tem.

Fonte: NEXO
Mais sobre: