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Transmídia: Conheça histórias de superação na luta pelo próprio corpo

Conheça a história de superação de pessoas que travam uma luta diária pela autonomia do corpo.

05/08/2017 08:24

Qual foi a última coisa que você pensou alcançar nos últimos dias? Planejou quando poderia comprar um carro? Pensou em como alcançar uma vaga de emprego? Ou em qual viagem quer fazer? Enquanto milhões se dedicam a traçar planos de vida que envolvem metas nas esferas social ou profissional, outras milhares de pessoas têm como maior objetivo de vida apenas conseguir movimentar os braços, andar ou ter, minimamente, a autonomia do próprio corpo. Nesta reportagem, ODIA conta a história de pessoas que travam uma luta diária pelo próprio corpo em uma busca constante para se tornar a melhor versão de si. 

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que 6,2% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. A visual é a mais representativa e atinge 3,6% dos brasileiros, mas o estudo mostra também que 1,3% da população tem algum tipo de deficiência física e quase a metade desse total (46,8%) tem grau intenso ou muito intenso de limitações. Somente 18,4% desse grupo frequentam serviço de reabilitação. 

Para pessoas que têm algum grau de limitação física, integrar tratamentos de reabilitação ou habilitação é um marco de vida. A psicóloga Ana Carolina Soares, que integra uma equipe de tratamento de reabilitação para pessoas com diferentes níveis de deficiência física, destaca as possibilidades múltiplas que envolvem esta realidade.

“A aquisição de alguma deficiência, quando ela é adquirida, ela é considerada um marco, uma transição na vida daquela pessoa, que pode ter diferentes desfechos. Pode ser um momento de transição, de crescimento ou pode levar a uma destruição de planos, de projetos, um rompimento”, destaca.

Por isso, a especialista destaca que fazer com que esse processo de transição ocorra da melhor maneira possível, com a elaboração positiva de tudo que aconteceu e das novas demandas que a pessoa vai precisar enfrentar, a partir de então, é fundamental.

“Você não reabilita uma parte do corpo, reabilita uma pessoa. Há todo um contexto: a idade do paciente, seu perfil de personalidade, o contexto familiar, o tipo de estímulo que aquele paciente recebe e vai receber. Então, a soma de todas as variáveis, vai determinar o caminho que cada um vai percorrer”, avalia.

A psicóloga ressalta também a importância da família que, quando acompanha um tratamento, é fator de prognóstico do paciente. “Muitas vezes, temos pacientes com perfis similares, um tem apoio da família, o outro não. E o que tem esse contexto familiar fortalecido consegue evoluir muito mais”, afirma.

Entre as deficiências que acarretam o comprometimento da função física do corpo humano estão nomes não tão comuns para grande parte da população, entre elas, os diagnósticos de paraplegia, paraparesia, monoplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro; paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, entre outros.

Para cada diagnóstico, uma forma diferente de enfrentar e lidar com os possíveis desafios e a busca por superá-los. Vicente, Marcos e Newton são exemplos de que uma deficiência física pode representar não limitações, mas um motivo de reinventar – para melhor – a própria vida.

Em busca de reabilitação, jovem se descobre atleta

Marcos Jeane atualmente é um nome de referência dentro do paratletismo piauiense. Mas nem sempre foi assim. Para se encontrar como atleta das piscinas, Marcos, hoje com 24 anos, teve de lidar com um grande trauma. Por decorrência de uma meningite, o jovem teve parte dos braços e pernas amputados. E, ao buscar reestabelecer a própria vida, ele fez uma reabilitação não só da sua condição física, mas de um novo horizonte de vida.

Morando no município de Corrente, no extremo Sul do Piauí, Marcos, aos 17 anos, trabalhava como lavrador nas colheitas de milho. Para a atividade, força e destreza eram essenciais. Características que ele usaria, tempos depois, para continuar tocando a vida – só que de outra forma.

“Quando entrei na piscina, tinha medo de me afogar. Pensava que não ia conseguir”, relembra Marcos Jeane. (Foto: Jailson Soares/Jornal O Dia)

“Um dia cheguei da fazenda e senti muitas dores. No outro dia, já não conseguia mais levantar. Quando me levaram para o hospital, apareceram manchas e, logo depois, veio o diagnóstico de meningite”, relata. Com amputação de parte dos membros superiores e inferiores, o novo corpo assustava o jovem. Encaminhado para tratamento em Teresina, a busca pela reabilitação tornou-se o seu grande foco de vida dentro do Centro Integrado de Reabilitação (Ceir). 

“Quando entrei na piscina, tinha medo de me afogar. Pensava que não ia conseguir”, relembra. O medo foi presente outras vezes na vida do jovem. Um dos maiores, ele relembra, foi quando se viu na condição de deficiente físico e temia pela não aceitação dos amigos ao seu novo corpo. “Tive também muito medo de não ter amigos naquele tempo, eu lembro que fiquei muito feliz quando vi todos os meus amigos indo me visitar”, descreve. 

Sempre buscar se amparar nas pequenas felicidades parecia natural na história do jovem. A reabilitação trouxe novas perspectivas para ele, que começara não só a ver os resultados nas sessões de terapias, mas a ampliar sua perspectiva de vida. “O treinador disse que eu podia e eu acreditei”, afirma. Tanto acreditou e lutou que, pela primeira vez, um paratleta do Ceir irá representar o Piauí na etapa Nacional do Circuito Loterias Caixa, que acontece neste fim de semana em São Paulo. O Circuito Loterias Caixa é o mais importante evento paralímpico de atletismo, natação e halterofilismo do país.

O educador físico e treinador de Marcos, Childerico Robson, afirma que, desde o primeiro contato com o jovem, para ele ficou destacado o potencial atleta que iniciara as sessões de hidroterapia no setor. “Já no primeiro contato, alguma coisa me chamou atenção que ali tinha um atleta. Ao ver ele nadar, vi que ele desenvolveu muito rápido. Eu costumo sempre dizer: não vejo nenhuma deficiência, nenhum grau de limitação no Marcos, e o bom é o compromisso dele com os treinamentos, com o seu potencial”, afirma.

Educador físico e treinador de Marcos, Childerico Robson. (Foto: Jailson Soares/Jornal O Dia)

Agora, a carreira como atleta segue impulsionada nas piscinas. Marcos poderá ficar entre os oito melhores paratletas do país após essa competição. “Queremos buscar vaga na seleção brasileira”, confirma o treinador. A história do jovem que saiu de Corrente em virtude de uma doença, sendo assim, não é sobre perdas, mas ganhos de novos horizontes. “Vamos continuar treinando”, confirma o paratleta. A certeza é essa: Marcos continua a nadar.

 “Sou uma pessoa eficiente, não deficiente”

Faz 31 anos que o estilo de vida de Newton Saraiva mudou radicalmente. O marco dessa história se deu por conta de um acidente de trânsito, quando ele teve de amputar a perna esquerda após se chocar com um ônibus. As metas de vida se ressignificaram a partir daquele dia e, hoje, ele encara a vida com autonomia e positividade.

“Lembro daquele dia como se fosse um recomeço de vida. Eu comecei a engatinhar para depois começar a andar. Passei seis meses com muita dificuldade, não via mais sentido nas coisas, porque, naquela época, eu estava buscando independência profissional, estudando, e tudo mudou”, relata.

O início foi difícil, mas Newton não se entregou às dificuldades que passaram a ser mais presentes na vida. “Depois de seis meses, eu vi que estava encarando tudo de uma forma errada. Foi quando resolvi retomar minha vida, meus planos, e busquei uma nova forma de ver a vida”, afirma. Após o período de adaptação à nova condição, ele passou a ver a vida com mais positividade. A reabilitação física, é claro, foi parte integrante do processo.


Newton lembra do seu acidente como um recomeço de vida. (Foto: Jailson Soares/Jornal O Dia)


Atualmente, Newton integra o time de futebol de amputados do Centro Integrado de Reabilitação e, através do esporte, ele emagreceu 15 quilos e retomou, em proporções cada vez maiores, o gosto pela vida. “Minha vida mudou 360 graus, quando comecei a jogar, vi que poderia ser como qualquer pessoa”, confessa.

Não só o corpo mudou, como a mente também, e o jovem senhor passou a se entender no mundo de forma mais consciente. “O mundo não tinha acabado para mim. Hoje, eu me considero uma pessoa eficiente, não deficiente. E busco passar isso para todo mundo que vive no meu entorno”, finaliza.

Vendedor busca autonomia de funções motoras após Acidente Vascular Cerebral

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma das doenças que mais mata os brasileiros, sendo a principal causa de incapacidade no mundo, segundo dados da Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares. Ainda de acordo com a entidade, aproximadamente 70% das pessoas não retornam ao trabalho após um AVC devido às sequelas e 50% ficam dependentes de outras pessoas no dia a dia.

O vendedor Vicente Junior, há dois anos, entrou para o rol das graves estatísticas da doença. Ele perdeu as funções motoras do lado direito do corpo e, por um tempo, também a própria consciência e a capacidade de fala. Apesar de atingir com mais frequência indivíduos acima de 60 anos, o AVC pode ocorrer em qualquer idade, inclusive em crianças. 


Vicente Junior comemora cada conquista após sofrer três AVCs. (Foto: Jailson Soares/Jornal O Dia)


O AVC vem crescendo cada vez mais entre os jovens, ocorrendo em 10% de pacientes com menos de 55 anos. E a Organização Mundial de AVC (World Stroke Organization) prevê que uma a cada seis pessoas no mundo terá um AVC ao longo de sua vida. “Tive três AVCs em um período de tempo de alguns meses. Não perdi só a capacidade locomotora, mas também a fala e a consciência. Quando voltei a mim, que me contaram tudo que aconteceu”, recorda Vicente.

Com a reabilitação física no Ceir, ele já retoma funções que pensara estarem perdidas para sempre. Vicente já anda com ajuda de órtese e a passos lentos, e segue enumerando conquistas. Para a esposa, dona Socorro, o marido melhorou 100%. “Ele não reconhecia ninguém, ficou de cadeira de rodas e hoje já temos avanços muito grandes. Ele melhorou muito”, relata.

A melhoria vem da busca diária por retomar as funções do corpo. A fisioterapia, arteterapia e demais tratamentos ajudam Vicente a retomar, dia a dia, as funções perdidas após a doença. “Quando estava no Hospital, pensava que logo voltaria a trabalhar, a fazer minhas atividades, mas não é bem assim. O progresso é pouco, mas sei que já melhorei muito. A gente passa a enxergar a vida de outra forma”, finaliza.

Por: Glenda Uchôa - Jornal O Dia
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