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Transexual supera preconceito e se torna referência em Educação no Piauí

Danny Barradas tem 29 anos e hoje atua como professora de Argumentação em renomadas escolas particulares do Estado.

14/11/2016 06:35

“A leitura abre sua mente e você aprende a não se vincular mais ao juízo que as pessoas fazem da sua individualidade”. A declaração é de Danny Barradas, de 29 anos, transexual que ministra oficinas e revisões em escolas como o CEV e é professora efetiva de Argumentação de uma das mais renomadas escolas particulares do Piauí e do Brasil, o Instituto Dom Barreto.

A aparência frágil e o olhar tímido escondem uma história de vida transformada pelo amor à leitura, que foi capaz de vencer os olhares de preconceito recorrentes desde a infância. “À medida que fui crescendo, tive que me reprimir para não sofrer mais retaliações por conta da minha diferença em relação aos outros meninos”, lembra.

Depois de tentar o vestibular para Medicina, por diversos anos seguidos, Danny Barradas acabou ingressando na faculdade de Direito, incentivada por familiares que perceberam nela um forte potencial, despertado ainda durante a preparação para os vestibulares de Medicina.

Danny Barradas constituiu sua base de conhecimento na leitura (Foto: Assis Fernandes/O Dia)

"Nunca gostei de Literatura e Filosofa. O interesse surgiu quando eu decidi fazer Medicina na USP. Percebi que as pessoas que participavam das provas escreviam muito bem, citando autores que eu nunca tinha visto. A partir daí, comecei a me interessar pela leitura, em 2011”, relata.

Desde essa época, a leitura passou a fazer parte da rotina diária de Danny Barradas, que passou a investir a maior parte do dinheiro que conseguia na compra dos mais diversos tipos de leitura, desde os filósofos clássicos a autores mais recentes, mas que também ajudaram a constituir uma base de conhecimento sólida.

Divisor de águas

Os anos passaram e, em 2013, Danny Barradas passou por um dos momentos mais difíceis de sua vida, quando resolveu assumir a transexualidade. No momento de incertezas e medos, o incentivo veio do então professor da faculdade, o advogado Lucas Vila, atual vice- -presidente da OAB-PI. “Ele me disse uma frase que eu nunca vou esquecer. Ele me disse que se eu continuasse estudando com o mesmo afinco, ia chegar um nível que minha competência ia superar a questão de eu estar vestido de terno ou de saia”, lembra.

A frase dita como professor se tornou uma espécie de mantra na vida de Danny Barradas, que passou a buscar cada vez mais conhecimento através dos livros e de pensamentos filosóficos. No ano passado, surgiu a oportunidade de lecionar pela primeira vez, substituindo uma amiga professora de Filosofia, que precisou viajar. O sucesso das aulas foi tão grande, que Danny, apesar da pouca experiência, passou a ser requisitada por alunos e instituições para ministrar palestras sobre argumentação.

Recepção dos alunos é surpresa para Danny

A recepção dos alunos a uma professora transexual à frente da classe foi totalmente diferente do que Danny Barradas imaginava. “Uma coisa que estranhei é que sempre os alunos me receberam muito bem. Tanto os alunos de esquerda, como os alunos tidos como conservadores. Eles chegam, me chamam de senhora, me beijam, me abraçam. Ou seja, coisas que eu nunca imaginei acontecer comigo e está acontecendo”, pontua.

Depois de ministrar palestras e oficinas sobre Argumentação em escolas e cursos preparatórios, em 2015, Danny Barradas foi efetivada como professora do Instituto Dom Barreto. Após alcançar o destaque profissional, a frase dita por Lucas Vila, ainda em 2013, faz cada vez mais sentido para ela. “Não importa mais a forma como me visto, o que importa são os pensadores que saem da minha boca. É isso que interessa para os alunos”, ressalta.

Como professora, a principal bandeira levantada por Danny Barradas é a de proporcionar aos seus alunos instrumentos para refletir e argumentar sobre temas relevantes na sociedade e que podem ser abordados nas provas de vestibulares e concursos públicos. As aulas ministradas por ela contam com aporte teórico de grandes pensadores, o que auxilia no momento de organizar e embasar as ideias em uma redação.

Ensinamentos

“Quando uma vez o fanatismo gangrenou um cérebro, a doença é quase incurável”. É citando o pensamento do filósofo Francês Voltaire, que Danny Barradas busca incentivar em seus alunos a busca pelos mais diversos tipos de conhecimento. “Sempre digo para eles não se vincularem apenas a uma ideia, esquecendo outros tipos de conhecimento que servem para raciocinar sobre algo”, pontua.

A busca por conhecer diversos pensamentos, ainda que divergentes, é fundamental para evitar o que Danny Barradas chama de fanatismo. “Pessoas que se vinculam apenas a um livro, provavelmente, se tornam fanáticas, porque não vão acreditar em outras ideias. Em um debate, no mínimo, você tem que conhecer o argumento do seu inimigo. É isso que Voltaire dizia e é isso que os alunos precisam ter consciência”, ressalta.

A superação do preconceito

Questionada sobre como encara a discriminação enfrentada diariamente, Danny Barradas avalia que, diferente da maioria dos transexuais, as condições que teve, ao longo da vida, facilitaram o processo de aceitação por parte da sociedade.

“Claro que eu sei que eu deva ser bem aceita nas escolas, porque eu só tenho um estigma. Se além de transexual eu fosse gorda e negra, provavelmente, eu não seria aceita da mesma forma nas escolas”, avalia.

Para ressaltar o seu pensamento, a professora ainda cita o sociólogo canadense Erving Goffman, que, em sua obra Estigma, diz que para alguém tirar o estigma de si é necessário remanejar sua impressão.

“As formas mais adequadas são através do dinheiro ou estudo. É o que eu sempre falo para os meus alunos; para quem não tem dinheiro, a saí- da é estudar”, comenta.

Por: Natanael Sousa - Jornal O Dia
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