Uma prece entoada pela
lembrança de alguém que
faleceu. Uma vela acendida
como símbolo da ‘passagem’
de uma alma. A visita corriqueira
ao túmulo de entes
queridos. Flores que visam
homenagear a história de
quem não está mais presente.
Esses são apenas
alguns, dos vários rituais
realizados pós-morte. Para
quem convive com a perda
de alguém, os atos são uma
forma de reavivarem a lembrança
das pessoas que
fizeram parte de suas vidas.
A funcionária pública
Lúcia Castelo Branco
entende o que é conviver
com a saudade. Após a
morte dos pais, ela explica
que a visita ao cemitério
se tornou um hábito que
faz parte do cotidiano. “É
a única forma que a gente
tem de amenizar a saudade,
que é imensa. Meu pai está
com três anos de falecido e
minha mãe com cinco anos.
Todo mês, a gente está
aqui trazendo flores para
amenizar essa saudade”,
explica.
O depoimento de Lúcia
representa o que move
grande parte da população
a revisitar os cemitérios. É
uma forma de se sentir mais
perto; assim, diminuindo a
saudade que fica de quem
já não está mais presente.O ritual realizado pela funcionária
é repetido pelo
marido, filhos e familiares.
“Estamos aqui para continuar
homenageando a trajetória
deles. Estar aqui é
uma forma de compensação.
A gente nunca esquece, mas
aqui a lembrança fica ainda
mais viva. Só porque eles
faleceram, nós não vamos
abandonar”, conta com a
voz emocionada.
Mesmo após mais de
20 anos da morte do pai,
Teresa Cristina também
segue a tradição. Com flores
nas mãos e a certeza de que
é muito difícil conviver com
a ausência de quem se ama,
ela visita o túmulo rotineiramente.
“É um ritual que a gente
aprende desde cedo e
mantém. A gente sabe que
ele não está aqui, mas eu
sempre trago flores, procuro
manter o local limpo e
preservado. Já se foram 22
anos desde a morte do meu
pai, mas é como se fosse
ontem para mim”, confessa.
Ritual
O historiador francês Philippe
Ariès dedicou parte de
sua vida a entender a atitude
do homem diante da
morte. Em seu livro intitulado
‘História da morte no
Ocidente’, o pesquisador
se dedica a mostrar as
mudanças acontecidas
na forma de encarar a
morte ao longo dos anos.
Segundo o historiador,
enquanto na Idade
Média as pessoas sentiam
uma familiaridade
com a morte, que era um
acontecimento público
e sem caráter dramático
ou gestos de emoção
excessivos; a partir
do século 18, a morte
passou a ser encarada
como uma transgressão
que roubava o homem de
seu cotidiano e da sua
família.
O livro mostra que, a
partir da segunda metade
do século 19, a morte se
transformou em tabu: os
parentes da pessoa que
se aproximava da morte
passaram a tentar poupá-
-lo, esconder a gravidade
do seu estado. Já a partir
dos anos 1930, a medicina
mudou a representação
social do ato, sendo comumente
associado a hospitais
e não mais a ação de permanecer
em casa.
Dia de Finados tem
tradições milenares
Considerado um dos
mais importantes rituais
religiosos, o Dia de Finados,
celebrado amanhã (2),
relembra a memória dos
mortos e congrega tradições
de orações e meditação
na maior parte dos
países ocidentais.
De acordo com a doutrina
da Igreja Católica,
a alma da maioria dos
mortos está no Purgatório,
passando por um processo
de purificação. Por essa
razão, a alma necessita de
orações dos vivos para que
intercedam a Deus pelo
sofrimento que as aflige.
Por esse contexto, o Dia
de Finados era conhecido
na Idade Média como “Dia
de Todas as Almas”, dia
esse que sucedia o “Dia de
Todos os Santos” (comemorado
em 1º de novembro).
A história de rituais
pós-morte é milenar.
Segundo pesquisadores
da área, o principal responsável
pela instituição
de uma data específica
dedicada à alma
dos mortos foi o monge
beneditino Odilon de
Cluny. O religioso foi e
responsável por importantes
reformas no clero
no período da Baixa
Idade Média. No dia 2 de
novembro de 998, Odilon
instituiu aos membros
de sua abadia e a todos
aqueles que seguiam
a Ordem Beneditina a
obrigatoriedade de se
rezar pelos mortos.
Apenas a partir do século
XII, essa data popularizou-
-se em todo o mundo cristão
medieval como o Dia de
Finados, e não apenas no
meio clerical. Desde então,
o ritual de ir ao cemitério
com flores para homenagear
a memória dos que já
se foram, acender velas ou
entoar orações se tornou
comum neste dia.
Foto: Elias Fontenele/ODIA
Por: Glenda Uchôa - Jornal O DIA