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Qualidade da energia elétrica e de internet prejudica ensino à distância

Enquanto o Governo Federal adota políticas de ampliação da oferta dos cursos EaD, os municípios, inclusive do Piauí, não têm infraestrutura mínima

09/12/2017 08:39

Em junho deste ano, o Ministério da Educação (MEC) publicou a portaria que regulamenta o Decreto 9057/2017, que tem como intuito ampliar a oferta de cursos superiores na modalidade à distância. O objetivo, de acordo com o MEC, é ajudar o Brasil a atingir a Meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE), que determina a elevação da taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida em 33% da população de 18 a 24 anos. 

O Ensino à Distância (EaD) é uma alternativa de formação na qual as pessoas, que não têm tempo de frequentar uma instituição de ensino superior presencial, encontraram para adquirir seu diploma. Isto porque, nesta modalidade, os horários e turnos de estudo são flexíveis, permitindo que o aluno consiga conciliar sua rotina de trabalho, acompanhando as aulas via internet. 

Com a proposta de ampliação dos polos, mais alunos teriam acesso à educação, sobretudo quem reside em municípios e comunidades mais Educação Qualidade da energia elétrica e de internet prejudica ensino à distância isoladas no interior do Piauí. Porém, segundo o professor de Filosofia da Universidade Federal do Piauí (Ufpi), José Elielton de Sousa, a principal dificuldade para o sucesso dessa modalidade é a falta de condições estruturais dos polos, como espaço físico adequado que favoreça a aprendizagem, ou ainda questões antigas relacionadas aos problemas de infraestrutura do Estado, como energia elétrica e sinal de internet. 

“Para se ter uma ideia, tem cidade que se todos os computadores do laboratório de informática forem ligados, cai a energia do município todo. Essas questões transformam a modalidade excessivamente dependente do apoio dos tutores e inviabiliza boa parte dos processos que seriam exclusivamente online, como a modalidade requer”, pontua. 

No Piauí, o EaD funciona em 95 polos, sendo 35 da UAB e 60 da Uespi e Ufpi. (Foto: Assis Fernandes/O Dia)

A administradora Aline Medeiros, que reside em Esperantina e já foi estudante de EaD, pontua que este é o grande empecilho para que os alunos tenham um bom desempenho acadêmico. “O lado negativo, que infelizmente a gente não pode negar, é a estrutura dos polos, principalmente do interior, diferente de Teresina, Picos, Floriano e Parnaíba, que têm condições melhores. A internet é o principal fator, já que utilizamos ela para acessar o website e, nos polos, não é muito boa, e a estrutura física também é precária. As aulas presenciais, muitas vezes, são em escolas do Estado ou Município e nem todas as salas possuem condicionadores de ar”, enfatiza. 

Assim como Aline Medeiros, Ritalma Ribeiro, que mora em Anísio de Abreu e também fez curso à distância, destaca a internet como a principal barreira no aprendizado, já que dificulta o acompanhamento do conteúdo e das aulas online. “Não é como fazer um curso presencial, precisa de muita dedicação do aluno, em correr atrás do conteúdo, já que não tem aulas todos os dias e você precisa fazer isso sozinho, da sua casa. Quando tem dúvidas, tem que entrar em contato com os tutores à distância através do website. O professor ajuda, mas o aluno precisa se esforçar. No caso, o sinal de internet ruim é o que mais atrapalha”, ressalta. 

Dados do Piauí Hoje, no Piauí, o EaD funciona em 95 polos, sendo 35 da Universidade Aberta do Brasil (UAB), 60 da Universidade Estadual do Piauí (Uespi), através da Universidade Aberta do Piauí (Uapi), além de 41 polos da Universidade Federal do Piauí (Ufpi), que funcionam através do Centro de Educação à Distância (Cead), sendo 39 no Piauí e 2 na Bahia, além dos concomitantes com os da Uapi.

Qualidade da energia elétrica e de internet prejudica ensino à distância. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Nem todos os alunos estão preparados" José Elielton, que durante seis anos trabalhou principalmente com a modalidade EaD da Ufpi e já teve a oportunidade de visitar boa parte dos polos do Piauí, cita que, do ponto de vista governamental, o Ensino à Distância amplia o acesso à universidade e barateia os custos. Todavia, para ele, o mais preocupante com relação à expansão é, justamente, a qualidade do ensino que será ofertado, seja na rede pública ou privada.

“Primeiramente, a modalidade EaD pressupõe a autonomia intelectual do aluno. Isso é um problema quando olhamos a formação de nossos alunos de Ensino Médio, muitos dos quais, inclusive, com problemas básicos de leitura e compreensão de textos ou de operações matemáticas simples”, comenta. 

Sugestões 

Além disso, o professor destaca que, para o Estado, o mais recomendado seria investir na ampliação das vagas nas universidades públicas, assim como a criação de políticas de permanência dos alunos na instituição, como Residência Universitária com boa estrutura, Restaurante Universitário de qualidade, bem como ampliação das bolsas de estudos e pesquisa para os alunos de graduação. “Isso nos ajudaria a consolidar os cursos existentes e melhoraria a qualidade do ensino ofertado”, salienta.

O docente acrescenta que, no Brasil, a região onde existe o programa de EaD e que mais obteve resultados satisfatórios, em nível de graduação, foi no Norte do País, devido ao fato de não existir acesso tão facilitado à universidade. “O EaD vem mostrando bons resultado quando se trata de especializações, pois os alunos já têm, teoricamente, conquistado sua autonomia pelo processo de formação durante uma graduação presencial”, pontua. 

Contudo, o professor avalia que o problema é que o foco na EaD parece atender somente uma demanda do Governo por número em detrimento da qualidade do que está sendo ofertado. “A qualidade da EaD está diretamente ligada à boa gestão dos cursos e dos polos, à qualidade da infraestrutura e aos recursos humanos envolvidos, tanto os professores quanto os tutores. Mas isso requer que velhos vícios políticos sejam deixados de lado e uma educação de qualidade seja um projeto coletivo”, conclui.

Expansão deve ser planejada, diz especialista 

Para José Almendra, do Instituto Qualidade no Ensino (IQE), é bastante desafiador a instituição de ensino superior se propor a oferecer novos polos de cursos Ensino à Distância sem um planejamento adequado, no que diz respeito ao PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional). Ele explica que os cursos de EaD no Brasil têm uma taxa histórica de evasão da ordem de 50%, contra 25% dos cursos presenciais; portanto, esse ingrediente torna ainda mais sensível conjugar quantidade com qualidade. 

O especialista pontua isso ao enfatizar que não será mais necessária a aprovação prévia do MEC para a abertura de novos polos EaD, o que pode levar à uma proliferação desses cursos sem a devida qualidade. Pelo modus operandi proposto no Decreto, José Almendra acredita haver uma estreita relação entre a nova regulamentação e a meta 12 do PNE (Plano Nacional de Educação). 

“Essa meta determina uma elevação da taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% dessa faixa da população, paralelamente à elevação da taxa líquida para 33%. São metas ambiciosas e que merecem a devida análise pedagógica e operacional; caso contrário, daqui a alguns anos, nos depararemos com as seguintes perguntas: os alunos egressos dos cursos de EaD estão realmente sendo preparados para o mercado de trabalho? Até que ponto significará um diploma EaD como vantagem competitiva na busca por uma colocação profissional? Essas respostas têm de estar muito claras quando do início de um processo como esse”, pondera.

Investimentos x corte de gastos

O especialista do IQE argumenta ainda com relação aos investimentos destinados à essa expansão dos novos polos e o corte de gastos anunciado pelo Governo Federal durante o período de crise que atinge o Brasil. Na opinião de Almendra, não haverá grandes impactos no setor privado, vez que são estruturas que não exigem grandes investimentos iniciais. Ele enfatiza, contudo, que a quantidade de alunos será muito superior para o total de professores-tutores disponíveis, o que pode sufocar o sistema. Já com relação às instituições públicas, José Almendra acredita que essas poderão sofrer um impacto inicial na implantação dos cursos EaD, notadamente pelas restri- ções fiscais que assolam o País.

Por: Isabela Lopes
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