Em breve, o eleitor que for flagrado vendendo votos, poderá
ser punido. Pelo menos é essa a proposta defendida pelo ex-juiz
de direito, Marlon Reis, que foi o autor da proposta da Lei da
Ficha-limpa. Marlon anunciou em abril que estava deixando o
Judiciário para atuar como advogado eleitoralista. Em visita a
Teresina no último sábado, onde participou do lançamento da
campanha de combate ao Caixa 2 pela Ordem dos Advogados
do Brasil, Marlon recebeu a equipe do ODIA, para avaliar os
resultados práticos da Lei da Ficha-limpa, que entrou em vigor ainda nas eleições de 2010, por meio da lei complementar
135. Segundo ele, o levantamento aponta que mais de 350 mil
pessoas foram atingidas com a lei, sendo que, concretamente,
aproximadamente 1200 pessoas que manifestaram interesse em
disputar um cargo eletivo, foram afastadas por conta da lei. Ele
destacou que, o próximo passo é punir administrativamente o
eleitor que for flagrado vendendo voto. A proposta inicial é que
fique impedido, por um período de tempo, de assumir cargos
públicos, por exemplo. “A gente acredita que isso pode, sim, inibir o comportamento de certos eleitores”, avalia. Na entrevista
ele comenta ainda a Operação Lava-jato e afirma que não vê
equívocos na condução dos trabalhos. Confira a entrevista:
Foto: Moura Alves/ODIA
O senhor é o idealizador da
Lei da Ficha-limpa. O senhor já fez algum levantamento de algum resultado
prático que ela tenha obtido,
após ter entrado em vigor?
A lei da ficha limpa, segundo dados levantados pela
Procuradoria Geral da República, ela atingiu um público
potencial de 350 mil pessoas.
Eu falo potencial porque nem
todos seriam candidatos, mas
poderiam ter problemas se se
candidatassem. No plano concreto, de todos os candidatos
que tentaram se candidatar no
Brasil, que pediram os registros de candidaturas em 2012
e 2014, um total de 1200 pessoas tiveram registros indeferidos por causa da ficha limpa. O que é considerado um
número gigantesco, quando
se leva em consideração que,
antes, ninguém era barrado
pela Lei das Inelegibilidades.
Então, houve um impacto real
no universo eleitoral.
Qual a diferença das listas
que o Tribunal de Contas
da União (TCU) e Tribunal
de Contas do Estado (TCE)
para a lista da Lei da Ficha
Limpa? Levando em consideração que os Tribunais
sempre elaboraram essas
listas...
Essas listas dos Tribunais
não são listas de inelegíveis,
mas sim de pessoas que tiveram as contas julgadas irregulares e elas são importantes
para a lei da ficha limpa porque
elas ajudam a Justiça Eleitoral
a verificar que candidatos estão dentro desta lista. Então,
elas servem como apoio para a
Justiça Eleitoral. Mas é a Justiça Eleitoral que vai verificar se
a pessoa está inelegível ou não.
A Lei da Ficha limpa fala basicamente que uma pessoa
que teve as contas reprovadas, em algum órgão colegiado está fora. Ela tem mais
algum detalhe em específico?
Há uma novidade nesta eleição, que foi criada com a Lei
da Ficha Limpa que não foi
observada na última eleição
municipal. Os prefeitos que
atuaram como ordenadores
de despesas, aqueles que realizaram, eles próprios, algum
ato de movimentação de recursos públicos, promovendo
empenhos ou subescrevendo
cheques, se essas contas forem
julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas, eles já estão
inelegíveis independente do
que as Câmaras Municipais
disserem. É uma mudança
impressionante. Nas eleições
passadas foi exigido que a Câmara confirmasse aquela posição do Tribunal de Contas.
Dessa vez, não. O número de
inelegíveis vai aumentar, exponencialmente, nessa eleição.
Isso vale, não somente para
os prefeitos, mas também
para secretários, então? Vai
bastar apenas rejeitar as
contas?
Exato. A diferença é essa:
quando um prefeito atua movimentando dinheiro, ele é
tratado igual a um secretário.
Ele passou a ter a conta rejeitada ele passa a ser tratado,
pela lei da ficha limpa, igual a
um secretário. Então, não tem
mais aquele privilégio para ele
de dar uma solução política.
A solução é técnica e vem do
Tribunal de Contas.
Durante a reunião [ lançamento da campanha de combate ao Caixa 2, feita pela
Ordem dos Advogados do
Brasil, que aconteceu no último sábado], o senhor falou
da ideia de elaboração de
um novo projeto. Que projeto seria esse?
Surgiu aqui uma proposta
muito interessante. O eleitor,
na maioria das vezes sabe, tem
plena consciência da ilicitude
da sua conduta quando ele
vai pedir coisas aos candidatos. Às vezes, eles cercam os
candidatos com pedidos. Eu
mesmo já vi essas cenas e sei
que esse é um dado da realidade social. Entretanto, nós
nunca aceitamos a ideia de
que o eleitor possa ser punido
criminalmente igual ao candidato porque muitas vezes o
candidato é quem tem o poder
econômico e o eleitor, muitas
vezes, não tem nem a educação e cultura para agir de forma adequada. A ideia que surgiu é de haver uma restrição,
não no campo criminal, mas
no campo administrativo e político para o eleitor que fizer
isso. Como, por exemplo, ele
passar um tempo sem votar,
passar um tempo sem poder
manter relações formais com o
Estado, não poder assumir um
cargo de confiança. Isso por
um tempo, nem que seja breve
para que ele possa refletir um
pouco sobre sua conduta, não
criminalmente, mas administrativamente.
Hoje, o que a lei diz sobre o
eleitor que vende voto?
Hoje essa conduta é considerada criminosa pelo artigo
229 do Código Eleitoral, mas
é muito raro uma condenação porque não há denúncias
no campo criminal. E há uma
tendência de se evitar tratar o
eleitor igual ao candidato, até
porque eles não estão na mesma posição. E a lei trata os dois
como iguais. Isso acaba inibindo o uso desse dispositivo. A
ideia que surgiu agora foi de,
justamente, uma solução, que
não é penal, mas sim administrativa que pode ser mais facilmente usada pela Justiça eleitoral para inabilitar, perante
o cadastro eleitoral, o eleitor
que vendeu o voto.
Os próprios candidatos utilizam esses argumentos de
que os eleitores cercam eles,
que eles não podem chegar
no lugar que os eleitores pedem, insistem em receber
vantagens. Acredita que,
com esse projeto, se aplicando, efetivamente, penalidade aos eleitores, se possa
inibir esse tipo de conduta?
Dentro dessa ideia que surgiu agora, até para o eleitor
entender que a eficácia teria
esse projeto...o eleitor que
vendesse o voto, ficaria sem
a quitação com a Justiça Eleitoral. Isso poderia impedi-lo,
por exemplo, de receber o
Bolsa-família. Então, será se o
eleitor vai optar por ficar sem
receber o Bolsa-família ou se
ele vai se arriscar a pedir, por
exemplo, um saco de cimento, uma dentadura ou R$ 10 a
um candidato. Então, a gente
acredita que isso pode, sim,
inibir o comportamento de
certos eleitores.
A lei estabelece e considera
como criminoso também o
eleitor que tenta vender o
voto, mesmo não se concretizando?
Hoje a lei criminaliza as
condutas que se concretizam
no ato de pedir, mesmo que
não haja a efetiva entrega.
Como o senhor avalia hoje a
situação política do Brasil? A Operação Lava jato é considerada a maior operação
de combate à corrupção do
Brasil e alguns candidatos
acreditam que isso irá repercutir nas eleições desse
ano. O senhor acredita que
isso vá acontecer, ou uma
ilusão no comportamento
do eleitor que também acaba contribuindo com a corrupção?
A Operação Lava-Jato vai ter
dois impactos nessas eleições.
Um é claro e já está sendo percebido: as fontes de dinheiro
praticamente secaram. Muitas pessoas que eram grandes
doadores de campanha não
querem mais doar. Primeiro
porque muitos deles já foram
punidos e estão até presos no
momento, e depois porque
a legislação proibiu doações
por parte de pessoa jurídica.
Então, quando a lei passou a
proibir a doação empresarial,
esse risco aumentou mais ainda. Com isso, haverá um refluxo, uma redução do dinheiro
disponível para a campanha.
Por outro lado, se espera que
o eleitor se comporte, com a
mesma veemência que ele critica a corrupção. A sociedade
brasileira se mostra indignada
com a corrupção, mas esperamos que o eleitor também
corrija e não atue de forma
corrupta que é o que ele faz
quando ele procura vender o
voto. A reforma dos costumes
políticos começa na reforma
dos nossos próprios comportamentos. Eu acompanharei
atentamente para que a gente
possa sentir os efeitos prá-
ticos dessa compreensão já
nessas eleições.
Quando se fala em compra
de votos, se pensa, primeiramente, na troca do dinheiro por votos. Mas existem
outras formas, como troca
de favores, a promessa de
emprego. De que forma isso
pode ficar mais explicito
para que o eleitor entenda
que, pedir emprego em troca de votos também é venda
de votos?
A lei considera compra
de votos, o candidato doar,
oferecer, prometer, entregar
bens ou vantagens, de qualquer natureza, com o fim
de obter o voto, inclusive
emprego ou função pública.
Então, tudo isso que se oferece, churrasco, festas, ônibus para levar alunos para
passeios, e isso são coisas
que vi durante a minha vida.
As pessoas têm a ideia de que
um vereador, um prefeito
tem a obrigação de até arrumar um caixão, enterro para
pessoa da família, remédio,
vaga numa consulta, apoio
para obter um documento
no cartório. E isso não é papel dos políticos. Tudo isso
é compra de votos. Inclusive,
nem precisa entregar, basta
prometer. Esse é um tipo de
prática ilegal, leva a cassação
do político que fez isso e o
eleitor pode ser também denunciado.
Vários especialistas têm
criticado a atuação do Judiciário, inclusive avaliando
que eles têm extrapolado.
O senhor avalia que o Judiciário e o Ministério Público estão cometendo falhas,
que eles têm feito acusações
e isso tem sido divulgado
antes da condenação em si,
o que tem feito a população
ter uma visão diferente do
suposto acusado. O senhor
acha que tem excessos a
Operação Lava-Jato?
Não. Não acho que tem
excesso algum. Nós estamos
vivenciando um momento
mais moderno da democracia em que o Ministério Pú-
blico atua de forma cada vez
mais eficiente e a imprensa
tem levado seu papel de levar a
conhecimento da sociedade as
investigações realizadas. Isso,
obviamente, terá consequências negativas, mas isso não
pode ser combatido sem que
haja, ou um amordaçamento
do Ministério Público, ou, tão
grave quanto, calarem a imprensa. Não podemos pensar
em nenhum dos dois. Nem em
prender as mãos do Ministério
Público e nem calar a imprensa, então, pode haver consequências, mas isso faz parte do
jogo democrático.