“De modo que fico sossegado por aqui mesmo enquanto dure”. Com esse verso, parte integrante do seu último poema escrito, “Fico”, Torquato Neto despediu-se do mundo dos vivos para ser eternizado no legado cultural brasileiro. Considerado um dos principais nomes do cenário artístico efervescente do período entre os anos 60 e 70, militou a favor da cultura, contestou e buscou espaço para a cena alternativa marginalizada. Da sua atuação a obras, inspira até hoje.
Antes de sua trágica partida, Torquato construiu um legado cultural e, do ponto de vista artístico, inspirou através de sua vivência inquietante e questionadora. O ilho único do defensor público Heli da Rocha Nunes e da professora primária Maria Salomé da Cunha Nunes sempre foi um menino tímido que sempre se interessou pela poesia, tendo contato com esse universo através das obas de Castro Alves, Olavo Bilac e Gonçalves Dias. Na adolescência, sua timidez no campo da arte um espaço para ser extravasada.
Em 1963 Torquato Neto mudou-se para Salvador. O cenário que ele encontrou por lá não podia ser mais propenso para a sua mente criativa. A capital, na época, viva um momento onde a arte de vanguarda se expandia através de nomes como Lina Bo Bardi, Joaquim Koellreutter e Glauber Rocha. Não demorou a se tornar conhecido por ser um bom poeta e conhecedor de literatura brasileira. Logo, tornou-se amigo de iguras como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Bethânia e Gal Costa.
Pouco tempo depois se mudou para o Rio, com o objetivo de estudar jornalismo. Na cidade maravilhosa, trabalhou nas redações do “Correio da Manhã” e de “O Sol”, onde assinou durante quase um ano a coluna Música popular, de crítica musical. Enquanto isso, escrevia e se consolidava com compositor. Começou dessa forma a compor parcerias com Edu Lobo e Geraldo Vandré, além de Gil, Capinam e Caetano. Entre suas primeiras letras está “Louvação”, lançada com sucesso por Elis Regina e, em seguida, pelo seu co-autor, Gilberto Gil, em 1967.
Nesse período o Tropicalismo encontra seu ápice. O objetivo era dá vazão a produção criativa de vanguarda que fervia na época. O marco desse momento foi o lançamento do disco-manifesto “Tropicália” que traz na capa os representantes do movimento: Capinam, Nara Leão, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rogério Duprat, Os Mutantes, Tom Zé, Gal Costa e Torquato Neto. Torquato Neto brilhou como excepcional letrista. Sua grande contribuição para o movimento foram as letras da canção-manifesto “Geléia Geral”, de “Marginália 2”, de “Mamãe Coragem” e de “Deus vos salve esta casa santa”.
O comportamento transgressor dos tropicalistas, no período marcado pelo regime militar, leva ao exilio de alguns integrantes. Torquato Neto é motivado a sair do Brasil no im de 1968. Depois de um ano morando em Londres e Paris, ele retorna ao Rio de Janeiro e, a partir de 1971, come- ça a escrever a coluna Geleia Geral. Nesse espaço, veicula notícias e críticas sobre música, poesia e cinema, privilegiando a produção dos artistas marginais com os quais se identiica.
A coluna, nesse período, também lhe rendeu um contato com o cinema. O seu interesse pela área o levou a participar de ilmes independentes, como protagonista de “Nosferato no Brasil”, dirigido por Ivan Cardoso, e como diretor de “O Terror da Vermelha”, ambos gravados em Super-8, em 1971. Foram vários os ilmes, em Teresina, no Rio e em Salvador, entre 1961 (roteiro de Barravento) e junho de 1972 (O forasteiro da cidade verde ou só matando). Com sua entrada no cinema marginal, militou junto com artista do período para combater o Cinema Novo e a música comercial e lutou pelos direitos autorais.
Outra face
Os relatos dão conta que Torquato
Neto possuía um temperamento difícil.
Ele teve varias crises emocionais,
consideradas pelos seus terapeutas
como "surtos psicóticos". Devido a essa
patologia foi internado várias vezes em
hospitais psiquiátricos do Piauí e do
Rio de Janeiro, incluindo o hospital de
Engenho de Dentro, de Nise da Silveira.
Tentou-se suicidar por quatro vezes.
A dependência do álcool e a falta de
liberdade, somadas ao isolamento
provocado pelo exílio e pelo
afastamento de amigos, causaram-lhe
profundas crises de depressão. Aos
amigos confessava sentir-se um trapo,
um derrotado, um infeliz perpétuo.
Internado no sanatório do Engenho de
Dentro, Rio de Janeiro escreveu: "(...)
Incrível, já não preciso mais (...) liquidar
meu nome, formar nova reputação
como vinha fazendo sistematicamente
como parte do processo autodestrutivo
em que embarquei - e do qual,
certamente, jamais me safarei por
completo(...)”