O promotor Fernando Santos, representante do Ministério Público do Piauí que acompanha o caso da
subconcessão dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto de Teresina, conversou com
O DIA sobre o plano do Governo em repassar os serviços para uma empresa privada. Até o momento,
ações na Justiça inviabilizam o Governo de colocar em prática o plano da subconcessão. Além de três
ações que já tramitam na Justiça Estadual, na Justiça Federal e na Justiça Trabalhista, o promotor confirmou
que o Ministério Público vai ingressar com mais uma, questionando que o Instituto de Águas não
tem condições de funcionar sem ter funcionários efetivos e sem equipe técnica necessária para atuar. Na
avaliação do membro do Ministério Público, o Governo comete um erro ao não ter várias soluções os
problemas da Agespisa. “O Governo se fechou na questão do Instituto de Águas. Ele deveria ampliar a
discussão com a sociedade e buscar vários caminhos”, relata Fernando Santos. Confira a entrevista:
Foto: Assis Fernandes/ODIA
O Governo quer repassar a
concessão para uma empresa
privada. O Instituto assumiria
e repassaria para uma empresa
privada. O Ministério
Público é a favor ou contra
este repasse?
O Ministério Público não
tem posição contra ou a favor
da subconcessão. O que temos
é uma questão jurídica que antecede
a questão de ser contra
ou a favor. E são vários pontos
que discutimos. A primeira é
que, como Teresina faz parte
da Região Integrada (Ride),
essa decisão não cabe somente
a Teresina, ela cabe a todos
os municípios que compõem
a grande Teresina. Aprovada
a subconcessão da forma que
está, ela já afeta a cidade de Demerval
Lobão, por exemplo, no
qual o Estado já vem há vários
anos construindo uma adutora
para levar água daqui para
lá. A segunda é que o próprio
contrato de celebração entre
Teresina e Agespisa permite a
subconcessão, só que subconcessão
é parcial. Enquanto que
o que foi aprovado pela câmara
municipal, é praticamente
a concessão completa, já que
ficará com a Agespisa apenas
a zona rural, que é uma pequena
demanda. Na verdade, essa
subconcessão da forma que
está aprovada possui essas ilegalidades.
O que foi votado na Câmara
descumpre o que foi votado
no município e Agespisa?
Descumpre
Como isso pode ser mudado?
Na verdade, se for mantida
essas decisões, como já requeremos,
pois é importante
esclarecer que são três ações
que têm, mas cada uma com
fundamentação diferente. São
três ações distintas. Uma ação
do Ministério Público Estadual
com essa fundamentação, tem
uma na Justiça Federal de uma
construtora, porque alguns
anos atrás a Agespisa firmou
um contrato com a construtora
Jole para fazer parte desse
trabalho que o Município quer
subconceder. E existe uma ação
na Justiça do Trabalho, no qual
a Justiça do Trabalho entende
que essa subconcessão é uma
terceirização da atividade fim.
A gente sabe que Teresina
tem um problema de abastecimento.
Em alguns bairros,
a água só chega de madrugada.
Em outros, ela não chega.
Às vezes, chega e a população
reclama da qualidade. O
Governo alega que não tem
recursos para fazer investimentos
e a solução seria
exatamente a subconcessão.
Quando o Ministério Público
intervém e diz que há irregularidades
nesse processo,
ele estaria, de certa forma,
inviabilizando essa suposta
solução apontada pelo
Governo. Como solucionar
isso?
Bem, nós temos dito que, antes
mesmo do Governo iniciar
esse processo de subconcessão,
já alertávamos o Governo
desses problemas jurídicos. O
Ministério Público, antes mesmo
de o Governo iniciar esse
processo, já alertava que existiriam
esses contratos que impediriam
a solução apontada
pelo Governo. Porém, o Governo
insiste que existe essa
única possibilidade. No nosso
entendimento, o Ministério
Público está muito cavalheiro,
porque assim que o Governo
tomou posse e iniciou essa
proposta, o MP já advertiu de
que existiam esses problemas
jurídicos que impediam essa
solução do Governo. Ou seja,
a partir disso, era necessário
que o Governo estudasse outras
possibilidades. E aí o que
nos preocupa é que o Governo
está vendo que há uma demanda
judicial que pode ser resolvida
amanhã, mas ela pode
ser resolvida daqui um ano ou
dois anos. E o Governo, mesmo
assim, não procura outras
soluções para esse problema
do abastecimento de água. O
que nos preocupa na verdade
é que essa é uma questão
que possa demandar muito
mais tempo. E isso inviabiliza
toda e qualquer proposta. Ou
seja, a nosso ver, o Governo
já deveria ter buscado outras
soluções justamente para resolver
esse problema. Porque
veja bem, em uma das propostas
do Governo, ela já adota
imediatamente o aumento na
taxa de esgoto, ou seja, a empresa
que assumiria já entraria
com uma arrecadação que a
Agespisa não tem hoje. Porque
que o governo não adota
isso imediatamente e permite
que a Agespisa possa ter uma
arrecadação para resolver ou
minimizar esses problemas.
Porque o Governo não atua no
próprio controle da Agespisa,
que hoje possui uma perda de
água muito grande, porque ele
não adota medidas para que
essa perda de água diminua.
Ou seja, existe uma série de
soluções técnicas que o governo
pode adotar imediatamente
para que solucionasse esse
problema já hoje.
O Governo alega que não
tem dinheiro para esses investimentos
e que como a
empresa possui um grande
número de dividas de impostos.
O caminho então seria
a empresa privada fazer o
investimento necessário, e
ao longo do tempo, além de
uma espécie de indenização
que o governo pagaria a empresa,
ela criaria condições
propões de arrecadar e se
manter?
Entendemos que o aumento
da taxa de esgoto, por exemplo,
já é uma arrecadação.
Porque o Governo não faz
isso agora, só quando a nova
empresa assumir. Ou seja, o
Governo está deixando de
arrecadar hoje algo que ele
propõe para empresa privada.
E ainda tem outro problema
que o governo não tem dado
conta, que é o seguinte: nós
estamos olhando para Teresina,
onde há um problema de
água e de esgoto seríssimos,
mas se Teresina tem esses
problemas, o resto do Estado
tem muito mais. E no resto do
estado temos muito mais problemas
de água e quais são as
medidas que o governo tem
adotado para resolver isso?
E neste aspecto, o sistema
hoje da Agespisa ela funciona
como esse todo no Piauí. No
momento que o Estado separar
Teresina do restante, se o
Estado não tem condições de
resolver hoje Teresina, ele vai
ter para o resto do Estado?
Ou seja, nós podemos ter a
subconcessão e uma situação
de caos no interior do Estado,
onde temos uma situação
pior. Ninguém, em nenhum
momento do Estado, falou da
situação do esgoto no interior
do Estado. Só se preocupam
que Teresina tem problema
de esgoto e é verdade, mas no
interior também tem. E quais
são as medidas que o governo
propõe para o resto do estado.
O governo alega que na medida
em que deixar de aplicar
em Teresina, vai investir no
interior, mas a arrecadação
de Teresina é o que sustenta
as demais. Ou seja, nós temos
hoje um sistema de subsidio
cruzado que é o que transmite
fazer esse intercâmbio de Teresina
para outros municípios.
Nós entendemos que do ponto
de vista jurídico, que essa
solução não é adequada. Mas
também do ponto de vista da
solução técnica, ela pode trazer
mais problema do que soluções.
Claro que no momento
em que você subconceder o
sistema de Teresina, você de
fato pode resolver o de Teresina,
mas você vai deixar todo
o resto do estado em situação
gravíssima. E veja bem, quando
o governo pensa no estado,
ele pensa só em abastecimento
de água, ele não pensa
em esgoto. Ele pensa esgoto
apenas em Teresina. Em nenhum
momento se ver isso.
Um outro dado importante
é o seguinte, o governo alega
que a subconcessão vai ter um
bilhão de investimentos, mas
esse um bilhão é em 40 anos.
Esse um bilhão não vai vir em
2017. Esse um bilhão não vai
vir em 2016, 2017 e 2018, vai
ser em 40 anos. Depois, apenas
segundo o próprio cronograma
do estado, nós teremos
totalmente cobertura de agua
daqui a três anos, de esgotamento
sanitário isso vai ser
ao longo dos anos. Não vai ser
imediato. Muitas vezes precisamos
ter em mente os números
que o estado coloca e o
que vai ser em 2016, em 2017,
em 2018. Então temos esses
problemas que a gente precisa
realmente de fato refletir sobre
isso.
O Sindicato dos Urbanitários,
juntamente com o Sindicato
dos Engenheiros, diz
que o problema da Agespisa
é apenas de gestão. Que tem
como se resolver, fazendo
investimentos e dizem que
a maior parte da divida da
Agespisa é de juros e tem
como resolver. Eles também
acusam que a Agespisa é usada
politicamente e possuem
pessoas despreparadas ocupando
cargos importantes.
Além disso, afirmam que o
Governo estaria “desmantelando
de proposito” a empresa
para justificar a subconcessão.
Como é que pode ser
encontrada a verdade nessas
discussões? Como definir
quem tem razão?
Eu não posso dizer quanto a
essas afirmativas dos sindicatos.
Porém, nós temos um dado
hoje que será motivo de ação
judicial. O Estado tem alegado
que uma grande importância
é o Instituto de Águas, que deveria
substituir a Agespisa. O
Instituto de Águas tem 20 funcionários,
todos comissionados.
Entre essas comissionados
estão ex-prefeito municipal, a
ex-presidente da Fundac, você
tem várias pessoas que não
possuem a competência técnica
necessária para trabalhar no
Instituto de Águas. Ou seja, na
verdade, você discute a competência
da Agespisa e do Instituto
de Águas, mas você não
dota esses órgãos de uma equipe
necessária para fazer frente
a uma questão que é extremamente
técnica. Nesse aspecto,
nós entendemos e já estamos
inclusive com uma ação em andamento
porque entendemos
que como o Instituto de Águas
não tem um cargo efetivo, ele
não tem a menor possibilidade
de funcionar. Se o Governo
alega que a Agespisa não tem
condições, o Instituto tem menos
ainda.
Nessa ação que está sendo
elaborada, o Ministério Público
vai questionar a falta de
funcionários efetivos do Instituto
de Águas ou a falta de
competência técnica necessária
do pessoal do Instituto
de Águas?
A ausência de cargos efetivos.
E isso nos coloca uma outra
preocupação que é a de que
o Governo diz que o a Agespisa
não tem condições de levar
os serviços para frente, mas ao
mesmo tempo cria um outro
órgão em que você não dá a
estrutura necessária para isso.
Ou seja, os dois acabam não
tendo competência para fazer.
E aí, como vamos resolver
os problemas se temos dois
órgãos que não tem a competência
necessária para solucionar
os problemas. E se a gente
olhar qual o problema da
Agespisa hoje, é de fato uma
grande dívida. Neste aspecto,
o Sindicato tem razão porque
são dívidas previdenciárias,
tributarias e trabalhistas, que
foram acumuladas ao longo dos
anos. Mas será que não é possível
o Governo do Piauí discutir
essas dívidas junto ao Governo
federal para sanar a Agespisa e
adotar uma gestão técnica na
empresa. O governo não deixou
de nomear para cargos comissionados
na Agespisa, continua
nomeando diretores para cargos
comissionados, ou seja, o governo,
até o momento, onde eu saiba,
não adotou nenhuma medida
para solucionar os problemas
de Agespisa, do ponto de vista
técnico. E você vai matando a
Agespisa por inanição, porque
não vai adotar as medidas para
sanar os problemas e dar ao
outro órgão as condições para
que ele possa resolver. Ou seja,
nós podemos ter lá na frente,
se de fato, a Agespisa ser extinta
vamos ficar acéfalos em
termo de um órgão na questão
do abastecimento de água
no resto do Piauí? Porque não
teremos nenhum órgão com
essa capacidade técnica para
fazer isso.
No meio de todos esses argumentos,
do Ministério Público,
do Governo, dos Sindicatos,
enfim, há uma população
precisando de ampliação do
sistema. Quem não tem água
quer ter o serviço regularmente.
Na sua opinião, a solução
para isso teria que ser
dada pelo Governo? Não é
papel do Ministério Público
também apresentar essas soluções?
Exatamente. Nosso papel é
fiscalizar a aplicação da lei. O
que nós temos alertado, desde
o início, é que a solução por ele
posta tem problemas jurídicos.
Que inviabilizam a prestação
efetiva desses serviços de abastecimento
de água.
O que dizer para a sociedade
neste momento de impasse
entre as instituições (Governo,
Ministério Público, Sindicatos)?
Se eu tenho um problema,
que é o que o Governo enfrenta
hoje, já que existem essas
três ações que inviabilizam a
subconcessão no momento, eu
vou insistir nisso e se por acaso
essa demanda durar dois,
três, quatro anos? O que é mais
sensato não seria adotar outras
medidas alternativas? Então, eu
acho que hoje o Governo deveria
procurar outras soluções.
E deveria também para iniciar
buscar outras soluções junto
com os próprios sindicatos do
setor, ampliar a discussão com
a sociedade para buscar essas
soluções. Porém, o governo se
fechou numa solução que pode
dar certo para Teresina, pode
não dar certo para o resto do
Estado, mas pode também nem
vir a acontecer por conta dessa
demanda judicial que foi instalada.