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Especial transmídia: afinal, onde está a felicidade?

No dia 20 de março é comemorado o Dia Internacional da Felicidade. Nesta reportagem, ODIA debate a procura por este tão sonhado ideal

18/03/2017 08:26

Inês Teresinha, de 72 anos, tem um sorriso de ouro. E isso pouco tem a ver com o fato dela exibir duas pequenas pepitas de ouro nos dentes da frente quando sorri. A moradora da zona Norte de Teresina gargalha com propriedade verdadeira porque afirma que descobriu, há muito, o segredo da felicidade. Sem mistério ou delongas, ela compartilha o segredo: “felicidade é se agarrar às coisas boas da vida”, confessa.

 Mas o que para Inês foi missão fácil, ainda hoje assume lugar de mistério para diferentes setores da sociedade. Então, afinal, onde está a felicidade? Segundo pesquisadores ingleses, a felicidade é genética. Com estudo publicado no periódico Journal of Human Genetics, os cientistas tentam provar que com um par especial de genes têm-se quase duas vezes mais chances de se sentirem satisfeitos com a vida, quando comparadas àquelas que não têm a mesma carga genética.

O grande responsável pela sensação de bem-estar é uma variante do gene 5-HTT, responsável pela forma como as células nervosas gerenciam a distribuição da serotonina, substância que ajuda a controlar o humor e conhecida como “droga da felicidade”,

Inês Teresinha, de 72 anos, tem, literalmente, um sorriso de ouro (Foto: Elias Fontinele/O Dia)

Com o reconhecimento do gene 5-HTT, a relação que se faz, agora, é que pessoas com a variante funcional do 5-HTT têm mais chances de terem vidas mais felizes. Isso porque é ele que oportuniza o código operacional do transporte de serotonina dentro dos neurônios. A versão mais “longa” do gene leva à formação de mais transportadores da substância, enquanto o oposto ocorre com a versão mais “curta”. Assim, a felicidade estaria relacionada à sorte de um organismo ter a versão longa ou curta do gene.

A conclusão foi possível graças ao acompanhamento de mais de 2.500 pessoas nos Estados Unidos sobre o quão satisfeitas estavam com a vida, bem como análise do seu DNA. Os resultados comprovaram que 69% das pessoas que tinham duas cópias do gene “longo” estavam satisfeitas (34%) ou muito satisfeitas (35%) com a vida. Contudo, para aqueles que não tinham nenhuma cópia da versão “longa” (portadores do par “curto-curto”), a sensação de felicidade com a vida era bem menor. Apenas 19% das pessoas se diziam muito satisfeitas e a mesma proporção se considerou satisfeita com a vida.

Mas para Inês, por exemplo, pouco importa saber qual a parte do gene 5-HTT que lhe coube. A senhora confessa que busca a felicidade em tudo que lhe cerca. “Sou feliz porque, mesmo nos momentos mais difíceis, eu procuro pensar em coisa boa. E assim a gente vai vivendo. Compartilhando momentos de alegria sozinha, com a família e os amigos”, finaliza a senhora, deixando acompanhar da última palavra um sorriso curto e empolgante.

“A felicidade está dentro de nós”, considera psicóloga

Felicidade é um conceito de difícil definição por ser muito subjetivo. A busca por ela também. Mas para psicóloga Yanny Luizy é importante perceber que a busca pela felicidade não está fora, mas dentro de cada indivíduo.

“A busca pela felicidade está dentro de nós, mas o que vemos são pessoas condicionando isso. ‘Ah! Vou ser feliz quando me formar, quando casar, quando tiver o emprego ideal...’. Mas a vida não é isso. A felicidade é diária e está em se conhecer e buscar o que se gosta”, avalia Yanny.

A felicidade é constituída por várias emoções e sentimentos que podem ser motivados por alguma coisa em específico, como um sonho que se realizou, um desejo atendido, ou até mesmo aquelas pessoas que são famosas por sempre estarem felizes e bem-humoradas, não sendo necessário nenhum motivo específico para que elas estejam em um estado elevado de felicidade.

Yanny Luizy diz que felicidade está dentro de cada indivíduo (Foto: Elias Fontinele/O Dia)

A busca é individual, mas compartilhada ao longo da vida. “A gente tende tanto a colocar a responsabilidade da nossa felicidade no outro, que acaba que a gente não pega a responsabilidade para si, se cuidar e se amar. Então a resposta é essa: não fazer algo só para agradar sempre os outros. A felicidade não está em ninguém, está dentro de você. Tenho problemas? Mas ninguém é culpado dos seus problemas e é preciso entender e trabalhá-los”, ressalta.

Por isso, buscar atividades que acrescentem a maneira de se viver e autoconhecer, como esporte, terapias, hobbys, são de fundamental importância dentro do caminho em buscar uma vida plena e feliz.

Comunidade encontra felicidade em momentos compartilhados

No século XIX, o escritor e poeta Henry David Thoreau escreveu, em um de seus ensaios, a frase que posteriormente tomaria destaque nas telas de cinema com a história de Christopher McCandless, de que: a felicidade só é verdadeira quando compartilhada. O trecho dá força à necessidade do ser humano viver em comunidade e, assim, desfrutar de uma alegria real.

Longe das definições teóricas, o grupo do qual faz parte a confeiteira Maria Luiza, de 47 anos, sabe que a cada novo encontro para aulas de ginástica e dança “há motivos para ser feliz”, como descreve Maria.


Grupo elege vida mais saudável como fonte para felicidade (Foto: Elias Fontinele/O Dia)

Moradoras de bairros que fazem parte do Projeto Lagoas do Norte, as mulheres desfrutam, entre sorrisos, da busca por uma vida mais saudável. Para Maria Luiza, esse é um pilar fundamental para a tão almejada – e experimentada – felicidade.

“Quando você está bem consigo, você consegue estar bem com os outros. Isso é felicidade. É o lazer acompanhado de outras pessoas, é buscar ver a beleza nas pequenas coisas da vida”, considera.

E de acordo com pesquisadores da Universidade de Penn State, nos Estados Unidos, praticar mais atividade física do que o costume pode influenciar de forma positiva no quão satisfeita com sua vida. Segundo o estudo, praticar exercícios proporciona maior felicidade já que proporcionam um maior bem-estar psicológico.

A felicidade pede e dá passagem

É difícil passar indiferente na catraca comandada pelo cobrador Francisco das Chagas. O profissional, para muito além da sua função de sistematizar a cobrança de passagem dos usuários do transporte público, é uma verdadeira referência de felicidade. Chagas ficou conhecido entre os passageiros de ônibus pelo seu bom humor e presteza com que cumpre seu trabalho de cobrador, no qual se dedica há cerca de dez anos.

Basta acompanhar um pequeno percurso do ônibus em que, hoje, ele cumpre suas horas de trabalho, na linha 401 Universidade - Centro. A cada passagem na catraca, não só os créditos do cartão, vales ou dinheiro são entregues ao cobrador, um ou outro sorriso também são deixados em resposta ao sempre bom humor do profissional. Para ele, tudo é consequência da sua maneira de encarar o mundo.

“A pessoa que tem o entendimento do que é Cristo é feliz, porque todo nosso martírio Jesus Cristo levou. Hoje, eu sei que, mesmo que esteja triste, eu tenho que adquirir o melhor que as pessoas querem me dar. Felicidade é se sentir bem, gostar do que faz, ter um convívio familiar onde essa família te apoia, tudo na vida é um prazer”, conta.

Francisco das Chagas tenta adquirir o melhor que as pessoas querem lhe dar no dia a dia (Foto: Assis Fernandes/O Dia)

Foi esse fomento ao lado espiritual que ele confessa ter ‘dividido’ a maneira como encara a vida. Apesar de, desde a infância, confessar que gostava de brincar entre os amigos, a vida só tomou sentido real com a consciência da sua efemeridade e ‘real missão’. “Temos que levar o melhor dessa vida e espalhar coisas boas, eu tenho meus problemas, mas ninguém tem culpa disso. Eu prefiro fazer parte de um momento de felicidade de alguém”, considera.

E são muitos os momentos de felicidade que o profissional tem dividido ao longo dos anos. Convites de formatura são comuns e até casamento ele já ajudou a tornar real. “A gente vai brincando com um, brincando com outro, já teve um casal que se conheceu durante uma dessas e hoje são casados. Fico muito feliz em fazer parte desse tipo de história”, confessa.

A fama do cobrador já se espalhou e, com ela, a efetivação de laços cada vez mais reais. Chagas lembra que, repetidas vezes, pessoas confessaram já ter buscado uma corrida no ônibus em que trabalha apenas para conversar.

Um dos segredos é se manter aberto e receptivo a todos, independente de faixa etária, sexo, cor ou religião. “Nós temos que buscar fazer amigos, não inimigos, brincar e ser feliz respeitando o espaço e a maneira de cada um. A vida assim faz sentido”, pontua.

O fato é que no ônibus que trabalha Chagas, o ‘Chaguinha’ ou apenas ‘cobrador’, a felicidade não paga passagem e sempre tem acesso livre antes e depois da catraca onde fica o cobrador.

Direito à felicidade

A busca pela felicidade não cabe apenas no linguajar popular. O conceito, de uma maneira cada vez mais recorrente, tem ocupado espaço em debates jurídicos e se tornado premissa para defesa de garantias de direitos fundamentais do ser humano. Ao estudar essa relação, o advogado Saul Tourinho Leal, em sua obra ‘Direito à Felicidade’, fruto de sua tese de doutorado, mostra o quão amplo e essencial é a presença do tema dentro da formação do país.

“O direito à felicidade parte do pressuposto de que, aconteça o que acontecer, seja em qual momento da história for, as pessoas naturalmente lutam para escapar da dor e do sofrimento e tentam guiar suas escolhas sempre em busca da felicidade. Devemos reconhecer esse fato, enquadrá-lo juridicamente e abrir espaço para que haja cada vez menos dor e sofrimento e cada vez mais instrumentos para se alcançar o que uma socie dade civilizada reconhece como felicidade”, considera o constitucionalista.

Saul Tourinho Leal escreveu a obra ‘Direito à Felicidade’ (Foto: Arquivo Pessoal)

Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, o advogado é claro ao reforçar a necessidade de discutir a garantia ao direito à felicidade se esquivando de mecanismos que impeçam o uso populista do conceito pelos políticos ou por juízes. Em sua tese, Tourinho retoma o acontecimento que deu fôlego ao debate a respeito da felicidade como direito, quando, em 2011, o voto do ministro Celso de Mello, do STF, no julgamento do direito de casais homoafetivos formalizarem união perante o Estado, citou o "direito à busca da felicidade” como reforço à formação de família por casais homossexuais.

Um ano antes disso, a proposição da chamada ‘PEC da Felicidade’, que foi aprovada pelo Senado quatro anos depois, mas, agora, segue paralisada, reascendeu a importância do tema. Para o es tudioso, a PEC tem um valor simbólico.

“Não é que, com o dispositivo, as pessoas amanhecerão sorrindo, cantarolando. É estúpido pensar assim. Mas, ao inserir o termo na Constituição, uma nova agenda se abre para que possamos ir mais a fundo na discussão quanto a algo que é tão banal, que é esse fato, do qual falamos no começo dessa conversa, de que as pessoas, desde a aurora da história, estão sempre tentando escapar da dor e do sofrimento e conduzindo suas escolhas em busca da felicidade”, afirma.

O advogado lembra que as gerações deixam diferentes legados na história do mundo e que lutar por uma sociedade mais humanitária, justa e feliz é uma forma de marcar o espaço/tempo com um legado realmente valoroso.

“Eu acho que defender a ideia de que as pessoas têm o direito de serem felizes, de serem consideradas em suas emoções, de se verem livres, tanto quanto possível, das dores e do sofrimento, seria um legado. No futuro, alguém, dilacerado pelo peso da injustiça, vai se lembrar do que dissemos, vai se levantar e vai dizer: 'Não! Eu não aceito essa condenação. Eu tenho o direito de ser feliz'. E vai fazer a sua própria revolução. Temos, todos nós, o direito à felicidade, qualquer que seja a sua concepção do que o faz feliz, desde que, claro, você não destrua a dignidade do outro, nem a sua”, finaliza.

Por: Glenda Uchôa - Jornal O Dia
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