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Discursos de ódio propagados na internet são reflexos de raízes culturais

Casos envolvendo pessoas já conhecidas na mídia tem ampliado o debate sobre a prática de ações motivadas por desrespeito e ódio às diferenças

12/07/2015 08:16

Encontrar expressões e definições em inglês, na internet, não é um trabalho muito difícil de realizar. Afinal, ser um ‘nerd’ online, fazer o ‘download’ de um arquivo, abrir um conta no ‘Facebook’, ou ‘twittar’, são ações comuns para quem conhece e utiliza diferentes canais do universo online. Atualmente, mais uma nova definição tem ganhado força na web, são os ‘haters’. Caracterizados como disseminadores de ódio na internet, os haters - do inglês ‘hate’ é ódio - passam seu tempo atacando a opinião de outros usuários ou veiculando mensagens de cunho racistas, homofóbicos, xenófobos, bairristas e de intolerâncias em geral. 

Em diversas redes sociais, na sessão de comentários de grandes portais de notícias, em grupos ou fóruns de debates, é recorrente a propagação de ações isoladas ou conjuntas desse grupo de pessoas. Casos emblemáticos, principalmente envolvendo pessoas já conhecidas na mídia, tem ganhado repercussão e ampliado o debate sobre a prática de ações motivadas por desrespeito e ódio às diferenças. Para o sociólogo Francisco Mesquita, os acontecimentos apenas refletem o processo de formação da sociedade brasileira. 

“O nosso processo de formação se baseia em três tripés históricos. Na escravidão, com um sujeito totalmente submisso e um sujeito totalmente dominador, sendo o escravo e o senhor. Também tivemos o surgimento da sociedade politica coronelista, onde existiam dois sujeitos distintos, o senhor de terra, dominador, e o agricultor, o dominado. Nosso terceiro elemento de fundação da sociedade brasileira é relação do português com o índio. De novo, outro grupo que submete. Em um período de 300 anos tivemos a formação de uma cultura aonde você encontra grupos que se submetem e sempre existe a dicotomia do dominador e o dominado. Esses elementos, com suas distintas áreas, vão configurar, na atualidade, o nosso sujeito social. A questão do ódio na sociedade brasileira tem uma raiz cultural, vem da formação cultural”, esclarece. 

Analisando dessa forma, o que a interpretação dos abusos propagados pela internet pode indicar é que os sujeitos não passaram, apenas agora, a serem mais intolerantes, mas só agora, em maiores proporções, tiveram oportunidade de dar vazão a ações de inferiorizarão e desrespeitos a diferentes grupos. 

“Nós estamos vivendo em uma sociedade em que a intolerância parece ser mais realçada por conta dos meios de comunicação que nós temos. Será se o ódio à diversidade, ao diferente, aumentou? Talvez não. O que pode ter acontecido é que os meios de comunicação facilitam a circulação de forma mais abrangente e até em escala mundial de certas atitudes do que no passado. A sociedade está se tornando mais intolerante? Talvez não. A sociedade tem ganhado meios de comunicação que tornam visíveis essas praticas de intolerância na sociedade”, lembra o sociólogo.

Foto: Jailson Soares/ ODIA

Francisco Mesquita defende que, estruturalmente, o cenário por qual é estabelecida a sociedade tende a incentivar tais práticas, já que questões relacionadas a ética, a moral, a convivência, a tolerância, são esquecidas no processo de educação por qual passa todo o brasileiro. 

“Para passar de ano o aluno entende que precisa tirar entre sete e dez, mas e a nota que ele recebe se agredir uma amiguinha, verbalmente, porque ela é gorda? Não tem nota se ele ridicularizou uma pessoa de cor negra. Esses elementos não são trabalhados na nossa educação. Por isso, o cara “educado”, que está no curso superior pode agredir uma mulher, um diferente, igualmente faria o cara desinformado que mora no meio do mato. Não temos um debate de tolerância e respeito”. 

Não raro, os casos de intolerância entre os usuários da grande rede tomam proporções maiores. E se o espaço cibernético, desde seu surgimento considerado o mais democrático dos meios de comunicação, agora, tem também se apresentado como um espaço de radicalismo. 

 Falsa sensação de proteção ou anonimato incentivam intolerâncias 

Muitos usuários da grande rede tendem a se manifestarem de forma exagerada por encontrar, no meio online, a falsa sensação de proteção ou anonimato. A ideia de poder divulgar preconceitos e sair impune, sem consequências para os atos de intolerância, são considerados atrativos para alguns usuários. O perigo, segundo o sociólogo Francisco Mesquita, está no fato de que o ódio nas redes, muitas vezes, pode se concretizar na vida real. 

“A internet encoraja o individuo porque lá, ele se esconde. Ele se torna um sujeito invisível, então, ele tem mais coragem de poder atacar o outro. Mas a internet é um meio, ela não é o fim do ódio. O fim do ódio está na nossa formação sociocultural do pais. Hoje, por exemplo, pais acham normal que uma criança possam debochar de outra, com a convicção de que ela está se firmando. Nos faltam regras de convívio na vida real e essas regras se tornam ainda mais difíceis de serem encontradas no meio online”, esclarece. 

Os casos se repetem. Desde episódios de intolerância racial, a ataques orquestrados contra população de certas regiões do país. Segundo Mesquita, os códigos de ética e educação devem ser reforçados. “Sujeito que não tolera o outro. Qualquer um de nós está sujeito a um preconceito na sociedade, porque não tem um sistema basilar (básico) do bom viver da sociedade contemporânea. Os códigos de ética de valores são totalmente diferentes dos códigos do Brasil”, explica o sociólogo. 

“Nós temos uma sociedade bem mais instrumentalizada na área da comunicação, capaz de dar visibilidade aos atos humanos de forma bem mais rápida e transparente do que existia no passado, mas esse ódio que os indivíduos alimentam vem da nossa formação cultural”, completa.

Por: Glenda Uchôa- Jornal O Dia
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