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Censura a obras de arte revelam incompreensão para novas formas de expressão

Ressurgem os questionamentos em relação aos limites do que pode ser ou não considerado como arte.

24/09/2017 08:35

Vez ou outra, o debate sobre o conceito de arte ressurge. De tão subjetivo que é, nunca houve consenso entre os argumentos relacionados à liberdade de expressão e artística, à ideia de belo e ao impasse entre sagrado e profano.

Recentemente, uma mostra de arte, em Porto Alegre, colocou em cena a disputa entre a expressão artística e censura. A exposição "Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira", que ficaria em cartaz até o dia 8 de outubro, foi suspensa após protestos e manifestações, liderados principalmente, pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e por religiosos. As obras expostas traziam à tona reflexões sobre gênero e sexualidade, com trabalho de 85 artistas, como Adriana Varejão, Cândido Portinari e Ligia Clark.

Segundo a pesquisadora de arte Carol Carvalho, movimentos e escolas das artes plásticas utilizaram o retrato da nudez como uma forma de expressão. A princípio, o nu aceito era o religioso e o mitológico. “Existia exposição do corpo com outro teor? Sim. Mas não eram aceitas também. Isso precisou de tempo. E ainda precisamos do tempo e da informação, do entendimento para superar essa resistência”, explica.

Obra do artista plástico piauiense Avelar Amorim.

A nudez e a sexualidade na arte se transformam em tabu a partir do momento em que eles perdem o caráter religioso ou mitológico. Como exemplo de uma obra que caracteriza esse momento, Carol cita a tela “Olympia” de Édouard Manet, exibida no Salão de Paris de 1865 e que provocou um grande escândalo entre os críticos que a julgaram como “arte indecente”. “Extrapolou todos os limites que um artista podia ultrapassar naquele momento, não era nem a Eva e nem era Vênus. Não era nem algo cristão nem mitológico, era uma mulher contemporânea, proletária que posava nua”, pontua pesquisadora.

Em meio às críticas, surgem questionamentos em relação aos limites do que pode ser ou não considerado como arte. No final do século XIX, com a arte moderna e a Revolução Industrial, surgem novos suportes para as expressões artísticas, logo outras formas de se fazer arte. “É um processo ainda lento de interpretarmos a arte. A arte busca uma aproximação do cotidiano para apresentar mudanças. Por outro lado, se a expressão artística não é impactante, será se nós iremos direcionar nosso olhar sobre ela?”, finaliza.

Arte que rompe e contesta

O artista plástico piauiense Avelar Amorim tem um trabalho que dialoga com a arte erótica e, por isso, tem suas obras como alvo de recorrentes críticas. Ele sentiu reações contrárias logo na primeira exposição em que foi curador, em 2010, onde reuniu cerca de 30 artistas na exposição “Saliências”.

O artista plástico Avelar Amorim (Foto: Divulgação)

A mostra teve pouca visibilidade, segundo ele, por um boicote da mídia, que também ocorreu em uma segunda apresentação, que dessa vez era composta somente por telas autorais com conteúdo relacionado à nudez e sexualidade. “Como era a primeira, achava que era um trabalho que iria agredir, eram pinturas que retratavam o olhar de cada artista para a nudez masculina e feminina. Em Teresina, as pessoas agora que estão despertando para arte contemporânea e outras vertentes artísticas”, lembra.

Avelar sentiu novamente uma reação às suas obras na internet. Recentemente, ele expôs 30 telas em aquarelas de corpos nus que se voluntariam para compor a mostra. Os trabalhos foram publicados em rede sociais, e o artista recebeu um feedback negativo. “No Facebook a pessoa é denunciada e o site bloqueia seu perfil. Dessa vez postei no Instagram. Não fui bloqueado, porém muitas pessoas deixaram de me seguir por conta das postagens das telas”.

Para Avelar, é justamente o ambiente virtual que reforça e contribui para a manutenção de alguns tabus. Ele acredita que a internet amplia as manifestações das pessoas. “Hoje temos acesso a tudo muito rápido. Antigamente a gente não via tanta manifestação maciça em relação à nudez e a arte. O tabu vai muito também do território, como ele está preparado culturalmente para isso. Todo lugar onde você tem acesso a diversidade cultura e de informação você não vai ficar tão armado para uma coisa que já acontece desde a idade média”.

Obra de Amedeo Clemente Modigliani, artista plástico e escultor italiano que viveu em Paris no século XIX.

Otimista, o artista acredita que essas reações são naturais para que, somente assim, a arte assuma seu papel: levar a transformação de valores sociais através da inquietude. “A arte sempre teve essa função, em todos os períodos e movimentos artísticos, serviu como transformação de valores sociais. Os artistas são mentores, ou encarregados, de levar subsídios para acontecer essa transformação. Hoje a arte contemporânea muitas vezes não é degustada de maneira fácil, justamente porque o artista ele não ensina muito, ele deixe que você monte seu entendimento, acima de preconceitos e conceitos que estão na atualidade”, finaliza.

Por: Yuri Ribeiro
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