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Abusos sexuais deixam marcas físicas e psicológicas em crianças; veja sinais

Mudanças bruscas de comportamento devem ser observadas pelos pais. Sinais variam da introspecção à rebeldia, passando por dores físicas e problemas de linguagem.

19/11/2017 08:13

Não existe uma receita simples para identificar os sinais que uma criança dá quando é vítima de abuso sexual. E é justamente por isso que os adultos devem redobrar a atenção. Perceber que algo está errado é um desafio até para os profissionais que lidam com esses traumas diariamente.

Segundo a psicóloga Elenice Macedo, que trabalha há 21 anos no Lar da Criança, abrigo para meninos e meninas de zero a 12 anos vítimas de abusos e em situação de vulnerabilidade, os sinais dados pelos pequenos variam, assim como a gama de emoções que todo ser humano pode expressar. Quando sofre abuso sexual, por exemplo, é comum a criança ficar mais introspectiva, calada, evitar contato com as pessoas, mas há casos também em que a introspecção dá lugar à inquietação e o silêncio dá lugar à agressividade e à rebeldia.

O pedido de socorro vai se expressar de acordo com a vivência e a personalidade de cada um. É o que pontua Elenice: “A gente tem que fugir dos modismos e parar de acreditar que toda criança inquieta é hiperativa ou que toda criança introspectiva está sofrendo com depressão. A inquietação e a tristeza profunda podem estar relacionadas a uma série de fatores e, dentre eles, um provável abuso. A vítima tende a se calar, portanto é nas atitudes que ela demonstra que algo não vai bem”, destaca.


A psicóloga do Lar da Criança, Elenice Macedo, explica que os sinais do abuso sexual vão da introspecção à rebeldia (Foto: Elias Fontinele/O Dia)

 A psicóloga comenta o caso de uma menina que deu entrada no Lar da Criança em 2015, quando tinha apenas 10 anos. Ela era abusada pelo padrasto desde os oito anos e levou cerca de quatro meses para conseguir falar sobre o assunto com os psicólogos do abrigo. O caso chama a atenção para o fato de que vítimas sofrem impactos fortíssimos na sua capacidade de se expressar pela fala. Acontece aquilo que Elenice chama de emudecimento. “Sempre quando eu tocava no assunto, tentava aplicar alguma técnica para conseguir chegar ao cerne do problema, ela dizia que queria sair, que queria ouvir música, brincar, qualquer coisa, menos falar disso, porque doía muito. A gente via pela atitude dela que doía”, relata a psicóloga.

O emudecimento é causado, em grande parte, pelas ameaças que a criança recebe de seu abusador. É por medo que a criança tende a permitir que os abusos continuem e vai se fechando e se calando cada vez mais. A menina mencionada por Elenice, por exemplo, pediu socorro à diretora da escola em que estudava. No ano passado ela deixou o Lar da Criança para viver com os avós.

Outra mudança comportamental que deve ser observada diz respeito à atitude da criança de evitar o convívio com certas pessoas. Um ato que poderia ser interpretado como simples timidez pode sinalizar algo mais sério. “Aquela criança que deixa de ficar à vontade com determinado adulto com quem ela tinha uma boa relação, tem seus motivos para isso. É nesse momento que os pais devem exercitar seu olhar e sua capacidade de dialogar com os filhos para saber o que está acontecendo. Se uma pessoa causa algum tipo de trauma em uma criança, é normal que ela queira evitar qualquer coisa relacionada àquilo, inclusive a presença da própria pessoa”, diz Elenice.


Evitar adultos com quem se tinha uma boa relação e problemas na dala também são sinais de que algo não vai bem com a criança, diz a psicóloga (Foto: Elias Fontinele/O Dia)

O corpo também dá sinais

Mas não são somente os sinais de mudanças no comportamento que devem ser observados nas crianças. Existem também os sinais físicos. Dores de cabeça, que muitas vezes são confundidas com problemas oftalmológicos ou auditivos, podem sinalizar, na verdade, uma sobrecarga mental por conta do trauma sofrido. Manchas na pele, reclamações de dor nas partes íntimas ao urinar, por exemplo, também devem ser tidas como sinais de alerta. “Quando nosso corpo não está bem, ele nos avisa, nos pede socorro, nos pede cuidado. Nós estamos falando de corpos em formação que são violados de forma brutal e isso deixa marcas. Muitas vezes, o próprio trauma psicológico deixa marcas no corpo físico: a insônia que leva à estafa, os pesadelos à noite que levam a um estado de inquietação corporal”, atesta a psicóloga.


Foto: Elias Fontinele/Arquivo O Dia

Nem só a vítima silencia

Um crime silenciado. Essa é uma das várias classificações que o abuso sexual pode ter. Por medo de ameaças, por receio em constranger alguém próximo, por não querer expor a vítima ou por querer preservar o convívio. São inúmeros os motivos que levam vítimas e testemunhas a se calarem diante de um caso de abuso sexual ou aliciamento.

Para evitar um desgaste maior na família, a mãe de duas meninas que eram aliciadas pelo avô optou por não denunciar. Em entrevista ao Portal O DIA, a mulher preferiu não se identificar Ela conta que orientou as crianças sobre como evitar que a situação voltasse a se repetir. “Mesmo eu sabendo, no mesmo momento eu tomei a decisão de não contar a ninguém. Era o avô paterno e eu não queria magoar meu marido. Mas ele tomou conhecimento também e nós tivemos contato com as criança. Pedi que elas se afastassem, que só fossem na casa do avô quando a gente fosse junto”, conta. “Nunca pensei em procurar a polícia, sempre tentamos deixar entre nós”.


O relato chama a atenção para o que a psicóloga Elenice Macedo comentou, a respeito dos abusos acontecerem, na maioria das vezes, no seio familiar. “Parte de gente que nunca se esperaria e isso causa um choque que leva ao silêncio”, conta. A maior parte dos casos atendidos pelo Lar da Criança, segundo a psicóloga, tem como abusador o padrasto ou o próprio pai. Esse fator eleva ainda mais o nível do trauma sofrido pela criança, já que ela vê alguém que deveria protegê-la, lhe causar mal. “Não tem conserto. Não tem uma receita que a gente diga que vá reparar o dano físico e mental causado a uma criança que é abusada sexualmente. O que podemos fazer é ressignificar o trauma e tentar dar para a vítima a perspectiva de uma vida futura melhor. Pegar algo que marcou de forma horrível a sua história e tentar transformá-lo em algo bom”, finaliza.

Por: Maria Clara Estrêla
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